Monday, November 30, 2009





CONTOS DE RATAZANA
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VIDA DA ZONA VADIA
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Paulo César tem uma sorte realmente danada, em especial quando o vemos em conquistas amorosas… se os casos espantosos que lhe acontecem, se não se dessem em frente dos nossos olhos, certamente faríamos ouvidos moucos se só soubéssemos deles pela sua boca. Dar uma volta com César é como comprar um bilhete para o espectáculo de circo e se depararmos com uma comandita de putos a fazer um chiqueiro debaixo de macacadas, temos de concordar que o facto deve ser considerado como perfeitamente normal. Contudo o próprio César já se habituou… fica tão contente como qualquer outra pessoa quando se encontra nestes locais preferidos. Quando fala sobre o assunto assume-se logo com um ar de um homem que se considera a si próprio e à sua vida como essencialmente interessantes.

Sente-se tão entusiasmado como qualquer outro, tenta fazer com que as suas conquistas adquiram uma maior diversidade notabilizando-as, mas se se conhecer bem César percebe-se que aquilo que ele tenta contar como uma façanha pouco convincente constituí, na verdade a rolha de algo que nasceu dos contos do mestre Ratazana. No entanto há alturas em que as coisas também não lhe correm bem a César. Durante uma época César teve uma gaja para se entreter, cem por cento puta brasileira, autêntica... Estava na Casa do Levanta o Pau a aquecer os clientes a ficarem entesuados … o velho esquema do tesão-instantâneo, e César diz que a maior parte dos seus clientes descende em linha directa dos contactos do telemóvel. Esqueci-me do local onde César a conheceu, mas por uns tempos representou o papel de Grande Foda da Bunda em Alta, e jura que uma noite se embebedou e lhe papou o botão de rosa com uma posição à coelho...

Uma gaja carola, disse, também, mas o problema é que não se conseguia esquecer de que ela era puta e César viveu num tempo onde a única puta boa é uma puta marada ou a puta que chule um diferente gajo todos os dias e temia que uma bela noite ela «levasse a coisa a sério» e lhe sugasse o leite, por isso finalmente tinha-lhe dado com a chanca. Mas merda, toda a gente sabe que há putas por todo o lado e se há algum lugar onde se possa encontrar uma marada, esse lugar é o Porto. César e eu trauteamos pela Avenida do Brasil, admirando a passagem de fêmeas neste princípio de noite e sentindo ele o efeito dos imperiais e eu das águas que enfiámos nos pubes. A noite aquece… é uma noite como qualquer outra e nada no aspecto de César sugere que ele esteja sob a acção de um pifo. De súbito damos com os olhos numa cabriteira a atravessar no meio da rua, com carros a passar-lhe ao lado, e quase a atropelando, mas sem a seduzirem. César cansa-se e sentámo-nos nos bancos do Bonaparte para tomar uma rodada e ver quem está lá dentro.

Pagar nestes. As despesas nunca tentaram César a chegar-se à frente. Ele não contém um cêntimo, por isso põe-se a galar a miúda da mesa da janela e a atirar cascas de amendoins para um caixote do lixo. Parece não haver outra coisa a fazer, a não ser olhá-las se acharmos que vale a pena olhar. Miúdas de 17, aos 25, morenas, loiras, maquilhadas, cigarros nos dedos, vários penteados, cabelos compridos daqueles que os homens pegam para sentirem alguma atracção, uma tia, jovens, muitos jovens, um par de carochas… é a habitual clientela da noite com interesse. Fico vigilante, tal como César. Tínhamos uma leva esperança de que a noite ainda nos rendesse uma aventura aos dois. Entretemos os olhos. São tão fugazes que nem os apreciamos. A tia é outra ferramenta, para melhor… uma sardenta sorridente, a atirar para o cavalão. César dá voltas e reviravoltas aos olhos, enquanto olha novamente para a direcção da janela onde a miúda se concentra nas ondas do mar. O que é que eu acho, quer ele saber… esta miúda será de me levar a sério? Achá-la parecida com alguém? Não é mesmo o tipo de miúda com ar de passarinha? Parece ser boa no arame, que achas?

Os achados é na polícia, ironizo eu… podemos achar lá muitas coisas em poucos segundos… e César medita em ir à miúda levar os amendoins e ver se pode dar duas de conversa. O mínimo que ela pode fazer, diz, é aceitar-me os amendoins e, se for uma porreiraça, talvez uma confiança… talvez as duas coisas, diz César, nota-se que é uma miúda de boa pinta.

«Mas imagina que é um atraso», digo-lhe. «Não estou aqui pra levar com um atraso só por uma questão de acompanhante.»

Não é nenhum atraso, diz César. Mesmo que não seja a miúda do meu tipo, nenhum atraso conhecia uma miúda daquelas. As miúdas boas andam em bando, diz César convictamente. Mas mesmo que seja um atraso há sempre a possibilidade de uma confiança e eu não sou obrigado a ir comê-la.

«Não será bem assim, César… Acho que não te vais safar.»

A temperatura do luar está exactamente na ponta do rebuçado para me fazer chegar a adrenalina à cabeça e nós, sentados, martelamos o assunto intensamente.

«Talvez se estivesse só um de nós, ela… mas acho que nós os dois assim não vamos lá. Devíamos experimentar ir lá um de cada vez, ou coisa que valha…»

César recusa. Entrámos os dois juntos, vamos sair juntos… ou fazemos isso, ou vamos de vela virada e ela que se aguente à sua. E se a miúda estivesse a fazer horas à espera de alguém? Tanto ele como eu estaríamos a fazer figura de camelos… e depois íamos ficar com uma tola do tamanho de um melão. Sem saber muito bem como, começamos uma discussão sobre quem teria chances de levar com ela… No fim sempre vamos embora. No trajecto, curtamos caminho para entrar noutro bar e beber mais uma rodada. Lá arranjamos outra discussão, desta vez sobre o que faremos se em vez de uma houver duas miúdas para atrelar ou se for uma tipa a abrir aos dois…

O empregado é teso como um chuço e César faz-lhe peito mas o outro mostra-lhe os dentes para ele ver que não tem medo, antes de nos deixar passar. Depois escorraça-nos para a geral… mesmo para debaixo dos exaustores. Pedimos e o serviço aparece de imediato. Uma voz chilra quase atrás de nós. César resmunga qualquer coisa e olha à nossa volta, sem sorrir, e depois olha de novo para a sala. Não se trata de uma mulher e não penso que tenha mais de dezoito anos. É uma chavala. Alguma clientela, como nós, dupla e mista, e também mulheres sós… mas a maior percentagem é especialmente entradote, ou então chavalada. O copo de finos que ele nos traz parece quase do seu perfil. Pela terceira ou quarta vez César pede-lhe para trazer amendoins… ou qualquer coisa para dar ao dente, e de cada vez que faz sinal ao empregado ele sorri-nos e nós sentimo-nos como uns perfeitos idiotas. 
Não vem nada nos livros de reclamações que fale numa situação destas. Mas, sorte minha, o que é que se diz a um mal atencioso? É lógico que ele também deve ter coisas para dizer, mas um mal atencioso… merda, esses tipos vivem num mundo totalmente aparte. Quem nos mandou ter vindo para cá… Além demais, ele faz-se esquerdo. Pelo menos para um mal atencioso. Também não parece tão profissional como a maior parte deles… Parece-se mais com uma cópia reduzido de um empregado normal. Tem unhas aguçadas, uma boca com os dentes para fora que me faz evocar o coelho, e os olhos… julgo que se podem classificar como fuinhas, atendendo ao brilho deles…

Um olhar a César diz-me que ainda ele não viu tudo o que queria ver… A cerveja é boa a medida é que é curta. Fico por esta. Dez minutos mais tarde uma chavala já está a fazer olhinhos a César… Faz perguntas a seu respeito, em que é que ele está a pensar, etc… e revela que está ali a tentar fazer o pino antes de ganhar o sono. Fala sempre naquela voz chilra, aguda e doce que parece um pássaro. Faço sinal a César – não vamos ficar aqui muito tempo – e ele faz-me sinal tão rapidamente para aguentar. Não quer ir dançar este chegadinho, para aquecer? Pergunta-lhe à socapa. Alcunha-se de Passarinho… Passarinho...

César não marcha na dança e faz-lhe umas quantas perguntas a ela mas não obtém nenhuma resposta. Tem pintelhos na rata, quer ele saber, de que tamanhos são as mamas, chega uma ou duas relações sexuais por dia? Coça as pernas uma na outra. Que raio, porque é que ele não tem coragem de a convidar naquela altura… ela estava mesmo a pedi-las, não estava, César? Estava morta a ir para a cama, não estava, César? Ficamos um tempo sentados à mesa e deixamos os copos secos. César pede-me para o deixar à porta de casa… porque mais tarde se vai encontrar com ela. Continua arrastado na tal ilusão como é que ela será na cama, aqueles agudos gemidos a soltarem suspiros doces, e com o resto, dum gajo, e o nome próprio para o acto, passa-me na cabeça como um biberão de leite: Dá-me a chupeta…

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