Thursday, May 24, 2007

CONTOS DE RATAZANA



 O VENDEDOR DE TRAPOS
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Lano, o vendedor de trapos, mais conhecido pelo Cigano, vendia roupa que se fartava para completar a sua vida boémia e ofertava roupas por contactos mais íntimos. Quando entrava no bar, as mais novatas perguntavam às mais velhas coisas sobre o Cigano e ficavam dissuadidas pelos comentários dele em relação às novatas. «Aquela não tem estaleca. Aqui me queres, aqui me tens. E se mão me mexer, ainda acabo por adormecer.» Após ter-se encostado ao balcão, o Cigano dirigiu-se ao empregado:

─ Nunca experimentaste levar um alfinete contigo e picá-las de vez em quando?
─ Acho que todos nós temos uma tara uma vez por outra.
─ Eu conheço bem esse truque ─ disse o Cigano arregalando os olhos. ─ Uma vez, pá, namorava uma cachopa que tinha um par de mamas do tamanho da lua. Um dia, estávamos a namorar, pus-lhe a mão por cima dos ombros e fui-lhe enfiando o alfinete até ao fundo. A gaja, nem um ai, disse…

Pouco tempo depois da chegada das novatas, o Cigano fez uma pausa e pediu ao empregado que levasse à mais nova uma mini-Gancia. Depois foi pela sala com o mostruário da roupa do Verão e sentou-se ao lado da novata.

─ É você a novata do bar ─ perguntou ele.
─ Parece que sim.
─ Mas tinham-me dito que era uma miúda feia e mal amanhada.
─ Está mal informado.
─ E disseram-me que sofria de moleza.
─ Moleza, não, mas serena sim. Informaram-no mal.

Depois destas palavras, ele mostrou-lhe a sua colecção de saias e blusas.

─ Você tem aí uns padrões muito bonitos.
─ Só agora é que sabia? São moda em Paris.
─ É pena você não ter trazido consigo uma amostra.
─ Quem lho disse? Venha ali à minha botique.
─ Onde é a sua botique?
─ Lá fora. Aqui já ao pé da porta.

Ela deu um pulo até à porta e ficou espantada a olhar para a rua.

─ Chama uma botique a uma furgoneta? ─ perguntou ela.
─ Exacto. Deixe de ser tão antiquada.
─ Você agora lixou-me.
─ Espere aí que vou abrir a porta de trás.
─ Como é que vou vestir a saia?
─ De pé. Isto tem altura suficiente.

Arrumou a roupa rapidamente para um lado e mandou a miúda pôr-se a um canto.

─ Ora escolha lá o padrão que quer.
─ Quero ver aquela saia às riscas. É parecida com o pano das barracas da praia da minha terra.
─ Já vi que você tem bom gosto ─ disse o Cigano, fazendo chegar à mão a peça pretendida.

A miúda trocou a saia num relâmpago, sem contudo, o Cigano não deixar de arregalar o olho até trás, perante um par de pernas que fazia a delícia do mais primário dos estilistas.

─ Que tal? ─ perguntou ela.
─ Que tal, o quê? ─ disse ele sem pensar na resposta. ─ Maravilha. Prefere essa? Fica-lhe mesmo canja.
─ Bem, mais ou menos.
─ Você tem um corpo espectacular. Agora tire a blusa e experimente vestir este polo por cima da saia.
─ Não posso. Não trago soutien.
─ E qual é o problema? Já não lhe vi as pernas? Os meus olhos não vêem...


Acabou finalmente por tirar a blusa; quando o olhar cego do Cigano tornou-se visível e reparou que o peito dela era tal e qual como ele o imaginava; afinal não precisava de utilizar o alfinete, murmurou ele para si: «Isto sim. Isto é que são umas mamas!».

─ Que foi? ─ disse a miúda receosa com o estrábico olhar de Cigano.
─ Oh, passou-me aqui um arrepio pela vista. Mas já passou.
─ Veja lá, o que é que tem.
─ Não se preocupe, já passou. Como você é boa pequena, vou-lhe oferecer o polo. Mas não diga nada a ninguém.
─ Muito obrigado.

Começou a tirar o pólo, curvando-se ligeiramente para a frente acabando por esbarrar com o nariz dele, embrulhando-se os dois no chão da furgoneta. A miúda mandou logo vir:

─ Você está louco? Aqui a apalpar-me toda?
─ Que é que quer? Você é que me provocou.
─ Não consegue parar com as mãos?
─ Não consigo, não senhor. Perdi o controlo. Já fui ao médico para engessar-me os dedos.

A miúda e o Cigano passaram aos encontrões e aos apalpões estendidos ao comprido.

─ Você pôs-me tolo.
─ Você é doido ─ disse a miúda irritada. ─ Bem me avisaram lá dentro para eu ler a sua biografia no pasquim do bar.

Ele lançou-se por cima dela.

─ É só um instante ─ disse o Cigano com a respiração a bater no máximo. ─ É só um instante.
─ Pare! Não vê que estamos na rua?
─ Mas eu só quero um instante… ele vem aí!
─ Ele, quem?
─ Ele vem aí… o leiteeeeee…

O Cigano estrebuchou como um comboio a descarrilar e enrolou uma toalha ao pescoço e passou para o banco da frente, que servia agora de casa de banho, para se arranjar e dar um toque pessoal.

─ Não há dúvida que você é uma lasca.
─ Por favor, não olhe para mim e não digo nada. Enerva-me. ─ A miúda deu um arranjo à sua indumentária e afastou-se.

Friday, May 11, 2007

CONTOS DE RATAZANA

                  O VIAGRA
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«Mas que naco de chichinha! Meu Deus! Aquilo é só febrinha…» ─ disse-me o Baixinho naquela noite.
Ele não consegue parar e quer estar com ela de novo. Eu observo-o atrás do balcão. Estamos apenas três pessoas na sala. Eu, ele e Menino Bom. Os ponteiros do relógio aproximam-se das dez e meia da noite. Ele não consegue deixar de palrar. «Podeis duvidar, mas hoje vou explorar aquele corpo no máximo das minhas capacidades, vou gozar a Ucraniana até à quinta pata do camelo!»─


Ninguém podia destruir a sua ideia. Nem o próprio Menino Bom dissuadiu quando disse: «Deixe que lhe diga mas, para uma mulher daquele calibre, um homem só lá vai se enfiar no bucho dois ou três Viagras!»
Ele ficou indeciso a olhar. E daí, eu aproveitei a meter a minha dose de veneno. (Tirei uma caixa de Viagra, escondido no balcão.) «Também não tem problemas, se quiser experimentar um comprimido destes, já pode dançar as valsas que quiser.» Mais grave do que o seu pensamento é o calor que sente por ela. «Deixe cá ver o raio do comprimido e um copo de água.» ─ A água levaria o comprimido a dissolver o seu estômago rapidamente, dando-lhe uma energia capaz de derrotar um leão da Escandinávia! E começa a partir daí, a sua odisseia. A caminhada não era longa e, quer por sim quer por não, resolvi marcar o tempo; passavam poucos minutos das onze da noite e voltei-me para Menino Bom. «Vale uma aposta que nem quinze minutos lhe dou para ele ir abaixo do cavalo?» ─ Ele encolhe os ombros e responde: «Não digo nada, até pode ser, que o comprimido o fortaleça ainda mais.» ─ Ficamos numa expectativa inquietante. Enquanto isso, recordo a Menino Bom como ele gostava voltar das cavalgadas nocturnas cheio de histórias pomposas e aliciantes, naquele oásis ali tão perto da porta. Um lírico, um fantasista mas, acima de tudo, um romântico por natureza este apóstolo do judeu Ratazana. Histórias que lhe fazia brilharem os olhos e depois o deixavam alheado de tudo. Recordo os momentos de excitação que o possuíam como um demónio: a paixão que argumentava quando queria contar as suas fitas à Vasco Santana durante toda a noite se o deixasse, para demonstrar que os bons velhos tempos tinham sido os melhores. Quando Baixinho volta, olha para nós tomado de uma fadiga auto destruidora. É que nem tinha passado os vinte minutos!
«Ponha-me aí de beber antes que me dê o fanico.» ─


Ele não consegue evitar um certo nervosismo quando pega o copo pela mão.

«Então, Baixinho, fez ou não fez efeito?» ─ diz Menino Bom enquanto ele passa o guardanapo pelo rosto suado.
«Se fez? Fez tanto que até larguei o pombo na primeira estocada.» ─ E eu intercedi junto deles: «Mas assim não deu para explorar a mulher?» ─ E Baixinho pôs-se a olhar para mim de lado: «Espera aí, se não me punha a pau que era explorado era eu!» ─ Ele volta a beber um pingo do copo e põe os seus olhos em cima de mim.
«Você e as suas histórias só dão merda! Se não viesse com a porra do medicamento, talvez aguentasse mais um bocado.» ─
«E quem lhe disse que tomou esse medicamento?» ─ Exclamou Menino Bom para ele que fica apalermado a olhar para nós. E concluiu o resto da conversa.
«Sabe que tomou dois grãos de café e água… ─ foi o termo que ele usou ─ mas pelos vistos o medicamento não aprovou.» ─
«É verdade o que estou a ouvir?» ─ grita Baixinho olhando na minha direcção. ─ Foi mais uma das suas brincadeiras?» ─
«Por acaso, não estava a pensar que eu lhe fosse dar um medicamento sem receita médica? Vamos lá que lhe dava o badagaio e, depois, que é que pagava as favas?» ─ Baixinho repreende-me com brandura: «Quantas vezes será preciso dizer-lhe que é um tinhoso e que já estou farto de o aturar? Se não fosse uma pessoa bem-educada mandava-o pró carvalho!»

Wednesday, May 9, 2007

CONTOS DE RATAZANA

─ O BAR DO TRAIDOR ─


O Bar do Traidor não pode ser comparado ao Casino de Espinho ou ao Bar do Twins. Era no entanto um local acessível e limpo com tabuletas bem desenhadas onde se lia O SEU PONTO DE ENCONTRO É DAS 14H ÀS 24H, com uma música seleccionada a sair de um take colocado junto da caixa registadora. Um espaço comprido e largo castanho-claro, iluminado por lâmpadas halogéneas. Um mundo onde os homens e as mulheres abancavam à volta de mesas de madeira, forradas a vidro no tampo, que servia de leitura a muitos dos meus manuscritos, espalhados pelas quinze mesas nas duas salas, bebendo umas bebidas espirituais e outras gasificadas. 



E, todos os dias de tarde, cedo o bar era uma compilação de desejos sem conta e desde logo se enchia da fina-flor dos ociosos de fora da cidade, vendedores, pequenos comerciantes, empresários de maior e menor escala, gente há muito chegada à cidade, com a ambição de dar uma boa troçada, possuir a sua garota, a sua conquista fácil. Porque todas as tardes, às quatro, a sala abarrotava de pequenas vindas à conquista de uma boa cena no Muro dos Prazeres (Pensão). As pequenas saíam então acompanhadas pelos mais bafejados da sorte, o bar esvaziava-se e tornava a recompor-se só depois da hora de jantar.
À hora do café entrava no bar outro tipo de clientes, que lá passavam a tarde debruçados sobre as mesas, entretidos na conversa, bebendo as suas bebidas preferidas, clientes diferentes com outro tipo de carteiras diferentes. Eu sabia tudo o que se passava à minha volta, mas ao princípio da tarde o bar era o ponto de encontro da maioria dos clientes.

Numa mesa central lia-se o dístico: ─ Os bares são o melhor ponto de encontro para as pessoas se conhecerem e avaliarem bem os seus fracassos. ─ Também os provérbios têm os seus significados: Bar é má sina. Pontos de encontro, depende da conjectura e da inspiração das noites, da magia e fracassos, que durante muito tempo considerei o meu código principal da desgraça e do infortúnio… Mas estou a brincar…



CONTOS DE RATAZANA
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(1)


Meia-noite, mais ou menos. Um homem de chapéu enterrado na nuca vem do fundo da sala e caminha direito à casa de banho; pára, agacha-se para desapertar a portinhola das calças e tira a gaita para fora, pondo-se a mijar para o urinol mas mija para o chão… e, em vez de mijar, põe-se a rir como um desastrado e murmura: «Olha para isto? E volta a mijar fora do urinol!...

Esta está boa! Mas quem, seria o filha da puta que pôs ali aquele letreiro na retrete?... E ele sai cá para fora e diz: «Que lindo serviço! Mijei no chão porque me assustei com aquele reclame que está lá escrito a letras gordas que diz: ─ QUEM MIJAR PARA O CHÃO FICA SEM GAITA!... ─ E o homem de chapéu enterrado na nuca sai para a rua desnorteado, fora de si, a levar na mente aquela tesoura no ar que viu na casa de banho, quase que lhe cortava a gaita!...

(2)

─ A alternadeira tinha acabado de comer uns ovos estrelados com batatas fritas em detrimento de tripas à moda do Porto, visto ser propensa a gazes. No fim do jantar, passou o guardanapo suavemente pelos cantos da boca, e diante de uma colega, fez um resuma da sua aventura por terras francesas com mo seu ex. namorado Joaquinzinho.

Fui louca por aquele homem. Há uns tempos a esta data, fui passar uns dias em segundas núpcias, alugamos uma suite no hotel e durante três dias não saímos do quarto; ─ foi comer, beber e fornicar, ─ somente estas três coisas maravilhosas da vida, que de bom lá passei. (respirou fundo)
Ao fim de três dias bem passados, levantei-me da cama para abrir a janela do quarto, mas as forças eram tão poucas que deixei cair a janela em cima das mãos e desmaiei, caindo para o chão. A colega olhou estupefacta para ela e disse: «Ó mulher, e tu conseguiste estar tantos dias seguidos na cama com um homem? Ela respondeu. ─ «Claro, desde que o homem me agrade…»