Friday, November 14, 2014


NÃO VOS PASSA PELA CABEÇA OS CASOS QUE SE PASSAM NOS CAMPOS DO FUTEBOL.
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NUNCA VOU ESQUECER A PRIMEIRA VEZ que fui à bola. A primeira foi no estádio das Antas em 1959, quando o Porto jogou frente ao Atlético e ganhou. Estava eu internado na Casa de Correcção do Porto, e a direção do Porto ofereceu gentilmente bilhetes à instituição. Tinha 13 anos e passei semanas a comportar-me bem para ver o meu nome na lista dos bem-comportados. Nos primeiros cinco minutos, julguei que me iam levar ao colo, tal era o fluxo da multidão, mas logo, aqueci com o ambiente. E, fartei-me de levar encontrões e pontapés nas canelas. Jamais tinha ouvido tamanha barulheira de gritos como na entrada da equipa do Porto, e naquela tarde, deviam estar mais de 30.000 pessoas no estádio, mas quando eles se punham a gritar todos ao mesmo tempo, parecia que o estádio ia abaixo. É uma experiência que fica marcada para sempre. Eu fiquei apanhado para a bola. Basta ver, quando o jogador chamado Hernâni, toque subtil na bola, faz um sprint veloz, já sabemos que o avançado tinha meio golo nas botas.
Vinte anos depois, tornei-me sócio do F.C. do Porto, e voltei ao mesmo local onde tinha estado, vinte anos antes. Muitos dos momentos mais memoráveis da minha vida, sem dúvida, saíram-me dos campos do futebol. Vinte anos depois, quase uma centena de jogos vistos, os casos mais extrovertidos ainda perdura na minha memória. Recordo o homem das rifas da Ribeiro que começara a ficar nervoso, no jogo em que o meu clube empatou em Coimbra, contra a Académica; viajamos quatro no carro e repartimos as contas à moda do Porto, e entramos aos repelões no estádio às 3 da tarde. O jogo começava uma hora depois. Apareceram aqueles chatos rapazes da terra, cabelo à escovinha, que se fartaram de nos picar, quando deixamos de os ouvir, já o rifeiro tinha enviado um sapato à cabeça de um deles. Menos de 5 minutos para acabar o jogo, há um livre soberbamente marcado por Cubilas e o empate surge, e o delírio nas bancadas passa-se dos carretos. Logo o segundo sapato voa em direção à cabeça dos rapazes, que fogem em debandada. Ele começara a rir-se e não conseguira parar.

Troquei de turno ao trabalho, em 1978, para ver o jogo em que o meu clube se tornou bicampeão contra o Barreirense, no estádio das Antas. Recordo o momento em que o jogador Oliveira, o nosso cérebro da equipa falhou o golo ao poste contrário por uma unha negra. Quando um sócio do meu clube de rádio ao ouvido, ouvindo o encontro do rival, grita para ele aos altos berros, chamando-o de aselha e boémio para logo a multidão cair numa barulheira infernal durante 5 minutos, para aclamar o genial golo de Oliveira, já se sabe que o rádio voa das mãos do sócio e alguém vai ficar em mau estado.

Mais uma.
Que rica tarde soalheira nos aguarda à chegada ao campo do Varzim para assistir ao jogo que interessa ao meu clube: a vitória dá-nos o título de tricampeão. E nas bancadas, logo a seguir ao primeiro pontapé na bola, a emoção sobe ao rubro em jogadas a rondar a baliza contrária, perante o arrastar das vozes da multidão em pulgas, na eminência de ver uma bola entrar. Uma escapadela do jogador azul e branco põe tudo em choque, mas o avançado sem acerto atira a bola pró monte. E o último quarto de hora é de gritos. Quando soa a apitadela final, o empate persiste, e a equipa do Varzim dirige-se à nossa bancada para a despedida da praxe, é claro que sai vaia e em seguida um coro de raiva. Quando um rapazito dos nossos, sufocado em lágrimas, sobe ao gradeamento debaixo de uma emoção forte para um polícia de cassetete na mão cair em cima dele, já se sabe, que a nossa claque e massa associativa solta um longo Ah, Ah, Ah, durante 20 segundos, e rápido o polícia cavar dali em passo de corrida. 

E mais outra.
Ir a Viena de Áustria em 1987, quando vencemos o Bayern de Munique na final da Taça dos Campeões Europeus, e ver o fenomenal calcanhar de Madjer, é coisa única no nosso historial. Sumir chiclete atrás de chiclete até os engolir durante uma das maiores aflições de uma tarde gloriosa do Porto trazer a taça UEFA, em Sevilha, no ano de 2003.


Essa era uma das minhas histórias que tinha para contar daqueles jogos e nunca deixei de o fazer. Porque gostava de as contar.

Thursday, November 6, 2014


                                                     .

Meia-noite, mais ou menos. Um homem de chapéu enterrado na nuca vem do fundo da sala e caminha direito à casa de banho; pára, agacha-se para despertar a portinhola das calças e tira a gaita para fora, pondo-se a mijar para o urinol mas mija para o chão… e, em vez de mijar, põe-se a rir como um desastrado: «Olha para isto!» E volta a mijar fora do urinol!... «Esta está boa! Mas quem seria o filho da mãe que pôs ali aquele letreiro na retrete?...» E ele sai cá para fora e diz: «Que lindo serviço! Mijei no chão porque me assustei com aquele reclame que está lá escrito a letras gordas que diz: ─ QUEM MIJAR PARA O CHÃO FICA SEM A GAITA!... E o homem de chapéu enterrado na nuca sai para a rua desnorteado, fora de si, a levar na mente aquela tesoura no ar que viu na casa de banho, quase que lhe cortava a gaita!...

                                                                                                              Abraão em, Escritos Traidores.




                                                     O Fascista e o Candongueiro
                                                               ______________

     
Um fascista entra numa loja de mercearias e é abordado por um empregado. ─ O que deseja o senhor comprar? ─ pergunta o empregado com uma lista na mão. O cliente passa uma vista de olhos pela lista e pede um garrafão de cinco litros de vinho verde e um presunto e questiona: ─ Posso servir-me da mercadoria e deixá-la aqui a aguardar?
─ Muito bem. Mas quando pensa vir buscá-la?
─ Daqui a seis meses ─ responde o fascista.
─ Seis meses?
─ Desculpe, mas eu ainda não disse tudo. É que só penso pagar daqui a seis meses.
─ Isso é ridículo. E porquê esse tempo?
─ É que, daqui a seis meses, vou ter no cemitério um encontro marcado com um candongueiro. É uma pós-ditadura. 


                                                                                                     Abraão em, A Música Que Eu Dou.