Sunday, March 14, 2010






CONTOS DE RATAZANA
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O que há de melhor nas nossas histórias são os momentos hilariantes que passámos, no que há do bom ao pior. Nos meus tempos de recepcionista nocturno, em meados dos anos 72, passaram-se coisas do arco-da-velha.

Comecemos por esta:

Naquela época de calor, apareceu aquela rapariga saloia vinda da raia de Espanha. Acabou por se descobrir que andava ao engate, sem eira nem beira, com mais cabritos do que a Madalena da rua do Bonjardim. Em suma; uma sobremesa envenenada. Os hóspedes solteiros abriam fileiras sempre que a viam passar pelos corredores.

O engenheiro “moussiú”, de nacionalidade francesa, que andava de olho nela como um lince, não descansou enquanto não a levou para o seu quarto e a trancou lá dentro com uma garrafa de champanhe Don Perignon e uvas passas.

Proporcionou-lhe o indispensável e possível: bebida (mas embora ele gostasse de champanhe, ela preferiu beber vindo do Porto, e pela garrafa, como mandam as regras dos bebedores); sem roupa do umbigo para cima e alguma táctica de engodo (e isto era o que mais a incomodava, porque ela estava habituada ao ligeiro mergulhar de lábios e pronto, já está, de modo que não pareceu interessada em aprender nada de novo.)

Ao fim de satisfazerem as necessidades fisiológicas um do outro, o engenheiro depressa entendeu de que o mal que a rapariga sofria era da falta de larjan (dinheiro) e não teve outro remédio senão puxar os cordões à bolsa.

Mas nessa noite, sucederam-se casos diferentes. Curiosamente o casal do quarto 17 esfregava-se na banheira de uma banda para a outra guinchando e murmurando frases sem nexo como um chimpanzé numa gaiola.

Era um homem de tempestades, um daqueles que, para dar uma boa pincelada, precisava de dar ensaboadelas nos tomates e arrancar cabelos da pachacha com a língua.

A parceira ou a “prostitutaespecial”, cada uma por gostos diferentes, gemia em choros e brandia, as frases de olhos fechados, virados para o tecto.

As queixas que recebi de alguns hóspedes, levaram-me a emitir alguns toques pelo PBX, de forma a acalmar a travessia do mar do Atlântico.


Mas, naquele mês de risonho Verão, mais um caso surgiu. Um cliente conhecido por Frank rendeu-se aos encantos de uma fulana conhecida pela Cabide e tornaram-se namorados numa noite de conversa fiada. Durante esse tempo todo, Frank acabou por confessar:

«Agora que te encontrei, não me foges mais.» -

Noite após noite, Frank e Cabide estenderam a amizade criando um elo forte entre ambos.

«O melhor que tu fizeste - disse Frank - foi dizeres que me amaste a partir daquela noite, - E Cabide responde: - Também me ajudaste, não é?» Passa uma onda passageira pelo olhar de Frank.

«Gosto do teu olhar de esgriva!» - E a Cabide: - E eu gosto do teu estilo de samaritano!» -

… Enquanto os outros clientes se divertiam em contos e histórias, eles abandonavam a sala e desapareciam num repente.

Apenas o recado: «volto já»

Não muito longe da cidade, num número da porta do motel, os impulsos traidores esperavam por eles. Frank ficou de sentinela à espera que Cabide tirasse a mantilha de trapos que lhe aquecia os ossos do seu corpo esguio.

«Cabide! Oh, Meu Deus como és tão magricela!» -

Ela dá pulos de galinha na cama, enquanto ele fica de crista no ar a olhar pasmado. Cabide vai ao encontro dele:

«Tinhas de dizer-me isso? - agarrou-lhe no braço. - Não vês que assim fico sem vontade?» -

«É isso mesmo - diz Frank. - Diz-me onde é que eu me vou agarrar com este griso. Se ao menos tivesses umas banhas onde eu pudesse deitar a luva!...» -

«Cala-te, que excitação a tua! - grita ela. - Arre que sarna! Embora seja magra, tenho um corpo para dar e vender!» -

Ele dá-lhe uma palmada no cu e diz:

«Ainda o dizes, rapariga! Mas eu, quando te apalpar, é para te partir toda! E finalmente estou a ver-te com essa cara de galinha-do-mato!» -



(Em amizade a Fernando Catarino e à trupe de
Pipocas da zona de Marco de Canaveses)