Friday, January 8, 2010



CONTOS DE RATAZANA
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O marmorista Baril dizia mal dos coveiros. Os coveiros não sabiam fazer as covas para os defuntos, e muito menos, medir o diâmetro para cada um deles poder entrar na sua medida certa, era a sua opinião.

Só através de uma medição a metro, achava ele, é que os caixões entravam em olho certeiro e não falhavam um milímetro de terra sequer.

A opinião de Baril, um marmorista que passava o seu tempo no cemitério de Coimbrões em Vila Nova de Gaia, a compor lápides para o bom embelezamento das campas, era uma opinião bastante controversa.

− Medição por comprimento do morto, − disse uma vez o Chefe dos coveiros − deve ser burro quem o diz, porque o morto, depois de morto; dá sempre o último suspiro e aí cresce uns pós acima da tabela.

Contra o marmorista e o Chefe dos coveiros estava também a família dos Minúsculos, que viu o seu filho-anão de vinte anos morrer com um osso engasgado na garganta e reclamava que tinha direito a um caixão de meio metro, pois assim pagava menos enterro e tinha direito a subsídio para flores, lápida e velas nos dias de fiéis.

Para o pai Minúsculo, todos estavam errados uma vez que o anão é descendente do bebé e devia ter os mesmos direitos iguais na hora da partida sem retorno.

− Que leis estas! − Dissera ele, quando o funeral se pôs em marcha a caminho do cemitério de Coimbrões. − Tanto aparato para quê? Para os gananciosos das casas funerárias sacarem um balúrdio, os coveiros fazerem um buraco medonho, os marmoristas porem uma pedra de cascalho (dizem que é mármore) fazerem uns sarrabiscos e pedirem uma fortuna e nós os pais, ficamos com um encargo às costas.

O Chefe dos coveiros, quando ouviu esta reclamação, nem lhe deu troco e virou as costas ao funeral.

− Outro que tal! − Resmungou o chefe a caminho da guarita. − Pensa que o cemitério é a Leitaria Suil, já vem para aqui choramingar.

À mesma hora, no mesmo local, enquanto o funeral se dirigia para a capela do cemitério, Baril, o marmorista, dava um retoque final na lápida destinada ao recém-chegado e estava de cócoras, de martelo e pincel junto à cova, quando a presença, ao lado, de uma viúva a enfeitar uma campa lhe despertou a curiosidade.

− Meu Santíssimo! Mas que coxa gorda! Murmurou ele, chegando para trás e pondo-se deitado sobre o monte de terra que destapava a campa do próximo cliente. − Por aquela febra não me importava nada de ir prós anjin…!

Ele chegou-se mais para trás e os pés escorregaram na terra húmida, indo estatelar-se no fundo da campa e ficando inconsciente por uns momentos.

Assim que acordou, agarrou com as mãos a terra como se a quisesse devorar. Os olhos saíam-lhe das órbitas e fazia lembrar um extraterrestre. Sonhara que tinha ido às profundezas de Saturno e assustou-se tanto que até se babava da boca com soluços, dizendo cá para fora tanta asneira que nem sabia o que dizia.

Era uma espécie de praga, em que o culpado era as medidas. “Odeio as covas e detesto estas medidas que não dão para um tipo se virar à vontade de um lado para o outro. E digo mais: Detesto estes coveiros que são todos uns cagões de merda.”

Depois deste lamento inflamado, Baril pegou na sua ferramenta e, nem sequer olhou para a visitante, pôs-se na alheta antes que se fizesse tarde. “Que susto, disse ele, passando o lenço pela testa suada, até me caguei nas cuecas com aquele maldito buraco.”

E desapareceu pelo cemitério a correr, feito maluquinho, nervoso e queixoso, sem olhar sequer uma única vez para trás.