Saturday, July 28, 2018



O Bar do Traidor tem a honra de apresentar do Mestre da Ratice, Abraão, a sua obra imortal: Gente de Vícios.
                                         ~~~

              O SONHO DE PADRINHO



1



«Serve-me o último copo para a estrada.» - Exclamou Padrinho, bebendo um trago dum gole e ficou a molhar os lábios junto à porta da taberna, a meio da noite. Limpou os óculos de lentes de visão distante, franziu as pálpebras fechadas sobre os olhos e tornou a pôr os óculos.
«Para se criar um vicio, tem que se aprender a viciar primeiro, -prosseguiu Padrinho, saindo para a rua e respirando uma lufada de ar fresco. «Para ser viciado, é preciso ser praticante e viciar-se ....» -
Numa madrugada de inverno, mal começou o coro da alvorada, um homem alto e corpulento descera a pé pela rua em direcção a casa, a cambalear mas seguro do seu caminho, atravessando a faixa dum lado para o outro sem olhar para qualquer dos lados.
«Eu vi a vida por em tanta dimensão, ai vi, ai vi !»1, e mais não disse, porque a seguir soltou uma sonora gargalhada que rasgou silêncio.
«Vai cantar pró diabo mais as tuas canções» - E na noite branca e fria, voltou a murmurar no interior das suas entranhas, «Poupa-me essa voz de ganso e não acordes os vizinhos.» -
Padrinho, o cartola inspirado na noite cristalina, tinha-sregulado pelo luar enquanto descia o ultimo troço da rua, improvisando mais uma quadra da canção, abrindo os braços para o ar. «E também aprendi a viver na sua ilusão, ai vi, ai vi!» 1

- Agora, alargou o passo e falou para a sua voz
...............................................................................                                      11
1Extracto da letra da canção «Por terras de Abraão» de F.A.

de ganso. «Estás melhor assim, excelente, pá!» - Na sombra do prédio, olhou para cima da varanda em direcção à janela parecendo dar-se conta de que alguém o estava a espiar, mas não! Uma careta de sono e piscou os olhos com alguma sonolência estampada no rosto. «Aí vou eu, a caminho de casa.» - Sem uma ponta de barulho sequer, entrou em casa, segurando os sapatos na mão pelo corredor em bicos de s... um prato em cima da cómoda estoirou ao cair no chão sem pedir licença, ao fundo do corredor, na cama, a sua santa mulher, vestida de branca de neve, dormisilenciosa, enquanto Padrinho piscava os olhos e prosseguia a caminhada lenta sem interferir no sono profundo dela.
Caiu em cima do sofá! Agora sim, vou sonhar!...
O combóio desligou-se do seu todo, seguindo as carruagens para cada lado, levando cada uma o seu mistério. Dois homens, o saloio Padrinho e o pêras São Nicolau, caíram como formigas à procura dumas migalhas que os fizessem crescer. Vai acima, vai abaixo, atrás deles no vácuo, pairavam secretárias reguláveis, telefones portáteis, stripes de salão, cartões de relevo, bilhetes de embarque, jogos, bebidas internacionais, televisores via satélite isentos de impostos, tanta coisa meu Deus! Que era impossível numerá-las! E também -pois não, uma quantidade de mulheres que haviam sido escolhidas a dedo por altos funcionários competentes do Ministério dos Fundos pró Bolso para as mais variadas funções. À medida que o sonho voava levava-o para os confins do pesadelo, igualmente absurdo, onde flutuavam os detritos da alma, recordações destroçadas, privacidades violadas, falsos amigos e amores perdidos, o sentido olvidado de palavras ocas e um caminho sem rota. Embalados pelo sonho, Padrinho e São Nicolau mergulharam como trouxas recém-chegados à capital e largados pela cegonha de bico doirado que os deixou à porta dos fundos perdidos na posição de recomendados para entrarem numa vaga que os preenchia nos novos quadros da tramóia ... Padrinho voava sobre o espaço  como  um passarinho enquanto São Nicolau se enlaçava no ar cingindo-o com os braços e as pernas abertas, esforçado e sem técnica de saltador. em baixo, coberta de nuvens, aguardando a chegada em cena dos dois homens, as correntes ventosas e geladas empurraram-nos para a zona designada centro litoral do Norte.
«Já me doíam os meus calos nas solas dos pés», cantou Padrinho com a sua voz desafinada, traduzindo uma quadra de um fado antigo.

12

Na cabeça de São Nicolau um vermelho chapéu russo agasalhado por um coração português. As nuvens espumosas vinham ao encontro deles dando-lhes as boas vindas e o facto de terem sido poupados a altos conhecimentos prévios conferia-lhes um estatuto de intermediários... mas fosse qual fosse o motivo, os dois homens condenados àquela separação das carruagens, infinita mas não acabada, não tomaram a consciência do facto em que teve o inicio do processo da tramóia.
Tramóia?
É verdade, sim senhor, sujeito ás consequências. em baixo no ar que respiramos, nesse domínio brando, em que tudo se torna possível, convertendo-se numa localização que arrasta o movimento de encher o poder, a mais insegura ilusória tramóia -que tudo que se atira ao ar tudo cai - em baixo, como disse, operaram-se neles grandes mudanças que alegraram os seus corações; sob uma pressão extrema do sistema cujos programadores foram adquiridos.
Que programadores para cada um deles? Calma! Mais devagar; julgam que um projecto desta natureza cai do céu aos trambolhões? Claro que não. O que é que notam de especial? Nada. Apenas dois homens altos e espadaúdos, tipo fura-vidas, que se precipitaram no vácuo, com inexperiência na política mas experiência no expediente, poderão vocês imaginar; subiram alto de mais na escada do sucesso, elevaram-se acima de si próprios, voaram até demasiado perto do vale do tombo caído, será isso?
Talvez não seja bem isso. Escutem:
O pêras São Nicolau, ante o horror dos ruídos saídos da boca de Padrinho, ripostou com versos mais a seu gosto. «Te dou o céu...», trauteou São Nicolau com os lábios molhados do bagaço. Padrinho, enervado, pôs-se a cantar cada vez mais alto a cantiga dos seus calos nas solas dos pés, mas não conseguiu interromper o louco recital de São Nicolau: «E vou transformar os anjos em amantes!» - Era impossível que eles se ouvissem um ao outro, mais impossível ainda que conversassem e cantassem ao desafio. Na sua queda acelerada, cercados pelos ruídos da atmosfera, foi o que aconteceu.
Ia caindo a noite e o frio do inverno que lhes encerrava as pestanas ameaçava gelar-lhes o coração, estava prestes a despertá-los do seu sonho delirante. Estavam ambos quase a dar-se conta do milagre de tais canções, do espaço e do bagaço de que faziam parte, e do horror do destino que se precipitava ao seu encontro quando os acolheu.
Encontravam-se naquilo que parecia ser um longo túnel em forma de labirinto. São Nicolau, empertigado, de pêra enrugada e ainda de cabeça em baixo, viu Padrinho, com o sua camisa de flanela de cor azul, vir na sua direcção e teria gritado: «Foge, afasta-te de mim.» - O começo de um alvoroço que o levou, em vez de proferir palavras de rejeição, a abrir os braços até ficarem enlaçados, cabeça e pés, e a força da colisão fê-­los deslizar até ao mundo de Alice no País das Maravilhas. Enquanto eles abriam caminho através duma ranhura, surgiu uma sucessão de formas semi-escuras, anjos convertidos em galinhas, deuses com porcos, mulheres com araras, homens com chimpanzés. Flores com peitos abonados de silicone, gatos de lábios carnudos e cães suspensos de antenas nos cornos, e São Nicolau, na sua semi-inconsciência, foi invadido pela sensação de que também ele fazia parte daquele lote de preciosidades raras e únicas no planeta.
«O que é que te aconteceu? - saudou-o Padrinho. - Perdeste-te no caminho do céu?» - São Nicolau, apertando as pernas, falou sem compreender o que se passava à volta: «0 que está a acontecer?»-
«Não vês? -berrou Padrinho. -Não vês o tapete da sorte?» - Teve que segredar-lhe ao ouvido; não esperes que ele venha parar à tua mão. Ele não está aqui apenas pelos teus lindos olhos, talvez seja a nossa única oportunidade e não podemos deixá-la fugir em vão. Com a sorte vem o dinheiro, meu caro, e com dinheiro vem poder, por isso, abre-me os olhos.
São Nicolau acabou por ver o tapete da sorte mas não disse nada. Foi a vez de Padrinho ter que enfrentar a situação sozinho. «Não devias ter feito o que fizestes. - disse, em tom de censura. -Não, senhor.» -
«Não deixa de ter a sua graça, ouvir-te falar em moral. Foste tu que o quiseste - lembrou o voz dele ao seu ouvido. - Foste tu, meu querido amigo.» -
Agarraram-se um ao outro e ambos irromperam pelo túnel abaixo, à velocidade dum raio. «Voa, - gritou São Nicolau para Padrinho -Agora, voas tu.» -
E quando a luz do sol incidiu em Padrinho, deu-lhe a novidade para trazer ao mundo. E como é que ela nasce?
De fusões, de várias conjunções em que entram os compromissos, os acordos, as traições da sua natureza comercial e, depois, como é obrigada a fazer parar essa conjectura?
Será no fim da queda? Ou será preciso voar no espaço?

14



Foram eles os únicos sobreviventes do desastre, os únicos que caíram do comb6ío e escaparam. Encontraram-nos à porta dum boteco onde deram à costa e foram bebeu um caneco. O mais falador dos dois, o de camisa de flanela em tom de azul, jurou nas suas divagações que já tinha comido o pão que o diabo amassou; mas o outro não lhe ficou atrás e disse: «Tiveste sorte, ou melhor, nunca julguei que se pudesse ter tanta sorte.» -
Eu sei a verdade, obviamente. Ouvi tudo. Não quero por agora, afirmar quaisquer pretensões, mas São Nicolau ordenou e Padrinho fez o que foi ordenado.
Foram estas as primeiras palavras que Padrinho disse ao balcão do bar: «Vamos viver a vida, tu e eu, e o resto são cantigas da gente.» -
Ao que São Nicolau tossiu, resmungou e, como lhe competia, pôs-se a beber para aquecer.
A noite foi sempre uma paixão muito especial de Padrinho, vinte anos a esta parte, ainda antes dele derrotar os medíocres. Por isso talvez alguém devesse ter previsto, que ninguém o fez, por assim dizer. E onde os medíocres tinham falhado, ele foi bem sucedido e saiu para sempre da sua velha vida, um mês antes do seu quadragésimo quinto aniversário, desaparecendo da sua terra sem mais nem menos, como um passe de magia, fazendo puf!.
As primeiras pessoas que deram pela sua ausência foram os dois elementos da sua equipa. Padrinho recordava o seu passado entre os refilões distribuidores de confusões e palavras anárquicas da fábrica de molas (aos quais tornarei a referir-me). E, no fim desse tempo, Padrinho instalava-se na cadeira do poder e tornava-se no maior, onde o cortejavam, aplaudiam e lhe entregavam os documentos para preencher do FPB (Fundos pró Bolso), com todas as benesses. «Uma cadeira do poder -dizia ele à sua fiel equipa - é tal e qual como eu correr o País de lés a lés e está!» -
E onde foi parar Padrinho:
Os glutões, deixados em péssimos lençóis, entraram em pânico acelerado. E diziam entre eles: «Vejam, ali, no campo de golf do Club Elite - Acolá, nas salas de jogo dos bingos, ou mais acima nas casas de passe que flutuam a rodos por e nos folhetins das donas-marias baralhadas no meio das mulheres por à toa, lhes restavam um único nome - a taberna do Rato - mas isso os glutões não sabiam, excepção àparte de meia dúzia de amigos, somente.
Pela cidade inteira, depois do esforçado mas inútil labor de telefonemas e contactos para aqui e para acolá, num dos sete palcos nocturnos que rodeavam o jardim do Marquês do Pombal, a menina Fífia, a mais recente aquisição apimentada - é uma verdadeira pólvora pura, capaz de pôr a cabeça dum homem feita num morteiro - vestindo um vestido curtíssimo e justo de bailarina do tempo da pedra, rebolava-se pela sala toda, proporcionando um espectáculo delirante aos clientes entretidos a beber e  a  fumar os seus cigarros. Ladeada por umas colegas do ofício, exclamou num tom irónico. «Hoje era capaz de fazer uma cena de amor com chichi com o batateiro das batatas podres e pô-lo a beber do meu chichi» - Ouviu-se a zombaria das colegas, enquanto ela batia com os pés no chão.
«Ainda bem que os whiskys não têm paladar do chichi senão eles fartavam-se de ir à casa de banho para mijarem!.» -
Sai de cena Fífia. correndo um bocadinho em direcção da retrete.
17

As exaltações proferidas de Padrinho, essas nuvens carregadas de vícios fragmentadas de enxofre podre, sempre lhe haviam dado - juntamente com o seu nariz aguçado e cabeleira de pêlo encurtado - um ar mais nocturno que diurno, apesar da rima não ser muito académica. Depois dele desaparecer, houve quem dissesse que era fácil procurá-lo, que bastava ir atrás duma «fífia» ...  e, uma semana depois da sua partida, uma saída em grande de uma cena-ás-três-pancadas mais a Fífia, contribuiria para lançar umas bocas para a fogueira do boato que começava a associar-se a esse nome de cheiro tão intensificado como de mau era repudiado. As pessoas sabem quem fede e quem não fede. - Fedeis que tombais. -
No apartamento privado de Padrinho, situado no nono piso do arranha céus Dallas, em plena Boavista, o alojamento com vista para o mar, de onde se via o pôr do sol, permitiu a ele relaxar pelo bom trabalho que havia feito na escola de formação da sua parvónia. Tinha gasto uma pipa de  massas a criar uma vertiginosa ideia para tempos futuros, enquanto se pôs a seleccionar os melhores títulos que dessem mais entoação à sua ilusão sonhadora. A ESCOLA DO PADRINHO, achava não estar lá muito bem assim, e se fosse antes, JOVEM, APRENDE NOS FUNDOS PRÓ BOLSO. Depois de algumas hesitações, acabou por ausentar-se, dormindo uma boa soneca, em cima do sofá junto da janela virada para o mar.
  Depois de ele partir, perdera-se à porta das grandes casas de Lisboa, vendo enormes efígies dos conquistadores dos mares de andarilho e pôs- se a ler os seus pergaminhos escritos em placas de ferro.fundido. Por fim comprou os jornais e revistas da época cheias de fotografias de pessoas famosas, perdendo algum tempo a olhar.Andou mais meio caminho a pé e, depois, entrou numa casa de relaxamento espiritual com muita gente à volta. Padrinho passara a maior parte desse tempo a viver com perfeita convicção dos seus ideais de infância. Fazia parte da sua ilusão de fantasia. De pele branca como Simone, viu-a cantar, de microfone na mão, uma canção de embalar:

Luar de Agosto
                                   Quem faz ufilho fá-lo por gosto...

Os fãs bateram com as palmas das mãos erguidas ao alto. Sereno, ele

18


meditava, como Camões, sobre o valor artístico dum povo à luz dum candeeiro frouxo. Nas raras ocasiões em que eles se encontraram, a fronteira que separa a cantora do deixara muitas pistas para o bom enquadramento duma amizade de copos. E o rosto de Padrinho, reduzido ao tamanho de estrela, no meio dos comuns imortais, revelava-se um bom comediante. Gostos não se discutem, pois claro. Seja como for, concordarão com certeza que não é pequena a surpresa detectar num bom comediante  uma qualquer coisa, talvez,  até  mesmo  em São Nicolau, mas especialmente nele.
  
Golias encontrava-se instalado num gabinete esverdeado, atrás duma porta branca, por cima de uma loja de velharias. Figura imponente, forte como buda, uma das grandes forças vivas do nocturno, possuindo o dom de permanecer absolutamente de copo de whisky na mão, enquanto falava com alguém, nunca saindo da sala e travando conhecimento com todas as pessoas que cruzavam o seu espaço privado .
A Menina da Saca Preta era uma rapariga de baixa estatura, arredondada como uma bola de Berlim e transbordava de boa a tal ponto que Golias babava-se todo quando ela abria a saca e mostrava os utensílios sexuais mais actualizados da moda.Ao fim da tarde, quando ela chegava ao seu pequeno apartamento, metia-lhe bolas de açúcar na boca e regava-as com champanhe bruto fresco. De seguida, ela punha­-se ás cavalitas em cima dele e gritava: «Yo, yo!» - E ouvia os protestos do grande secretário-geral do «GAS» 1
    
     «Larga-me, mulher, deixa-me primeiro despir.» - A seguir a um pequeno aquecimento de pernas e mãos, obrigava a Menina da Saca Preta a utilizar alguns dos seus utensílios que ocultava na mala, enquanto lhe preparava um chá especial de marmelo e, antes de saltarem para o piano, escovava-lhe as costas e penteava-lhe o cabelo.
Eram um casal perfeito, e a rapariga entendeu que naquela noite o Golias queria compartilhar consigo o seu peso e os seus desejos.
19
·····································································
1Tradução da sigla: «Grupo de atiradores do sexo».
Durante o aquecimento, porém, Golias tratou a rapariga com todas as honras de uma grande senhora de cama, rendendo-lhe os maiores atributos sexuais que um cavalheiro pode render a uma senhora. «Bem vês, que só uma boa tecnicista sabe fazer um bom linguado!» - Disse ela ao ouvido dele que confirmou: «Sim, reparei nas suas qualidades e não deixo de tratá-la com o máximo respeito.» - A Rapariga da Saca Preta rompeu em risadas histéricas, exclamando por fim: «Mas, espera aí! -   olhou firmemente para ele -tens tudo o que me falta; és meu pai, o meu senhor e o meu amante. Se não te agrado nem sei o que será de mim.» - Golias voltou a entusiasmar-se com os ditos dela e atirou-se de novo ao tapete. De facto, era um homem bondoso, embora ás vezes distribuindo insultos por uma palha, mas logo recebia um consolo e ficava tudo como dantes.
Um dia (contou a Rapariga da Saca Preta) a saca tinha sido requisitada por uma criatura tão enigmática que eu me lembrei de a apelidar de Jeremias e pus-lhe algumas questões como estas. Queres o sexo livre?, e a saca, que até tinha estado parada, começou a correr dum lado para o outro dando saltos como a macaca até que parou de repente, sem se mover um milímetro sequer, nestes, quietinha. OK, disse eu e peguei na saca, voltei a fazer-lhe outra pergunta. Ou queres o sexo comercializado?. Então a saca começou a rodopiar tão depressa como um combóio, pôs-se aos saltos no ar e bateu na parede tantas vezes que acabou por despedaçar-se totalmente quando caiu no solo. «Acreditas ou não? - disse ela ao seu pupilo. - aprendi a lição: nunca te metas naquilo que não saibas entender.» -
Esta história teve um profundo efeito na consciência do jovem pupilo, que  dias antes se convencera que existia um mundo irreal. Especialmente à noite, quando olhava à sua volta, quando o ar se tomava mais sofisticado e a luz se tornava mais obscura, o mundo visível, nos seus contornos, davam-lhe a impressão de   que  tudo sprolongava para além da superfície do ar. Pestanejava e a ilusão desvanecia-se, mas o rasto desta quimera nunca o abandonava. O jovem pupilo cresceu acreditando em Deus, nos anjos, nos demónios, em tudo, como se tratasse de acreditar nos nabos, nas cebolas ou nos carros de bois e sentia uma aberração por nunca ter conhecido um fantasma. Sonhava descobrir um porco oculista a quem comprasse umas lentes para descobrir uma porca do seu tamanho que corrigisse a sua miopia; veria então, através do ar denso, o mundo fabuloso do lado de lá.

20