Sunday, June 23, 2019






  
De
viola à mão, fiz o percurso da minha vida como violista de fado e enfrentar as saudades de casa faz parte do ofício. Porém, um dia, uma cantadeira deu-me um souvenir para combater a solidão. Tinha olhos castanhos arredondados, um laço laranja e uma viola rústica: um boneco de borracha com 10 cm de altura. Agarrado à cremalheira trazia um escrito com o dizer «Eu amo a minha viola!»
   No espetáculo seguinte, meti o boneco no estojo da viola. Desde aí, passou a acompanhar-me nas minhas idas; tão indispensável como o meu lamiré ou as minhas cordas suplentes. E criamos amizades pelo caminho. Em Espinho, abri o estojo no camarim, tirei a viola e saí para o palco. Quando voltei, a empregada de limpeza tinha fechado o estojo e colocado o boneco recostado na mala. Na RTP, em Vila Nova de Gaia, fui dar com ele agarrado ao xaile da fadista.
   Um dia, dei pela sua perda, e quando telefonei, nervoso, para casa, descobri que o deixara no quarto de banho, enquanto fazia a barba, onde tinha sido guardado pela minha dona. Andei 50 km para ir buscá-lo, e quando cheguei, ao palco, uma hora depois, o elenco estava à minha espera para começar o programa. A cantadeira está agora algures e eu já não ando tanto por fora. O boneco continua dentro do estojo e é uma lembrança de que a amizade é um fantástico companheiro de espetáculos. Em todos estes anos nos palcos, foi a única coisa que nunca deixou de andar comigo.

                                                                                            Escrito por Abraão para Nel Garcia, Porto.