Saturday, April 4, 2015




                                                                                                   Doc e Sapatas
                                                                                                             ____ 


A NOITE, era frequentada por gente de diversos escalões sociais. Uma tarde, numa mesa encostada à parede, o médico Doc ficou sozinho na mesa, mandando-se ao lado do copo de conhaque, de olhos abertos, sorrindo, sorrindo e sorrindo. Enquanto isso, o cliente sai dos lavabos e dá com ele e pergunta:
«Vai consultar alguém, doutor?» – Doc abriu os olhos de espanto: «Sapatas! – respondeu, sorrindo. – Que andas por aqui a fazer, meu tratante?» -
Era um homem muito calmo e tinha uma deficiência física; manejava ao caminhar. Abeirou-se dele, o doutor Doc não abriu a boca enquanto ele se aproximava, somente sorria:
«Só vim beber um copo.» - Disse o manco, «admira-me é vê-lo por cá!...» -
«Eu Sapatas? Diz Doc olhando-o nos olhos. - «Engana-me que eu gosto.» -
«Com licença, doutor», disse Sapatas, sentando-se ao pé dele. «Vou beber aqui uma bebida à sua beira; sabe que gosto muito de falar consigo.» -
«Eu sei que sim», responde ele. «É o desgosto de te atraiçoar com a tua amiga que te dá a volta à cabeça. Como é que eu podia saber uma coisa dessas?»
O empregado interrompeu-os e trouxe mais duas bebidas para eles beberem. Voltaram a recorrer à conversa, mas num molde diferente. Doc pergunta-lhe:
«Já que resolveste passar o tempo ao pé de mim, vais ter de me dizer, como é que vai o teu romance com a amiga brasileira?» -
Sapatas encolhe os ombros e responde:
«Sei tanto como o senhor!» exclamou, levando o copo ao ar. «Ela tanto está comigo como com o doutor.» -
Doc sentia uma enorme dor de cabeça e olha para ele pelo canto do olho. «Continuas a não ter juízo. Qualquer dia, prego-te com uma injecção nessas flautas»,- diz o doutor numa voz rompante, «de maneira a que fiques coxo! Talvez assim te possas endireitar mais!...» - Riu-se desabafadamente. Sapatas, aborrecido, vira a cara para o lado. Momentos depois, o doutor Doc levanta-se e põe-lhe a mão sobre o ombro, dizendo: «Vamos às putas.» -


                                                                                                                Citado por, Doc e Sapatas, em Escritos Traidores.

                     




O Cliente e o Travesti
_________________


O cliente recordou o momento em que ele, militarista, tinha sido incorporado para o Ultramar, quando resolveu entrar num njght-club de Lisboa e foi apanhado pela atuação da stripper e olhara, em profundas miradas, que era uma artista cheia de curvas, atraente e boa dançarina e, muito dada a exibicionismo. Nessa noite levara-a para um motel silencioso e um calor derretera-o com as labaredas a subirem-lhe pelo corpo, de modo que, quando a manhã se abriu, tinha dado o frosque em delírio. «Dois pratos! Consolaste-te, meu rapaz!» Na terra tinha confessado aos amigos que nunca apanhara quem lhe fizesse um bico como aquele! Nunca lhe passara pela ideia ter gozado tanto como nessa noite. Quando voltou a visitar o night-club, duas noites depois, verificou que a stripper já não fazia parte do programa. E perguntara ao empregado de mesa que lhe comentara: ─ Quem? O rabeta? ─ Ele principiara a rir-se e não conseguia parar. Essa era outra das muitas histórias que tinha para contar daquela situação e nunca deixava de o fazer. Porque gostava de contar.

                                                                                                                 Citado por: Pataco em, Escritos Traidores.




                                          



A RUSSA DE ESPINHO era endiabrada. Sentada à mesa de clientes seus conhecidos, só se conformava quando estava a beber. Em determinada altura, virou-se para o cliente: ─ Ó Manecas, só sabeis discutir de futebol, parem lá com isso, e põe-me a beber, senão, piro-me já da mesa. ─ Os amigos riam-se, mas ele não gostou da piada. ─ Vê lá, mas é se te calas, não penses que me esquecei da partida que me pregaste ontem à noite, não senhor. ─ Ela refilou: ─ Não comeces a chatear-me o juízo, ontem à noite fui para a cama e adormeci, não tenho culpa quando acordei já teres saído do quarto. Um deles opinou:
─ Ó Manecas, então não acordaste a pequena? ─ Ele exaltou-se e deu um murro na mesa. ─ Sabeis que este estupor, ontem à noite, deitou-se na cama com a roupa vestida, nem os vitorinos descalçou; passados uns minutos ressonava que nem uma porca, ainda fui ao bidé, enxuguei a toalha em água fria, bati na fuça dela várias vezes mas, mesmo assim, não acordou… 

                                                                                                                               Abraão, em Escritos Traidores.