onde o avistou e chamou por
ele. «Mãos-leves» veio ao seu encontro. «Aqui está o dinheiro que te devo, e o
troco também», disse o padeiro Carlos, e deu-lhe com a saca dos cacetes nas
fuças. Naqueles tempos, no Porto era vulgar haver extorsões e um homem que
tivesse sido chantageado devido a um caso de proxenetismo suscitava a simpatia
geral. O «mãos-leves» apregoou incapacidade física, indicando que Carlos lhe
dera um bolo-rei como troco. Ambos deram o caso por encerrado.
Um amigo de Abraão, Rufino
M, teve um pequeno papel importante, quando lhe apresentou duas quarentonas da
vida fácil na sua residencial. A partir daqui, Abraão desenvolveu um sistema
para chamar clientes ao bar, numa roda constante atrás de uns rabos de saias. O
primeiro casal a sair para uma rápida, levou Abraão a entrar no balcão, a abrir
os braços e a dizer «Até já, meus pombos. Espero que fiquem radiantes com o
amor-instantâneo.» O amor-instantâneo era simplesmente um engate banal, ao qual
homem e mulher conversavam o que tinham a conversar, e depois, seguiam para o
cardenho de uma pensão. Mas quando o sistema foi lançado ao público em O Bar
do Traidor, numa tarde de Fevereiro de 1983, o seu criador, Abraão sabia
que tinha dado um passo importante no seu negócio. Comentou: «Sabia que os
tinha apanhado quando vi os desejos nos olhos dos clientes do bar.» Abraão foi
o primeiro a aproveitar na totalidade este sistema revolucionário num bar de
estilo inglês e uma decoração rústica, com a monta envidraçada para a
rua que deixava transparecer uma visibilidade pura, tal como os cafés
parisienses. Hoje em dia achamo-lo normal, porque desde há uns anos, estamos
familiarizados com a inovação e o modernismo. Abraão veio a Lisboa em 1982, a
fim de fazer uma visita aos bares da capital e estudar os seus funcionamentos.
Sabia que os seus métodos eram populares, porque rendiam dinheiro. Mas quando
voltou para o Porto, trazia na bagagem um monte de ideias. Cada vez que lançava
uma ideia era aplaudido e apreciado pelos clientes e amigos, e por um rancho de
raparigas da rapidinha, que adoravam trabalhar no seu método. Foi devido a esse
facto que a mulher da rapidinha se tornou como uma espécie de fruta apetecida,
que o mais pequeno sopro do chega aqui podia-se transformar numa ida
para o Muro dos Prazeres (residencial).
A primeira grande desgraça
de O Bar do Traidor ocorreu em 1981, quando chegou a notícia de que a
encantadora e atraente Profe — como ficou a ser tratada —, fugira da boémia e
fora atrás de um homem casado dono de uma churrascaria, no Porto. (contava ela
dezoito anos e ele trinta e oito anos). A sua história era a história clássica
da aventura. Enquanto adolescente, tinha-se pirado de casa dos seus pais, e de
uma infância infeliz, para ser estudante em horas vagas nos cafés. Depois
recebeu um convite de um bar para fazer permanência como «chamariz perfeito»
alternando e aceitou. A seguir, tornou-se uma das raparigas de Abraão, e mais
tarde uma empregada de boite. Amantizou-se com outro patrão da hotelaria, Toni
«Qualquer-Coisa», um homem pacato do tipo homem bom. Mas as relações entre
ambos revelaram que Profe já não era a encantadora atraente que frequentava a
boite. Profe chegara à noite antes do amante e os seus passeios incluíam bares
de diversão mal frequentados, muita bebida juntamente com elementos do submundo
portuense. As más bocas começaram a dizer coisas referindo que ela frequentava
estes lugares na tentativa de apanhar bebedeiras para se manifestar e acabou
por se viciar. Mais tarde ainda, as outras más bocas revelaram que ela própria
tinha aderido à bebida e ao fumo antes de se amantizar com Toni. As más bocas
da última hora anunciavam: «Profe, alcoólica». Os amigos da noite acreditavam
que aquela relação não era duradoira — Profe e Toni «Qualquer-Coisa» tinham
acabado de se separar para seguirem outros caminhos —, mas isto era esperado.
Profe acabou por sobreviver à desgraça, mas mudou radicalmente a sua vida.