Wednesday, December 4, 2013

O Mundo da Noite

 

FERNANDO ABRAÃO

E RATAZANA

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(9)
        
O

MUNDO

                                                                               DA

NOITE

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A casa de massagens de meninas, na Rua de Júlio Dinis, tornou-se um local de venda de sexo a homens de negócios, doutores, engenheiros e empresários influentes, e nos primeiros anos o negócio foi próspero. Duas personagens de lá foram apresentadas a Ratazana no Verão de 2005, numa festa dada por O Bar do Traidor, em António Cândido. A principiante «Mona» nasceu para ser prostituta. Era filha de uma família modesta, de ascendência tripeira. No bar, foi-lhe posto a alcunha de Fuzeta (mas era conhecida por alguns amigos também por «Mona». Vivia com a família num bairro camarário, na cidade do Porto. «Mona», tornou-se a mais popular elemento da casa de massagens, pretendida não só no Grande Porto, mas por todas as casas de massagens espalhadas por toda a parte, pelos clientes sedentos de prazer que lhe davam os mais rasgados elogios. Durante o início de atividade, a jovem «Mona» mudou-se para o bar; em Novembro de 1990, prestou serviço no Grupo dos Traidores (e prestou também serviço na casa de Júlio Dinis). Em 1991, «Mona» criou amizade com a vizinha e amiga Andreia, também conhecida dela, que conheceu Ratazana numa noite de discoteca no Shopping Dallas. O grupo de raparigas era composto por mais de uma dúzia de jovens que se dedicavam ao engate e à prostituição. Algumas do grupo apaixonaram-se algumas vezes antes dos vinte anos, e em todas as ocasiões pelo homem da outra. A primeira foi «Mona», com o bailarino brasileiro da dança da Lambada, durante um espetáculo lordesco, em Entre-os-Rios, mas terminou pouco tempo depois. «Mona» tinha uma opinião simples em relação com o bailarino brasileiro, dizendo mais tarde; «Deus da terra, era o que me faltava agora ter de sustentar um homem! Ou mesmo que quisesse.» A segunda a apaixonar-se, foi Andreia pelo magnata. Era um magnata que toda a gente o chamava por Toninho, membro do Grupo dos Traidores. Conhecia o magnata há mais de oito dias, quando este deu uma boleia ao grupo até ao bairro, quando vinham de uma festa no bar do Ratazana no final da festa. Em breve, o magnata se tornou visita habitual da casa de Júlio Dinis e, em Dezembro de 2006 no “Natal do Traidor”, convidou as raparigas para se juntar a ele e alguns amigos em Leça da Palmeira, na sua vivenda junto ao mar. Estava a cavar o Verão, quando Andreia partiu para Lisboa, seguindo consigo a sua amiga Russa para fazer uma experiência nos bares noturnos na capital, e deixou a sua amiga «Mona», ao cuidado dos seus amigos íntimos enquanto estava ausente. Na altura em que regressou ao Porto, antes de o Inverno chegar, Andreia apaixonou-se por um rapaz do bairro e deram o nó, mas o matrimónio só durou dois anos. O seu regresso ao palco traidor, deu-se aproximadamente na mesma altura que O Bar do Traidor aparecia cada vez mais uma cara nova a frequentar. Uma reportagem de O Jornal Dos Traidores, citava um artigo sobre este assunto: «No espaço de meses viu-se mais novas raparigas e um enorme entusiasmo do que no total dos treze anos anteriores. Até agora... não há dúvida de que as novatas deram mais protagonismos ao bar e à magia do traidor do que tiraram.» Em Fevereiro de 2007, o grupo de clientes denominado «Andor», que significava na gíria traidora “Enxota-daqui”, encabeçado por Caracol, convidou as raparigas para fazer um forrobodó com ele e os amigos na pensão. Do bar, o grupo de Caracol saiu no Saab, pertencente a Mussolini (membro do grupo) convidou Comprida para uma danceteria em Matosinhos, durante umas horas. Mais tarde, nas próprias palavras da Comprida, foi nesta viagem que a sua relação com o Caracol «...atravessou a linha que marca a fronteira entre a cabritada e o prazer.» Uma semana depois, no bar, ele deu-lhe um conjunto de lingerie e um cão pastor alemão, que iria ser vendido para comprar droga para o seu novo amor. O grupo Andor fazia permanência duas a três vezes por semana no bar, e em todas as vezes, as raparigas foram sempre convidadas a irem com eles, ora para jantarem, ora para saírem. Alguns comentadores, como o seu conterrâneo e amigo Detetive, defenderam sempre que o cliente-traidor quando viesse ao bar, era livre para sair com quem quisesse, dentro das regras do Código Traidor. Depois de tudo isso, havia ainda um problema maior a transpor, que era o de algum cliente ir contar coisinhas para a terra. Um amigo íntimo que estava presente na altura, a convite do Grupo Andor, num encontro entre os elementos do grupo. Contou que Comprida perguntou ao Caracol: «Tu és meu amigo? Pretendes que eu deixe o meu namorado de cor negra?» E o Caracol respondeu: «Pensas realmente que vou ser o otário com o preto a teu lado?» Sobre este caso, dizem os comentadores; «A coisa estava preta. E assim ficou.»

A 9 de Setembro de 2005, Joaquim, o Gravatinhas, como era conhecido, proprietário da poderosa fábrica das “Gravatas Jota” soube que a divorciada Andreia ia tomar um drinque ao bar. Logo a seguir telefonou ao barman, dizendo-lhe que pretendia falar com ela sobre se aceitaria beber um drinque consigo. Mais tarde, Andreia aceitou e, encontrou-se com o Gravatinhas, que lhe fez uma proposta, a troco de uma mesada credível, ter relações sexuais duas vezes por semana com ela. A resposta de Andreia que já tinha pensado nisso e que estava disposta a aceitar, para nivelar a sua vida. Por estas alturas já o boato se tinha espalhado por O Bar do Traidor. Os clientes do bar, impacientes por conhecer Andreia, estavam a ficar cada vez mais preocupados com a lista de candidatos a aumentar dia-a-dia. Mussolini, que tinha ficado apanhado pela sedução de Andreia, sempre que apanhava uma abébia, convidava a ela a vir ter com ele. E se não pudesse vir ao bar, ele iria busca-la a qualquer sítio, onde ela se encontrasse. Contudo, quando Mussolini recebeu, a meio da tarde, um telefonema de Andreia que lhe disse: «A divorciada Andreia... prefere a mensalidade certa a qualquer outra solução...», compreendeu que o engate estava perdido. Enquanto os membros traidores se entretinham com as novas caras, onde umas arrastavam outras, cada vez mais surgiam novidades no panorama traidor. A 3 de Dezembro desse ano, o barman  do bar disse claramente no balcão que havia duas jovens irmãs, Sandra e Patrícia, para apresentar aos clientes traidores. Quando Caracol e Mussolini souberam da notícia disseram a Fernando, o dono do bar: «O nosso entusiasmo não vai faltar.» Logo nesse dia, o próprio Caracol foi o primeiro a chegar ao bar e a chamá-las para a mesa. Quando apareceu o Mussolini, ansioso para não perder a embalagem, disse simplesmente: «Deixai-vos estar, que estais bem. Mas ide-vos preparar para a excursão!» Pouco tempo depois, o empregado trazia a conta à mesa. Antes de saírem, Sandra pediu a Caracol que as recambiasse de volta ao bairro, antes da meia-noite. Caracol prometeu que sim, mas quando se lembrou, já foi tarde. Mussolini afirmou na despedida, que se alguém lhes batesse, teria depois de se a ver com ele. Contudo, como medida de precaução, deixou-as à porta da entrada do bairro. Foi um programa e um momento frenéticos e escaldantes, e os seus comentários foram ouvidos por quem os quis ouvir. Os maus-olhados Titi e Piú-Piú descreveram a cena a conta-gotas no pasquim da semana: «Dentro de O Bar do Traidor, os clientes da rapidinha puseram-se a beber de pé ao balcão e fixaram os olhos na porta da sala. Todo o cliente que procurava uma rapidinha ficou a aguardar durante um bocado. Os homens ansiavam. Nunca houvera nada tão ridículo: umas raparigas — umas raparigas de bairro! — alimentar o esplendor traidor unicamente por borgas e passeios...»

Joel tem uma sorte simplesmente admirável, especialmente quando o seu poder sedutor entra em ação... se as conquistas espantosas que lhe acontecem não se passassem em frente dos seus amigos, estes poderiam atribuí-las a uma imaginação ativa como se soubessem delas por outras vias. Ir tomar um copo com Joel é como pedir a uma cigana para nos ler a sina e se depararmos com uma equipa de raparigas a dançar debaixo dum embandeiro, o facto deve ser encarado como perfeitamente natural. Contudo o próprio Joel tem alturas em que as coisas também não lhe correm bem. Durante uma época Joel teve uma pega para se entreter, cem por cento típica carioca, genuína... Estava na Casa das Massagens a fazer os clientes a largarem o pombo... o tradicional babado da praxe, e Joel diz que a maior parte dos seus engates derivam dos anúncios dos jornais. Joel conheceu a pega num engate ao acaso, e jura que uma noite se emborrachou e lhe fez uma inspeção à pintelheira com uma lupa e uma lanterna. Uma pega querida, disse, também, mas o problema é que não se conseguia esquecer de que ela era pega e Joel morava numa zona onde a única pega boa é uma pega que arma escândalo todas as semanas, e temia que uma santa noite ela se «saísse-fora-dos-eixos», e lhe pusesse a vida num molho, por isso finalmente, tinha-lhe dado o bilhete de partida. Mas porra, toda a gente sabe que há pegas e se há algum sítio onde se possa encontrar uma de verdade, esse sítio é no Porto. O amigo-de-peito, Rui, não teria perdido muito tempo com um assunto tão corrente!... se Joel tivesse uma aventura com alguma pega, tão certo como haver marias na terra que havia de ter duas quintas ou qualquer outra coisa semelhante. Joel e Rui vinham caminhando a pé pela Rua da Constituição, curtindo a passagem de borrachos naquele fim de tarde e sentindo o efeito dos scotches que embutiram no pub da esquina. O sol brilhava como um raio naquela tarde. De repente deram com os olhos numa loura sorridente, a atirar para o espetáculo. Joel lança miradas e miradas à loura, enquanto lhe vai tirando as medidas. «O que é que achas?» quer ele saber... «esta gaja andará aqui ao engate? Parece ter pinta no piano, não parece Rui responde: «Mas imagina que é um coiro? Não estou nada necessitado de comer um coiro só por uma questão de experimentar a curiosidade.» Joel diz: «Não tem pinta de ser coiro», mas mesmo que seja um coiro, há sempre a hipótese de uma amiga se juntar e nós somos especialistas a fazer um programa.» «Claro, Joel... Acho que era uma grande ideia.» O sol esquentara claramente ao ponto ideal de lhes fazer o álcool subir à cabeça, e eles, iniciaram a seguir a loura à distância pela rua em frente. Nas redondezas desviam-se para fazer de conta que iam entrar numa lanchonete e aí, esperaram um pouco, até conseguirem. Por fim a loura para e entra num prédio de porta aberta e Joel focou a entrada onde ela se escapuliu. Bateram com o nó dos dedos e a porta abriu-se de imediato. Uma voz ressoa quase em frente deles. Joel olha para Rui de rosto descontraído e em seguida olha para a mulher gorda. Trata-se de uma empregada de serviços domésticos. Joel tartareia qualquer coisa, mas ela não perde tempo e convida-os a entrar. Rui empurra Joel para ser ele a entrar primeiro. Sentem-se como se estivessem a entrar numa casa de meninas. Oferece-lhes logo de beber... A gorda prima pela etiqueta das bebidas. Retira-se para ir buscar as bebidas, deixando-os sentados no divã. Joel e Rui param de olhar à sua volta. Alguns móveis, como o divã, são de aspeto antigo... Mas alguma parte foi especialmente comprada em segunda mão. Os dois uísques que ela serviu parecem duplos. Pela primeira vez Joel explica como apareceram ali... e como se deixaram apanhar pela loura que entrou há momentos. O uísque entra bem e fá-los sentir melhor. Pedem outro. Cinco minutos depois a loura já está ao pé deles a fazer olhinhos... Ela é sorridente. Aos olhos deles parece-se como uma corista de revista. Tem boas coxas, um cu que se pode considerar giro, e as mamas grandes. Um olhar de Rui a Joel diz-lhe que valeu a pena terem vindo. A loura pergunta coisas a respeito deles, em que é que trabalham, etc., e revela que está a fazer um part-time entre duas profissões. Fala tudo isso com uma voz fina, alta e doce, que os fez evocar o som duma andorinha. Rui atreve-se a perguntar-lhe como é o esquema e se tem uma amiga para aparelhar num programa a quatro. Ela dá o nome de Joana... Joana... diz que está ali sozinha, mas vai tentar telefonar a alguém e sai. Rui encara Joel ansiosamente, para ver a sua reação. «Olha Joel, vou dizer-te o que me vai na alma sobre isto... podes ser o primeiro a ir com ela, que eu não me importo. Depois salto-lhe eu para a espinha... Bolas, escusamos de estar aqui com etiquetas, sabe-lo bem... Vamos ver como ela decide. Não vale a pena jogarmos à moedinha, pois não?» Joel tem algumas dúvidas sobre se Rui não estará a armar-lhe o rente... Está a bater na mesma tecla, e a única coisa em questão é a tentação para lhe dar uma foguetada. Mas tem fé de que este caso com a pega é tão louco que se torna irresistível. Resumindo, acabaram por saber que o telefonema ficou sem efeito... Joana parece uma misse quando os manda entrar... mas as misses não mostram tudo aquilo que ela mostra. Se ficou surpreendida quando viu aos dois a tirar a roupa, não o deixou parecer... Estava tão contente por eles terem vindo no seu encalço, diz ela... «Hoje não tinha nada agendado na minha agenda.» Esta Pegazita! É desconcertante, sentada em biquíni numa cadeira, cruzando as pernas gordas e puxando o sutiã para cima para não lhe darem uma perspetiva do que está em baixo... Joel olha para Rui e sorri-lhe. Não largam o copo do excelente uísque escocês da casa... Ela acompanha-os com água natural, e não deve demorar muito para sentir os efeitos do álcool. Rui levanta-se para se servir de mais um copo, no preciso momento, em que Joana está baloiçando na cadeira a ponto de ir cair... Rui inclina-se sobre a cadeira, de costas para Joel e antes de saber o que se está a passar já ela estendeu a mão e agarrou-lhe a gaita de frente das boxes. É uma sensação que ele não contava... aqueles dedos de pianista a fazerem cócegas na braguilha... Deixa-se ficar em pé, quieto, e deixa-a divertir-se com o brinquedo... Mas não é por muito tempo... Joel topa a manobra e dá um berro. «Eh! Então e eu?» quer ele saber... e ninguém crê que ele esteja a pedir mais um uísque. Aquela peguinha não para de brincar com o Rui Pequeno. Os seus dedos de pianista parecem ter íman que consegue metê-los pela braguilha e mostra como se faz enquanto sinaliza Joel com o seu sorriso de misse... «Tu não vieste deitar-me a mão» observa ela. É como se Joel tivesse esquecido tudo sobre o que tinham acordado. Deslocando-se com a velocidade de um raio, larga a cadeira e senta-se no outro braço da cadeira de Joana. «Não dês troco a esse gajo», diz-lhe: «Toma lá, apalpa o meu... Não é uma maravilha?» Pega-lhe na mão e coloca esta sobre a sua braguilha. «Não vais querer entreter-te com ele... Aliás tens que ter cautelas com um gajo desses... É aí... Aperta-o, mais, e vê como ele está a crescer.» Não fosse a intromissão de Joel e até teria graça assistir ao duelo da pega com aqueles amigos-dos-copos. Agarra-a pelo pescoço e Joel, sem grande esforço, fá-la erguer os pés do chão, coloca-a ao colo e deita-a na cama. E Joana beija-o na boca, diz-lhe que tem uns olhos de sonho, e ele abraça-a fortemente. Uns minutos depois, Joana diz-lhe que o vai fazer feliz, e salta para cima dele, maneando o rabo gordo com tanta genica como qualquer mulher da rapidinha. Após o segundo combate não há dúvida... Joana bateu-se bem com os dois. Não há grande diferença entre a sua técnica e a técnica que qualquer pega assumiria. Tudo o que eles possam dizer é extremamente hilariante, mesmo quando eles não têm intenções de serem engraçados. Demoram algum tempo a vestirem-se e deixam o fumo dos cigarros formarem nuvens. Continuam a recordar aqueles pequenos detalhes na cama com Joana, e com tudo o resto. Joel chegou à conclusão de que ter Joana outra vez debaixo de si é uma aposta interessadíssima que lhe pode dar novas e belas sensações. Pensa levá-la a tomar um copo à Boate Tamariz e daí possivelmente para o choco numa residencial da cidade. «O que é que é que achas de isto?», quer ele saber. Rui tenta fazer um esforço, mas não consegue dizer nada. Depois de um intervalo, Rui, de forma demasiado casual, pede a Joel o telefone de Joana... «Gostava de a fazer novamente.» Na rua, a tarde já se foi... Vão um para cada lado, ainda é tempo de fazer alguma coisa pela vida...
                                                                                        
Na movimentada Avenida de Fernão de Magalhães, no Porto, existe uma casa de massagens particularmente acessível. Existem, na verdade, muitas casas de massagens, pois o acolhimento de clientes é o negócio de momento, onde muitos viajantes recordarão, se situam ao longo dessa avenida, uma cata de estabelecimentos deste género, de todas as categorias, desde a «grande casa de massagens» do mais atual estilo, com a sua entrada disfarçada, meia dúzia de quartos e uma mão cheia de jovens raparigas prontas para satisfazer o mais carismático dos viajantes, até à pequena pensão portuguesa dos tempos da «outra senhora.» Uma das casas de massagens da Avenida Fernão de Magalhães, porém, é chamariz pela freguesia, distinguindo-se dos demais concorrentes caídos de para-quedas por uma imagem de conforto e higiene. Naquela bela tarde de Verão, um homem estava sentado no jardim da Praça Velásquez, despreocupadamente a fumar uma cigarrilha, olhando em sua volta para algumas pessoas que passeavam por ali. Chegara da Marinha Grande no dia anterior, no seu carro, a fim de visitar o seu negócio junto ao mar da Foz, tendo sido, Marinha Grande durante longo tempo o seu local de residência. Tinha cerca de cinquenta e sete anos de idade; ao falarem dele os amigos costumavam dizer que estava na Marinha Grande «a apanhar ar.» Mas Jesus tinha uma velha amizade pela grande cidade do Norte; ali iniciara a sua carreira empresarial. Entrara posteriormente para o mundo dos negócios da noite ─ circunstâncias que o tinham levado a contrair muitas amizades de profunda satisfação. Após ter descido meia avenida, e ao saber que estava em frente da casa que pretendia, dera um empurrão na porta entreaberta e subira ao andar de cima. Acabou de tocar à campainha, quando a porta se abriu por uma dessas criadas que fazem de ama-seca. Ao saber que ali serviam bebidas, pediu um uísque e saboreou ainda um café, e no fim, acendeu uma cigarrilha. Foi nesse momento, que avistou ao fundo da sala, aproximar-se uma miudinha ─ jovem dos seus dezassete ou dezoito anos. A rapariga, alta e esguia, tinha uma compostura madura, traços miúdos e perspicazes. Envergava umas calças à pirata e meias brancas que mostravam os tornozelos finos e ossudos; usava também uma gravata larga de um azul vivo. Trazia na mão uma corrente cuja ponta prendia uma chave. Parou em frente de Jesus, encarando-o com um par de olhos vivos e penetrantes. «Dá-me um cigarro desses, por favor!», pediu ela numa voz macia e firme, uma voz um pouco imatura. Jesus olhou de relance para o pequeno maço de tabaco junto da sua mão, e verificou que restavam ainda várias cigarrilhas. «Sim, podes tirar uma ─ respondeu ─, mas não me parece que estas cigarrilhas sejam boas para raparigas como tu.» A rapariga adiantou um passo e tirou cuidadosamente uma cigarrilha, ao mesmo tempo que, com paciência, esperou que ele lhe desse lume. «Oh, é fixe! ─ exclamou ─ pronunciando essa palavra de um modo especial. «Tem cuidado, não te vás encher de fumo», disse maliciosamente. ─ «Não tenho problemas de fumo. Já estou habituada. Costumo fumar semedão. Mas eu nunca tinha experimentado estes! É mais snobe. Aqui não vendem.» Jesus estava imensamente divertido. ─  «Se te portares bem comigo de certeza que te vou dar dois volumes.» ─ «Mas então tem de me dar três ─ replicou a rapariga. ─ Tenho de levar um para a aldeia, mostrar o meu snobismo.» ─ E tu o que me dás a mim? Perguntou Jesus. ─ Não sei. Eu sou muito meiguinha», disse a rapariga. ─ «Já vejo que és cá das minhas», riu o homem. ─ «Você é de fora?», prosseguiu com vivacidade a rapariga. E logo, perante a confirmação dele, comentou com segurança. ─ Os homens saloios são os melhores.» O seu cliente agradeceu o elogio e a rapariga nua, escancarada agora sobre o lençol, pôs-se a olhar para o ar enquanto encarava de novo a cigarrilha. Jesus perguntava a si mesmo que valera a pena vir ao Porto para comer um «peixinho assim.» «Então, senhor ─ começou ela com um grande à-vontade ─, não vamos fazer triquebrec?» ─ «Estou a despir-me não vês? ─ gritou Jesus. ─ É assim que se começa.» E, com grande agilidade, fez voar a roupa à volta da cabeça da rapariga. ─ «E é assim que se despe!», proclamou a rapariga na sua macia e firme voz. Ele não lhe prestou atenção, mas antes, olhando fixamente para ela, observou simplesmente. ─ Bom, parece-me que era altura de darmos ao motor.» A jovem inspecionou o fundo do preservativo e esticou o contracetivo novamente e, nessa altura, Jesus lançou uma observação sobre a beleza da rapariga. Começara a perceber-se de que a rapariga não estava minimamente atrapalhada. Seria talvez morna, talvez simples, talvez inclusivamente resguardada; porque era aparentemente assim ─ Jesus chegara já a essa conclusão ─ que a maioria das raparigas das casas de massagens «que mantém-se fechadas» agiam: chegavam e plantavam-se precisamente debaixo de um cliente e demonstravam quão rigidamente frias eram. Todavia, nem o mais leve esforço surgira na sua bela compleição física, pelo que se tornava evidente não se sentir ralada nem importunada por isso. Simplesmente, era programada ─ Jesus já anteriormente lidara exemplos desses ─ de encantadoras e belas miúdas que não se abriam entre si, que não se entregavam o mínimo, e embora fechasse os olhos quando ele lhe tocava nas partes sensíveis, e não parecesse ficar danificada por isso, isso era apenas o seu hábito, o seu estilo, o trabalho de não ter o mínimo conceito de «entregar-se.» Tendo Jesus brincado um pouco mais, tocando alguns dos seus pontos fracos, com o qual ela parecia totalmente aceitar, a rapariga começou a conceder-lhe um pouco mais de liberdade dos seus toques. Os seus olhos eram tão reluzentes quanto seria possível conceber, e a falar verdade, já de há muito que Jesus não via nada tão arisca como os vários traços daquela rapariga provinciana. «Diz-me lá, como é que te chamas, minha saloia?» perguntou ele curiosamente. Em resposta, a rapariga foi de uma espontaneidade total: ─ «Mafalda Carreto. E também lhe digo a minha alcunha, Reboque. Por uns momentos, Jesus supôs ter ouvido mal e mandou-a repetir. Aquela do Reboque deixou-o em sentido. A rapariga soltou um gemido, virando o seu corpo por cima do dele. Confidenciou: «Eu não gosto de rapazes novos» por um momento fez uma pausa; olhava para Jesus com todo o brilho dos seus olhos pequenos e vivos. «Sempre tive mais vida com homens de meia-idade.» O experiente Jesus estava divertido e surpreendido ─ acima de tudo estava admirado. A rapariga mostra-se espevitada. Toda ela é amorosa. Porque é que não lhe dou nova varada? ou prefiro que ela, antes de vir prás massagens venha ao motel ter comigo? Pensa Jesus para si mesmo. Aquela rapariga pôs-lhe tolo! Está num estado tal que ainda lhe faz uma proposta e toma conta dela um mês, tenha chulo ou não. «O que é que me vais dizer, se te convidar a vir ter comigo?» pergunta ele depois de lhe responder a todas as perguntas que ela se lembrou de fazer. «Ainda não decidi… Vou pensar nisso… Estou com uma certa curiosidade de ti…» A seguir resolve ir-se embora e sai antes que ele tenha resolvido bisá-la…

Começa a arrefecer quando Caseiro caminha e as pegas começam a aparecer no bar para o comércio do sexo. Caseiro diz a si mesmo que é preciso muita fome para comer uma pega a uma hora destas. Fodilhões, provavelmente… qualquer outra pessoa sabe que se engatar agora uma pega, tem de lhe pagar a corrida. Uma delas levanta-se na sua direção e canta-lhe o fado do traidor… «É tão bom como eu faço… e ninguém o reprova… Amigo freguês, talvez me queira pagar um copo traidor dos baratos…» Fisga-se a ela e percorre alguns metros atrás dela. Uma mesa junto à parede… deve ser uma mesa dos amantes, mas tem vista para a saída. Passados cinco minutos, Caseiro está com uma excitação diabólica só de olhar para aquelas mamas seminuas em formato meia-lua à sua frente e solta um ou dois chamamentos para chamar a atenção do empregado para lhe trazer a tal bebida. Ele trás a bebida. Caseiro é um ferrinho nisto… anda pelos bares atrás de uma gaja, como um galo atrás de uma galinha… e tem sempre hipótese de levar seja quem seja. O dinheiro mexe com tudo. Aquelas mamas saltitam como uma mola, levando ele a absorver goles de uísque. Lá está ele atrás de uma gaja que nunca possuiu… Uma dúzia de tipos ao balcão estão a filá-la ao mesmo tempo… enquanto aquelas molas continuam a balançar. A pega entra numa de roço e ele nem sabe por onde começar… mas ainda tem a excitação que se apoderou dele. Aguenta a ereção e muda o rumo da conversa. Segue o pensamento, um após outro, variando os sonhos à sua volta. Porra, já parece estar um pouco apanhado… Já está outra vez a beber golinhos… uma coisa que não lhe acontecera desde o primeiro instante em que chegou ao bar. A pega ainda não disse a Caseiro o preço que lhe cobra para ir com ele para a cama. Assim que lhe dá o número ao ouvido, ele dá um grito. «Bem, bem, bem… se insistes, dou já à sola daqui!» Ela dá-lhe um beliscão nas nádegas e aperta-lhe a mão… iam começar de novo a discutir o preço. A pega vê-se que se sente oscilante e confusa, mas mostra-lhe boa cara. Caseiro decide que é hoje o dia da paródia. «Sr. Empregado, traga um copo para cada um de nós», exclama. «O meu dia da paródia…» E adianta: «Como vamos ser amigos, o preço não está alto. Gostava de te dar duas» confessou vigorosamente, «mas tenho pouco dinheiro na minha carteira…» ─ «Ah, sim, também a minha, também a minha», diz ela a Caseiro. ─ Bem… vai indo para a pensão, enquanto eu fico aqui… Ainda tenho de pagar a conta. Mas já lá vou… já lá vou!» Ao levantar-se, soprou-lhe pelo canto da boca: «Vou-te pedir um favor, põem-me a cama quente!» ─ «Claro… A cama quente! Mas caraças, como é que eu ponho a cama quente se tu não a aqueceres também!» ─ «Eu é que te vou mostrar como é que se fica quente!» Quando uns minutos mais tarde, Caseiro entrou no quarto, pareceu ficar tão surpreso, quanto ela. Encontrou-a, então numa de visionar vídeos eróticos e quer que ele se dispa imediatamente. «Mas para que é que isso me interessa? Eu não preciso de ver isso para me excitar… Basta que tu me aqueças com mimos.» ─ «Vai correr tudo bem, filhote! Assim que te puser as mãos, isso cresce. O que é que se passa… tu não me queres comer?» ─ «Quero… quero… claro que te quero comer, rapariga, mas não me agrada a ideia de ver filmes pornográficos. És capaz de estragar tudo, se ficas com um speed cheio de imagens e cenas e essa macacada toda.» ─ «Não vou estragar nada… tu vais achar bestial, quando eu te puser as mãos em cima. Para começar, esfrega-me as mamas!» Ela esqueceu-se do vídeo e deixou-o esfregar-se com a boca ligeiramente aberta, na tentativa de chupar algum leite que andasse por ali… chegou ao ponto de lhe pôr a meia careca por baixo da peitaça dela, enquanto lhe cantava um fado em grego. Em troca, ela fez-lhe uns mimos… como sempre, sem pudor. A pega anima-se. Mais dois chupões nas mamas e já quer mudar de posição. Põem-se aos pinotes e vão experimentar novas posições. Por esta altura já Caseiro começa a sentir o efeito dos copos. Mais uma mudança, a pega não gosta daquela posição porque esta dá-lhe cãibras… O que se segue a esta, está cheia de cócegas. Depois numa outra bate com o cu na parede e ela não suporta a parede. Que paciência! Caseiro já desistiu de tentar dizer à pega onde é que poderiam foder… Limita-se a deixar a coisa andar. «É realmente o dia da paródia, rapariga!» exclama Caseiro. ─ «Se é o dia da tua paródia» decide a pega. «Tenho de lhe oferecer o meu orgasmo…» Lá saíram eles da cama e vão para o chão, e enroscam-se voltados para a porta, de modo a que ela não veja nada que a estorve… Não querem parar nem uns minutinhos daquele tempo precioso… Mas não estão ali há mais de dez minutos, quando surge o orgasmo… para Caseiro. 
 
O barman a quem chamavam Ratazana foi durante cerca de trinta anos dono do bar-club da Rua de António Cândido, no alto do Porto. Homem de meia-idade e de atenções simpáticas para os seus clientes, trabalhou muitos anos da sua carreira com empregados, com cozinha, no pequeno e aconchegado bar-club, à entrada da Rua de António Cândido. Apesar do aspeto espertalhão das suas feições, os seus olhos eram vivos, meigos e seguros; quando numa conversa de mesa, se abeirava sobre o futuro de uma jovem na má vida, parecia que o seu prognóstico vaticinava os prazeres da vida até aos terreiros da desgraça. Muitas jovens, que vinham vender o corpo, ficavam profundamente gratas pelo seu conselho. Tinha um discurso sobre a prostituição, ´o vício como um tigre que salta`, que usava em cada dia-a-dia, e era costume exceder-se sobre esse tema, tanto pela natureza crua da conversa quanto pelo ardor do seu comportamento ao público. As novatas ficavam alertadas ao ponto de terem formas de conhecimento e os principiantes pareciam mais silenciosos do que era normal e repetiam, ao longo da visita, aquelas insinuações de que Ratazana se lamentava. Ratazana passava doze horas ao balcão a trabalhar com frequência até ao fecho da casa, às vezes contava em voz alta as suas histórias do passado. Quando à noite, o bar se movimentava, os clientes menos práticos aventuravam-se, com o vício a roer-lhes a alma, a tentar sacar ´uma goela´ e atravessar aquele muro lendário a quem chamam ´Muro dos Prazeres´. Esta atmosfera do prazer, em torno de uma casa de meninas de bebidas e prazeres boémios, era motivo de festança e alvo de curiosidade por parte de muitos forasteiros que chegavam, por acaso ou em negócios, àquela paragem apetecível e falada. Quase trinta anos antes, quando o barman Ratazana chegou à Rua de António Cândido, ainda era um homem novo ─ um chavalo, diziam os clientes ─ cheio de conhecimentos do ofício e de grande dinamismo, como era natural numa pessoa da sua idade, com vária experiência relevante em termos de trato empresarial. Os novatos ficaram muito impressionados com a sua sabedoria e dom da lábia, e os mais velhos e mulheres, despreocupados e ansiosos, ficaram de tal modo admirados que elogiaram o chavalo, que consideravam cheio de ideias, e também o bar-club, que estaria dessa forma bem comandado. Isso aconteceu antes dos dias dos sistemas – Benditos sejam! Pois as coisas boas, são como as menos boas; ambas vêem devagar, devagarinho e passo a passo. Nessa época, havia até quem dissesse que Ratazana tinha criado um grupo de traidores do amor instantâneo à sua própria imagem e que os novatos que iam confraternizar com eles se sairiam melhor se estivessem sentados nas mesas deles, com as suas queridas favoritas, com uma garrafa de uísque e quatro copos entornados, e um espírito de trair o próximo. Seja como for, não havia dúvida de que o barman Ratazana tinha aprendido demasiadas coisas na universidade da vida. Era imaginativo e preocupava-se com muitas coisas, principalmente, com aquelas que eram importantes para o negócio. Tinha muitos projetos ─ mais do que alguns tinham sido vistos naquele estabelecimento ─ e muito trabalho dera aos artistas da restauração que os contratou. Eram obras de decoração, claro, ou assim se chamavam. Mas os clientes certos achavam que não havia necessidade de tanta decoração, já que toda a estrutura da casa se baseava na ponta de uma saia da rapariga. Fosse como fosse, o negócio aumentara de dia para a noite, e ainda por cima a rejuvenescer, o que era muito estimulante. Tinha dois empregados nas mesas a ajudá-lo, mas o aumento de serviço obrigou-o a meter um terceiro. Contratou então um homem do ramo do café ─ Coluna-Ao-Lado, chamava-lhe a clientela ─ e deixaram-no à-vontade de tal forma que depressa os convenceu. Tinha caído nas boas graças da clientela boa do bar-club. Há muito tempo, havia tido um desaguisado no trabalho anterior e havia dois meses que estava à procura de emprego. Fora um cliente do café que avisou Coluna-Ao-Lado que Ratazana procurava meter mais um empregado para as mesas e, naquele dia, foi logo apresentar-se, tendo sido admitido. Ele era um homem de poucas falas, normalmente, as meninas das saídas davam-lhe poucas abébias, enquanto ele as mordia pela calada, e não esperava que fossem elas as primeiras a dizer-lhe a boa-tarde. Mas quando lhe dava os azeites, fazia vista grossa às mesas e passava ao largo. Algumas das meninas comentavam, no dia seguinte, o fraco apoio dele nas suas mesas, que fazia de conta que era surdo. E precisamente, no momento mais quente da conversa, eis que aparece, para seu bem, o patrão. «Meninas» ─ disse com voz serena. «O que se passa aqui?» Coluna-Ao-Lado, aproximou-se na direção dele, estava profundamente vermelho de cara, e chegou-se ─ e rogou-lhe que o defendesse daquelas intriguistas; estas, por sua vez, contaram-lhe que ele só olhava para as mesas de umas e para outras não. «Isto é verdade?» perguntou ele. ─ «Juro-lhe, que eu caia já ao chão ─ respondeu ele ─ «como o que elas dizem é mentira. Excepto, quando não me chamam, é que eu não vou às mesas.» ─ «É isso?» ─ perguntou o barman Ratazana, ao mesmo tempo, que se virava para as outras meninas. «Ide para as vossas mesas e tratai dos clientes.» Deu um toque nas costas a Coluna-Ao-Lado, que trazia vestido a farda da casa: calça preta com colete, camisa branca e laço preto, e seguiram para a sala. Naquela noite, muitos forasteiros apareceram mais do que o normal, e ao fim da tarde, abriu-se uma conversa sobre a deficiência física Coluna-Ao-Lado, que vinha descendo pela sala, ninguém sabia dizer ─ com a coluna torcida e a cabeça inclinada para um lado, como tal um enforcado, e um rosto sem sorriso como o de um morto composto. Pouco a pouco, as pessoas foram-se habituando e, às vezes, em tom de brincadeira, perguntavam-lhe se aquilo era doença de nascença; ele só não comentava, como fazia um abanar de ombros, e pronto, a conversa morria ali. Entretanto, o tempo voou. Os mais malandros começaram a desligar-se mais daquele escuro assunto. O barman era tido em boa consideração; trabalhava sempre até tarde. Quanto a Coluna-Ao-Lado, lá ia andando, se antes falava pouco, não era de estranhar que agora falasse menos. Não incomodou ninguém, tinha um ar soturno e ninguém discutia com ele sobre os apoios às mesas. Em inícios de Maio, o tempo estava tão quente, como há muito não se tinha visto por aquelas zonas. Havia uma aragem quente e molengona. As pessoas não conseguiam sair de António Cândido sem irem bem pingados; as meninas das saídas estavam sempre com o taxímetro pronto para o tiro e queda; e ora faziam um freguês, ora enfrascavam-se de bebidas. Como se isso não bastasse, o barman Ratazana vivia a situação como poucos. Não conseguia deixar de pôr toda a gente a beber, como galvanizava todos com histórias e piadas do arco-da-velha. Quando não estava a servir no seu predileto local, palrava com as panelas como se estivesse a falar com alguém da cozinha. Um dia, quando servia ao balcão, viu primeiro uma, depois outra, e a seguir outra, três meninas das saídas, a serem levadas por Coluna-Ao-Lado para as mesas, sem o seu consentimento. Era sabido que o barman Ratazana é que sabia da sua rotina. Como não era homem para ser levado por trouxa, aproximou-se a contemplar as mesas. Na sala, encontrou Coluna-Ao-Lado, com a sua coluna torcida e não muito católico por vê-lo. «Você» perguntou-lhe. «É assim que se faz?» ─ «O que fiz?», retorquiu ele. «Você estava na cozinha, patrão. Não tive nenhum problema em colocar as meninas nas mesas.» Mas ele não falava claramente, entenda-se, antes desculpando-se, como uma criança depois de uma asneira. «Tretas!» disse ele. «Já devia já ter aprendido a regra da casa.» Então, o barman Ratazana foi para a cozinha repleta de tachos e panelas. Era uma divisão larga, baixa e iluminada, bastante quente no Verão e ainda um pouco vento, por estar próximo das centrais do ar condicionado. Pôs-se a fumar e ficou a pensar em tudo o que acontecera desde que empregara Coluna-Ao-Lado no seu bar e no burburinho que este arranjara com as meninas nas mesas. Foi então à outra parte do logradouro e aí ficou a contemplar o luar. Ratazana não queria fazer mau juízo de um homem apressado e aflito, que aquele emprego tinha-lhe vindo do céu. Pensou um pouco nos antecedentes e bebeu um pouco de uísque ─ pois o coração batia-lhe no peito ─ e, depois de beber, voltou para a sala. Foi uma noite que nunca foi esquecida no bar-club, a noite de 13 de Julho do ano 89. Nessa noite esteve mais calor do que nunca. O sol escondeu-se depressa entre as nuvens, sem uma estrela sequer, nem aragem, nem uma brisa; não se conseguia estar na sala sem ter um copo junto ao nariz; até os clientes escoaram as garrafas e ficaram sentados de cigarro na mão. No final da noite, Ratazana, sentiu uma orelha a aquecer, sentou-se na cadeira da cozinha e voltou a pensar no Coluna-Ao-Lado e nas meninas. Não sabia dizer como ─ talvez fosse pelo calor que sentia no corpo ─ mas acorreu-lhe que devia haver uma ligação qualquer entre eles e que um dos dois lados ou ambos eram cúmplices. E nesse preciso momento, na mesa do fundo, que ficava ao lado da parede, ouviu-se um ruído de vozes como se vários intervenientes quisessem pegar à luta e, em seguida, um copo rolou pelo chão. Uma algazarra dos diabos percorreu os quatro cantos da casa e logo tudo ficou silencioso como se nada tivesse passado. O barman Ratazana não tinha segredos para lidar bem com homens e mulheres. Pegou no isqueiro e acendeu um cigarro e deu meia dúzia de passos até à mesa das meninas. Estavam zangadas, e uma delas refugiou-se noutra mesa, e Ratazana aproximou-se dela e disse: «Que é que vocês andam a esconder de mim? Conta-me lá, miúda.» ─ «Bem, patrão, se não disser que fui eu a bufa, direi que tem cá um empregado que recebe comissões pelas saídas de certas meninas.» E olhou para ele com firmeza, de quem fala o que sente. «Quem é ele?» ─ «É esse Coluna-Ao-Lado.» Não quis ouvir mais nada. De repente, o pensamento do barman voou mais rápido e logo se imobilizou, um arrufo suave soprou uma rajada de aroma fresco, entre os seus cabelos. Não agradava nada a Ratazana que tão manobrador empregado sacasse com tanto à-vontade no bar-club de António Cândido. Além disso, tinha faltado ao serviço no dia anterior e nem um telefonema lhe fez. Ratazana, esperou por ele na hora da chegada e, por fim, um pouco preparado, como seria de esperar, levantou a mão esquerda e mandou-o parar. E, nesse instante, lembrou-se de que quando o viu pela primeira vez, com a sua coluna torcida, e não muito falador. «Você, infringiu a minha regra» falou com voz alterada. «A nossa relação terminou.» E naquele momento, a voz dos fatos, saindo de ambas as bocas, terminou aquele “caso” ali mesmo. Depois de alguns minutos, o rosto assombrado, olhando para baixo com a coluna torcida, nervoso e destravado do Coluna-Ao-Lado, explodiu como uma caixa de dinamite e desfez-se em argolas de mentiras. Uma tarde depois, o advogado sindical viu o empregado de mesa receber o cheque de indemnização, atravessar a sala do escritório e bazar para a saída. Desde então, a extorsão nunca mais voltou a incomodar no bar-club. Não obstante, foi uma má experiência para o barman; esteve sem menos um empregado durante algum tempo; e desde então até hoje, nunca mais deixou de impor a sua regra.  

Saturday, August 17, 2013



FERNANDO ABRAÃO
E RATAZANA
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(8)

O
MUNDO
                                                                               DA
NOITE
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A pensão do avio ficava bem perto da Praça dos Poveiros. No Largo do Padrão, os únicos que andavam por ali perto eram os homens da rapidinha, à procura de um consolo. Nos dias esfriados, ao cair da noite, as gordas e magras mulheres do avio costumavam manear-se pelos passeios da rua e pensar que, numa boa hora, estariam a apanhar um freguês, para o levar para o cardenho. Chegavam, até, a fazer de sentinela um pouco antes de aparecer a aurora. Havia um café a cerca de quarenta metros mais à beira na rua onde, por vezes, com as malas aos ombros, as mulheres, encostadas às montras mostravam os seus atributos. Mas, habitualmente, engatavam-nos ao passar com um piscar de olhos acenando a cabeça, pois já era habitual. A pensão do avio era conhecida como a velha pensão de Coelho Neto. Na verdade, Coelho Neto era apenas o nome da rua. A pensão era num prédio antigo pintada de cor deslavada com três andares, e tinha janelas, com vistas para a rua. O dono pedinchara aos proxenetas para porem as suas prostitutas a servirem de taxímetro nas ruas e levar os homens para os quartos. Os proxenetas gostavam muito da dormida de Coelho Neto. Diziam que uma dormida naquela pensão sabia tão bem como uma boa golada de vodka para os aquecer nas longas frias noites de sentinela à espera delas. A pensão de Coelho Neto amontoava as prostitutas à volta dos passeios, até pareciam uma verdadeira escolta. É claro que a vizinhança já não se importava com aquele cenário porque já estavam habituados. Mas não era suposto alguém se incomodar com aquilo durante estes anos todos. De resto, quando havia quaisquer escaramuças, os proxenetas eram os primeiros a refugiarem-se num qualquer local da cidade. Depois de a procissão passar, o dono voltava a oferecer-lhes uma dormida e trazerem as mulheres para o negócio, e tudo voltava à mesma forma. Naquela noite de Dezembro, a rua parecia escura e solitária e as poucas prostitutas que se aventuravam no vaivém, como era habitual, sempre que passava alguém pelas proximidades, diziam vamos subir aos homens que as olhavam, uns por acaso e outros para um caso. Jó, a prostituta da rua, acabava de iniciar a sua faina e puxava os colarinhos do blusão para cima quando viu umas pernas longas atravessar a rua ao fundo. Era um homem alto. Parecia tão alto como um gigante e tinha despertado nela uma curiosidade súbita. Avançou na sua direção e, agarrou um velho exemplar da Nova Gente, preparado para o atrair. Jó gostava deles assim. Altos, fortes e grandalhões. Se tivesse sorte podia ganhar com ele o equivalente a dez cabritos. Já não era a época dos camones, mas aquele devia ter estado a emburricar por ali perto ou algo semelhante. O camone foi direto a ela, batendo as mãos para se aquecer e exclamou num português tacanho “tu fode?”. Ela disse que sim e enfiaram-se os dois dentro de um cardenho aquecido por um aquecedor a gás. Ainda estava algum calor lá dentro... O alemão atirou uma nota para cima da cama que agradou a ela e preparou-se para o trabalho. Sorrateiramente, Jó olhou de soslaio por entre a enroscada camisa e, reparou que as suas duas longas pernas já tinham saído para fora da cama. A seguir veio o serviço. Mas o camone nem lhe deu tempo para respirar e, atirou-se para cima dela. Uns minutos depois, caiu para o lado com um suspiro profundo e, por fim, ouviu-se apenas uma exclamação ofegante Oh, My God. Não mais do que um espernear de corpo; a satisfação era visível. Vestindo-se trauteando, já que a noite estava ganha, Jó voltou a pisar os passeios para fazer-se à vida. Foi nesse momento que um tiro entoou. Correu para uma portada de um prédio, colocando os braços sobre a cabeça, de maneira a proteger-se e procurou ver o que se passava lá à frente. Aguardou e contou os segundos, sustendo a respiração. Dezoito, dezanove, vinte. As estrelas brilhantes sobre a cidade ofuscaram-na. Escurecera; ouviu um ah ténue à distância e a primeira luz surgiu dum prédio. Um feixe de luz branco e brilhante, pouco luminoso quanto baste. Lá no fundo, por entre a luz de um carro, um grupo de homens deixava um rasto que se assemelhava a sangue humano. Rapidamente, Jó, sacou do telemóvel e ligou para o 112. E, então surgiu outro feixe de luz e depois outro. Três, quatro, cinco, todos voltados em direção ao corpo, estendido no chão, que procurava levantar-se a custo. Depois, surgiram pessoas vindas de outros lados. Jó correu até ao fundo. O corpo ainda mexia. E foi nesse momento, com a ajuda de algumas luzes que o reconheceu, com a sua velha revista numa mão. Vermelho como um pimento, agarrado ao braço ensanguentado. O camone agarrou a mão de Jó e esboçou um esgar sofredor. «Polissia! Polissia! Roubaram meus marcos...!» De repente, ouviu-se a sirene, muito veloz, à entrada na rua. Tinoni, tinoni! A ambulância estava a chegar. E, mal o enfermeiro o ajudou a pô-lo na ambulância, Jó apercebeu-se que não era tão grave. O seu estômago contraiu-se como um soco. Não estava com medo; apenas lamentava. Subitamente, toda aquela cena escura se transformou num lívido e brilhante branco. O barulho da ambulância a arrancar ecoou pela rua. O frio notava-se nos rostos gelados das pessoas. Todos permaneciam em silêncio, excetuando o frenético ladrar de um cão; numa varanda. De seguida, ficou tudo tão tranquilo na Rua de Coelho Neto! Apenas na rua alguns transeuntes citadinos que podiam muito bem ser confundidos com os mecos... E passo a passo, com o olhar concentrado, Jó voltou às lides. Naquela altura, teve início uma segunda procura de consolos. Alguns homens chamavam as prostitutas, através dos carros, originando uma onda de palavrões incorrigíveis. Podia ter feito alguns deles, mas não se atreveu a aventurar-se. Certa vez, assistira ao que um gangue tinha feito a um dos clientes da pensão, o velho picheleiro Tomás. Foi Jó, precisamente, quem o encontrou. O vidro do carro partido e Tomás jazia como uma almofada sangrenta. Roupas rasgadas, golpeado no pescoço, num estado lastimoso e ofegante... Rastejava, penosamente, de um lado para outro. A princípio, Jó, pensou que ele estivesse morto. Mas o pobre Tomás ainda dava sinais de vida, esticando as pernas na direção da porta e, após esticar um bom bocado, respirou devagar, mas muito profundamente. Subitamente, decidiu que preferia ser cortada pelo gangue do que ficar testemunha daquela embrulhada. Colocou a saca sobre os ombros, numa tentativa de não perder o que ia lá dentro, e correu em direção ao posto policial mais próximo. Enquanto percorria, uma respiração muito forte alastrou-se. Recordou que percorreu como o corredor de pista até alcançar a meta. Achou que nunca na vida correra tanto. Mas os seus esforços revelaram-se preciosos. A polícia levou-a de volta até ao local e encaminhou o pobre Tomás numa ambulância para o hospital. Começou a olhar para o relógio. Em breve, o trabalho da putaria acabaria. Em breve, estava a deixar a rua e a entrar no seu quarto... Um táxi buzinou. Era sempre fácil identifica-los, porque os táxis traziam um candeeiro aceso sobre o tejadilho. Uma voz vacilante, exclamou: «Me-ni-na! Me-ni-na!», fazendo o gesto com a mão. Como uma cobra, esgueirou-se rente aos prédios. Uma corrida de cem metros livres. «Me-ni-na!», levantou de novo a mão em direção ao braço. Queria dar a atender onde tinha sido ferido. Apontou para baixo para o braço atado ao peito. «Mim...tá...vivo!» Parecia muito radiante consigo próprio. Tomou outro fôlego e exclamou: «Mim... ter sorte.» Jó fitava-o sorridente, pacientemente. «Portuguese, não ser bom atirador!» A seguir exclamou em voz alta e calorenta. «Tu... me-ni-na grande... ami... amiga ser.»  Jó nem queria acreditar, nesse momento, viu uma lágrima a descer pelo seu rosto. Estendeu os braços e deu-lhe um abraço. «Friend, Friend», a sua mão enorme, em busca, à volta do corpo dela, até que a segurou. «Friend, Friend.»Assim permanecerem enquanto o taxista aguardava e zumbia o taxímetro à volta deles, e as luzes se apagavam intermitente e poucos carros se ouviam na rua. E foi assim que as colegas foram dar com eles, quando se despediram. Olharam, estupefactos, para os dois, à luz do candeeiro da pensão de Coelho Neto. Naqueles tempos, criar amizade com um camone era um caso raro. Seria considerado leviandade. Chamava-se Jack Smith. O camone escrevera a Jó depois de chegar a Inglaterra para lhe agradecer. Enviou-lhe uma fotografia da mulher e do filho. Jó ficou contente. Pela família. Mas nunca lhe respondeu. Sentia-se demasiado confusa. Ainda se sente.

Após a morte do seu irmão, Cola Meu, o Rei dos Pastéis, Membro do Grupo dos Traidores, estava fragilizado à mercê da sua família rígida. Preocupado em assegurar o seu futuro, Cola Meu aventurou-se a montar um negócio de eventos situado fora da cidade, sob a ideia de prosseguir aí a sua formação como empresário individual. O local situava-se num terreno alto, quinze quilómetros a Norte. A casa dos eventos ainda se encontrava em parte de acabamentos, mas a sua dimensão era superior à de um médio bairro camarário. A fase principal estava concluída: a entrada, o salão, bem como o aparcamento automóvel para os convidados e as saídas para o exterior. Alguns empregados trabalhavam na restauração defronte, o armazém do reabastecimento. Cola Meu era um indivíduo de estatura média, rosto cheio, moreno e presença forte. Ficou surpreendido com a proposta do cliente que o contatara, pois sabia que os eventos casamenteiros estavam na berra, mas a sua reação inicial foi preocupante. Contudo, depois de ter ouvido os números da sua proposta, ficou desinteressado. Era um homem que fervia com pouca água, e não conseguia esconder os seus nervos. Indiferente à sua reação, o cliente disse-lhe: «Recebeu a minha mensagem. Estou prestes a organizar o casamento de uma filha, e brevemente terá a lista dos convidados. Faz-me uma atenção, senhor Cola Meu?» Ao olhar para ele, Cola Meu teve vontade de lhe dizer que não, mas a sua recusa não ia resolver nada. A proposta ainda estava em banho-maria. Tinha pensado nos números que o cliente tinha dito e, apesar de ser pouco, a última palavra ainda não estava dada. Disse na sua voz grave e sonante: «A minha casa oferece os melhores preços a todos aqueles que a procuram. Pode crer.» O cliente acenou com a cabeça: «Obrigado, senhor Cola Meu. Vou apanhar o autocarro.» Mas nunca o cliente chegou a entrar em contato. Era um autêntico infiltrador. E tentou investigar os preços do mercado. Após alguns anos passados no negócio dos eventos, Cola Meu viu as encomendas diminuíram em série com mais intensidade, tornando-se mais fracas. A nova aparição de outros empresários e o combate aos preços da ocasião, fragilizaram-no cada vez mais e consequentemente começou a pensar abandonar a sua posição no mercado, e depois, lenta e progressivamente, saiu do negócio. Seguiram-se as borgas e as comezainas. Voltou por algumas vezes, ao palco de O Mundo da Noite. Aquelas que o conheciam, formaram uma lista de seduções e algumas delas ficaram vinculadas no relacionamento por períodos. Entre elas contava-se a ardente Nanda. Foram vistos várias vezes, perto de uma residencial com uma suite de cama grande onde gozava todo o seu prazer. Durante vários meses, Cola Meu parou, porque não havia outras coisas para fazer. Os negócios deixaram de o preocupar e envolveu-se nas bebidas fortes e estimulantes, que o descontraía a enfrentar outros desafios. Sentia-se preguiçoso. Os restantes membros da família sentiam profundamente. O velho provérbio que diz que o Vício não conhece raiva maior do que a de um homem destroçado levou a que a carreira do excêntrico Cola Meu, fosse imigrar, nos finais dos anos noventa, para Angola, para se lançar numa padaria. Era um refinado pasteleiro, recentemente promovido, e um empresário no ativo em oscilação no segundo período mais negro da sua vida, mas era também um homem casado, com filhas. Depois de uma demorada e dura ambientação com o sistema, Cola Meu voltou para a sua antiga profissão para os fornos e para a fabricação de pão, a fim de tentar rentabilizar o investimento feito. Seis anos mais tarde, escreveu novamente para a sua mulher para apresentar a sua mágoa de que o negócio do “Pinga-Pinga” como batizara, estava péssimo, que esta aceitou «com pesar». A seguir às pretensões de querer vir embora, os funcionários negros, no entanto, tentaram persuadi-lo a não desistir e que, se tivesse levado para lá a família, Cola Meu seria um felizardo naquela terra. Embora os rumores sobre o hipotético anúncio da passagem da padaria, chocou não só os funcionários, ao qual era amigo, como toda a população de Viana. Era indiscutivelmente um homem popular. Depois daqueles anos no negócio do pão, nada parecia fora do seu alcance. Alguns esperavam que tivesse por lá algum biscate, mas um problema cirúrgico obrigou-o a ir à barra do hospital, onde esteve internado um tempo. Quando finalmente, Cola Meu se recompôs, tinha um interessado à sua espera na padaria. Era um habilidoso: alto e escuro embora o seu poder físico fosse magro e franzino. Permaneceram em conversa durante alguns minutos e celebraram a intimidade com umas cervejas Cuca à maneira. O angolano tratou-o por Menino Cola, como era tratado. Tinha vindo, como disse, apresentar uma proposta para o negócio. Apercebendo-se do olhar frio de Cola Meu, acrescentou que caso aceitasse, lhe daria garantias de bens, tais como umas terras herdadas. Voltou de novo a tratá-lo por Menino Cola. Cola Meu pediu-lhe que entrasse. A padaria estava um pouco desarrumada como ele a tinha deixado após a sua convalescença, a grande mesa dos preparados estava ainda com restos de farinha, o chão a precisar de uma vassourada. O compartimento do pessoal situavam-se noutra extremidade, tinha um pé alto, iluminados por uma janela através do qual soprava uma aragem fresca. Havia sacos de farinha e de massas nos gavetões, alguns deles já utilizados. O escritório tinha uma cabeça de uma pacaça embalsamada, sustentada sobre uma biga onde se prendiam os papéis das encomendas. Cola Meu puxou o banco para trás e levantou a tampa que servia de mesa. Sacou de uma caneta e papel para redigir um contrato de passagem. O angolano deu um passo atrás e vasculhou no interior das calças com rapidez e tirou um envelope cheio de cuanzas e uns títulos de propriedade de terras, na zona do Cacuaco, que tinha pertencido aos pais. Depois suspirou, sentou-se e virou-se para a frente. Cola Meu ficou curioso. Pegou-lhe nos documentos para dar uma vista de olhos, e disse-lhe afirmativamente. «Tu és um homem de sorte, pá, pois conheces-me agora e não estou lá muito bem.» — «Mas não está doente?» — «Tratei-me para isso. Tenho andado a pensar regressar à Metrópole.» E voltou a interpelá-lo: «Achas que tens capacidade para isto?» O angolano respondeu de primeira. «Sim, Menino Cola. Este é o meu sonho. Fazer pão para o povo comer.» — «Já vi, pá, mas não tens mais dinheiro?» — «E o resto? —, apontou para os títulos: «Não contam?» — «Não valem muito, mas terão que ser avaliados. As terras são o que mais abundam em Angola.» O que disse fez sorrir o angolano. Era verdade. Nunca tinha visto na vida tanta terra vermelha como aquela, mas não era apenas no Norte que elas existem. Pensou na sua satisfação quando se visse na sua terra natal, Matosinhos, terra dos seus amores. As virtudes antigas estavam perdidas e teriam que ser conquistadas. Revirou os títulos nas suas mãos. As terras valem o que valem, pensou para si próprio. Sabia que não tinha vida para lá ficar desde que tivera aquela dificuldade em estabelecer-se em Luanda. Guardou os títulos no bolso e assinou o contrato da passagem, passando-o para o angolano o assinar. Assim estava o negócio concluído. Essa seria a última assinatura de Cola Meu. O sonho que ele trouxera durante o percurso da viagem dissipara-se em segundos. Havia outros sonhos, e outros projetos, mas Cola Meu já se sentia muito velho para tais exercícios. Guardava, no entanto, essas recordações. Apalpou o envelope e disse ao motorista: «Leva-me ao aeroporto, mas vai em velocidade de turismo.»

Big Bela, alcunha traidora, era proveniente da família humilde e descendia de Pombal, embora tivesse raízes familiares no Norte. Depois de ter ganho confiança com uns tipos desencaminhadores no Porto, entrou no mundo da prostituição como iniciadora de rápidas no Pub Arpejo e ingressou mais tarde num bar do topo chamado Club Lord. O seu namoro com o seu mais-que-tudo, um ano depois de sair do Arpejo, levou-a ao trampolim da fama. Depois de um casamento à “Moda-de-Campanhã”, Big Bela teve liberdade, primeiro com horário ilimitado e depois no convívio com os seus exclusivos clientes. Por volta de 1986 era uma profissional de primeira na mais velha profissão do mundo e uma mulher endinheirada por mérito próprio, após meia dúzia de anos em atividade e uma freguesia da alta. Big Bela era também um membro ativa do Grupo dos Traidores. Depois de ter trabalhado, com êxito, nas melhores casas de sexo do Porto, Big Bela foi trabalhar para Lisboa, e a sua arte levou-a ao sucesso, tanto nas relações como na amizade. A casa que frequentava, uma das maiores da capital, onde Big Bela ganhava milhares de contos — fora o patamar para o seu estrelato. No Verão de1987 apareceu envolvida numa parelha erótica e sensual, quando se juntou a Minhoca, e Big Bela aumentou a sua reputação crescente com o sucesso da sua arte para o poder do sexo, «Impacto Sexual 87.» Embora os mexericos sobre a ligação com Minhoca fossem já tema das bocas sem limite em O Bar do Traidor, depois das revelações de O Jornal Dos Traidores e das bocas feitas pelos clientes. Big Bela levava uma vida dupla em privado. Aparentemente ligada ao mais-que-tudo, manteve uma relação extra com aqueles seus amiguinhos do antigamente. Big Bela irradiava calma e serena confiança perante a sua freguesia, cada vez que aparecia nos bares. Mais tarde, foi aluna de informática vendedora nuns programas de marketing e publicidade, e quando os seus trabalhos apresentados resultaram numa compra avassaladora do Cliente Traidor, Big Bela achou por bem dado o seu tempo despendido nas aulas do curso. O cliente, afeto ao seu trabalho, viu-a na noite da eleição para o Concurso Miss Lord, ao lado dos empresários Mussolini e Caracol, na mesa dos “Andores”, participando no evento. O apresentador do certame, disse:

       Olhai bem para ela... com a sua malandrice e ratice, não haja dúvidas, que a Big Bela é a maior da nossa cantareira...

Em Novembro, o senhor Armando partiu de férias para o Douro Litoral. Por essa altura, já os clientes faziam comentários, e a 26 de Novembro as mulheres da rapidinha perguntavam a Big Bela no bar, se era verdade ter roubado o senhor Armando à amiga Minhoca. Depois, em 3 de Dezembro, contou Big Bela, o senhor Armando pediu-lhe que se encontrasse com ele secretamente, num quarto residencial do Porto, dizendo-lhe nessa altura que tinha decidido, enquanto estivera em repouso, que, apesar de gostar das duas companhias, ia ser afetivo dela. Depois disso veio a zanga entre as comadres e as inevitáveis fofocas em O Jornal Dos Traidores a seguir à sua revelação, através dos seus amigos, que «... tive uma relação com a Minhoca que durou vários anos. Depois conheci a Big Bela e apaixonei-me na cama por ela. Apesar de ser amigo das duas, decidi manter a Big Bela com a minha única amiga...» O senhor Armando continuou a ser muito bem atendido por Big Bela durante uns bons anos. Quanto a Minhoca, depois dessa traição, ela afastou-se sem deixar rasto.

Poucos escândalos sexuais de boémios, ou mesmo nenhum na história do Porto, excitaram tanto o imaginário dos clientes como o caso de Napoleão-Teresa Bochechas dos chamados «libertinos anos 90.» Centrava-se numa situação da vida noturna, que, a julgar pelas aparências, parecia tão natural que se assemelhava mais ao enredo de uma peça particularmente obscena de fita de cinema; uma vez que Napoleão, membro do Grupo dos Traidores e empresário comercial, se alternava na cama da prostituta Teresa Bochechas, (entre outros) o mata-ratos Vassouras, o proxeneta Julinho e, segundo consta, a maioria dos demais membros traidores em busca de prazeres proibidos. O caso foi comentado por todo o bar que, alguns deles, entre outras coisas, consideravam que a intimidade de cada um podia ser posta em causa. E, como se isso por si não chegasse, o assunto teve também cenas de ciúmes, decorrentes do confronto e discussão de dois antigos amantes de Bochechas, que eram ambos compadres de cama. Como todo o Porto se ria à socapa, levantaram-se grupinhos de clientes. Depois de ter a princípio negado qualquer participação sobre qualquer envolvimento de esquemas indecentes e imorais nas suas relações com Bochechas, o empresário comercial acabou por mudar mais tarde da tarde para a noite — ao confessar que não se dava bem com certas pessoas que frequentavam o bar. Em breve começou a aparecer conversas no balquilhas sobre «vícios correntes» no convívio social lordesco ao mesmo tempo que começavam a constar no bar os boatos mais indecentes e imorais (nunca se provou) sobre bacanais “á-truá”, sobre a aparição da acompanhante pela «Mulher-Pila» — sempre nua, com dois sexos, e que se supunha ser uma outra prostituta do métier. Este boato, em particular, ganhou tanta publicidade que se tornou tema das fofoquices no dia-a-dia nos bares, clubes e casas de tia. Aconteceu então a desgraça, quando o Julinho (nome artístico) — vendedor de carros, galanteador por excelência e angariador de raparigas para fomentar a prostituição (que o acusaram para ser preso), e personagem marcante em todo o caso Bochechas — se mandou depois de cumprir a pena de dois anos, e ninguém mais soube do seu paradeiro. A própria Bochechas ficou detida na esquadra por ter prestado falsas declarações durante o julgamento do seu antigo amante proxeneta. Na altura em que rebentou o escândalo, o «galanteador» Julinho — era um angariador de mulheres e um sacador — arrendou durante meses uma casa de campo, por meia dúzia de patacos, num lugar da província conhecido pela Rampa do Cavalinho. Foi aí que ele pôs Bochechas a trabalhar com umas mulheres rafeiras nas massagens. A clientela de Bochechas era obrigada a trazer a camisinha, se não queria apanhar um cavalo e, alguns deles desprevenidos, aventuraram-se. Boatos não confirmados de que Napoleão, homem casado e um empresário rico pelos seus próprios meios, alternava com Vassouras pelos prazeres de Bochechas, já circulavam em O Jornal Dos Traidores, que se atreveu a insinuar a incrível situação que, segundo constava, se estava a passar. Publicou, uma breve, mas mordaz referência a um mercedes conduzido por um condutor chegado à porta de um apartamento de uma rapariga não identificada precisamente na mesma altura que uma carrinha da desinfeção se afastava das traseiras. Esse apartamento situava-se na Avenida Rodrigues de Freitas, na zona de Campanhã, e estava arrendado em nome de Bochechas. Mas como não se referiam pessoas, o artigo não causou nenhuma mossa. Então, a 21 de Novembro de 1991, um cliente chamado Teixeira Placas despistou-se na estrada, depois de ter efetuado uma ultrapassagem mal calculada, no cruzamento de Casais Novos, no Norte. Tinha regressado do Porto, onde passara a noite no apartamento de Bochechas. As bocas afirmavam, que estavam ambos juntos há uns tempos. No entanto, a informação carecia de provas. Placas, acabou por morrer no hospital da terra. O Jornal Dos Traidores publicou um desabafo apanhado ao acaso de Bochechas, no qual esta afirmava: «Presentemente parece que tudo me corre mal — como se eu tivesse feito mal a alguém como por aí se consta...» Quem pudesse ter sido esse «mandatário-de-bocas», e quais tenha sido o motivo por que o fez, nunca se provou.

Naquele ano auspicioso de 2003, que viu a equipa do FC do Porto sair vitoriosa em Sevilha, os empresários do Norte conquistar os mercados e o aumentar de casas de massagens no Porto, causou maior impacto em O Bar do Traidor do que o romance amoroso entre um homem de meia-idade, e as suas consequências — o amor do joalheiro Fonseca pela jovem elemento do Bando das Periquitas, Ana, conhecida nos traidores por Olho-Vivo. Revelou-se o maior de todos os fiascos traidores, dado que foi encarado como uma possível ameaça à integridade física do joalheiro, e por isso ele próprio, abdicou e afastou-se dali. O amor do joalheiro pela jovem Olho-Vivo, que fora mãe duas vezes e que começou quando este ainda desconhecido na altura no bar, foi um relacionamento conhecido durante meses no meio da família lordesca, e nos circuitos dos amigos dos copos. Contudo, por incrível que pareça, mesmo quando atingiu um patamar em que O Jornal Dos Traidores vaticinava publicamente «Olho-Vivo correrá com joalheiro — e fixavam o prazo —, todos os prognósticos ao romance traidor, chegaram rapidamente ao conhecimento do cliente do bar, o que gerou um ponto crítico; uma fofoquice sem procedentes na história do grupo. Então, incapaz de conseguir que a rapariga da sua escolha continuasse na prostituição, no momento da sua proposta, que estava prestes a acontecer, recusou a alternativa de umas rapidinhas à traidor e quando o barman do bar lhe deu a escolha entre renunciar à rapariga de que gostava ou à imoralidade, o joalheiro escolheu abdicar a favor da sua integridade e bom nome. Fonseca partiu para umas férias na tarde de 3 de Outubro de 1987, ao volante do seu carro Peugeot, depois de se ter despedido dos amigos. Era o fim de um idílio que durou o tempo que tinha que durar e por espantosa espontaneidade — o joalheiro Fonseca tinha uma opinião bastante clara sobre o seu envolvimento com Olho-Vivo, dizendo mais tarde: «Nunca conheci nem o pai nem a mãe. Os seus vizinhos do bairro, viam-me como
um cavalheiro com tendência para me tornar num Pai-Natal deles. Andavam sempre atrás das minhas moedas para que eu estacionasse o carro onde quisesse. Pedi-lhe várias vezes para sair do bairro e ir viver para um apartamento em zona residencial. Mas sempre dizia nem pensar... a ideia não lhe agradava. Ela já vivia amantizada, claro, com filhos, por isso teria de fugir do bairro, e o seu amante e família nunca lhe iam permitir...» Na véspera do renunciamento, o joalheiro Fonseca foi informado por uma amiga íntima de que, Olho-Vivo lhe revelou, dizendo: «Penso que fiz um favor a Fonseca. Daqui do bairro não saio nem ninguém me tira...». Até ao fim de algum tempo, o joalheiro Fonseca e Olho-Vivo continuaram a ser assunto de mexerico — e fofoquice — sempre que os seus nomes fossem evocados.

Saturday, June 29, 2013

FERNANDO ABRAÃO
E RATAZANA
___________________

(7)

                                              


O MUNDO
      DA
  NOITE
     ~~~




O sol de Abril batia no carro e Cavaleira, como era chamada no Grupo de Traidores, estremeceu quando as suas pernas tocaram no assento. Nessa manhã, a mãe advertira-a para levar calças, mas recusara, sabendo a cena que se seguiria e, de facto, assim foi. Era uma intuição, sabia-o, mas sentia-se com intuito. E porque não tê-lo? Não seria esta uma boa oportunidade para se comportar de forma intuitiva? No dia de festa do bar? (3 de Outubro de 2008) «Há homens para todas», anunciou o dono do bar, Ratazana, à medida que as raparigas iam entrando na sala. «Vamos lá, Cavaleira, hoje é que tu os vais comer!» — «Vamos a ver», respondeu Cavaleira. «Há muitos homens, não há?» — «Sim, é uma ocasião rara», retorquiu Ratazana. — «A primeira vez que venho de saias», observou Cavaleira. — «Que seja a primeira de muitas», vaticinou Ratazana, acrescentando de seguida. «Bem, espero que as saias te tragam bons proventos.» — «Sim, claro», concordou Cavaleira, inclinando-se e sorrindo para a plateia, que olhava espantada para as suas ganchetas. Era engraçado, pensou Cavaleira, a primeira vez que tinha vindo de saias ao bar, era admirada. As outras raparigas vestiam vestidos e calças de ganga, mas não de saias curtas, exceto Cavaleira. Talvez eles não estivessem habituados a vê-la de saias. Talvez achassem que ela até tinha umas pernas atraentes. As saias da Cavaleira acabaram por atrair a malta da traição. Chegaram três pedidos para Cavaleira se sentar à mesa de uns construtores civis e outro para uma ida direta ao quarto. Significava que ela se sentia pretendida... Eles vão endoidecer se não saírem com ela. Não pensam noutra coisa senão naquelas finas pernas que ela tem; davam tudo o que tem para se sentirem enroscados nelas, agora que ela tinha puxado as saias mais para cima. Cavaleira descola da sala em direção à pensão. Miguel tem andado como um perdido atrás dela, que já não pensa perder esta oportunidade, de modo que o chamamento direto à pensão, foi uma bela ideia. Arrastaram-se por todo o quarto! Já se tinham realizado uma vez, quando ele bateu com a cabeça na perna da cama, e logo mudou de direção. Depois, rolaram-se no chão, enroscados um no outro, sobre uma alcatifa pré-aquecida pelo aquecedor e começaram a possuírem-se outra vez. Foi espetacular, e claro, se bem que Cavaleira tivesse alguns sentidos ligados à freguesia que a esperava no bar. Quando acabou, retirou-se rapidamente para o chuveiro e disse-lhe que tinha adorado aquele bocadinho, principalmente, o da primeira parte. Saídas! Quatro... Cinco... Construtores civis, engenheiro, vendedor de máquinas e empregado de mesa. Pousa delicadamente as notas debaixo das solas dos pés e arranja-se rapidamente ao espelho, saindo em bolina. Entra no bar cheio de gente. Ouve-se o seu petulante Quem quer que lhe faça umas cócegas? E explica ao cliente, a sua técnica de arrefecer cócegas. A explicação parece resultar e sabe que está a um passo de se concretizar. Saídas rápidas... Cavaleira, como que reaparecida, passado quinze minutos, mostra-se de novo eufórica em relação àquela festazita de algumas horas atrás. Ri-se para toda a gente, mas no seu riso transparece um certo cansaço. É extremamente perspicaz acerca das energias que já esgotou depois de ter andado numa roda-viva, a tirar e a pôr as saias. Assim que chega, Cavaleira lembra-se de que tem um outro compromisso e sai. Desta vez vai no carro do cliente para o seu apartamento. Cavaleira afoga-o com os seus problemas. Está decidida a pedir mais alguma coisa por ter vindo ao apartamento dele. Um bónus, considera ela. Senta-se no divã, e deixa-o ver-lhe as pernas e as coxas, enquanto relata os nomes dos grandes fodilhões da História dos traidores que a comeram. Talvez... quem sabe?... até ela pode promovê-lo a ingressar na sua grossa lista, confidencia-lhe. Enquanto se encontram na marmelada um com o outro, vai desvendando alguns casos das suas relações sexuais com os tarados daqueles seus clientes-traidores. À medida que vai ficando mais ardente, fala mais livremente. Não há nada que ela não faça, desde que o cliente saiba levá-la. Ainda não se passaram cinco minutos e já ele está a estrebuchar-se e a perder gás e a começar a pôr-se de pé. Depois de tudo terminado, mantém-se a conversar e combinam a próxima rapidinha com uma nova posição e outros sabores...

Quando o coração do conhecido pintor Conde do Pincel deixou de bater, a senhora do pintor informou Abraão que não o tinha convidado para o funeral porque, o falecido tinha sido cremado na sua terra natal. «Convidava-me na mesma», afirmou Abraão ao telefone. — «Achei que não era necessário», concluiu a senhora do pintor, enquanto soletrava um passe bem em jeito de despedida. Abraão, pensou no cliente-amigo que tinha falecido inesperadamente. Eram amigos há cinco anos e tinham proporcionado bons momentos um ao outro. Não gostava de se meter em barafundas. Recordou que o pintor estava sempre com uma ilusão. O brilho dos seus olhos sobressaía no escuro da noite. Quando Conde do Pincel resolveu trocar a sua velha máquina fotográfica por uma nova máquina digital, avivou Ratazana que se propôs criar novos projetos para juntos realizarem curtas-metragens, a tempo extra no fecho de O Bar do Traidor, mas mesmo quando estava a tempo inteiro e não havia freguesia, Abraão estava sempre a escrever no computador. Conde do Pincel dizia que os sonhadores deviam ser os primeiros a ver os seus sonhos realizados. Por essa altura, Abraão e Conde do Pincel realizaram em conjunto as curtas-metragens Isto Vai de Mal a Pior, O Ébrio (Um gosto a cheirar ao torrado),e 28 anos, que navegam nas redes sociais. No cemitério de Paço de Sousa, Abraão descobriu o jazigo da família Os Curros, onde pensava existir as cinzas do pintor. Prostrou-se silencioso em frente ao jazigo, se houvesse um coveiro ou um funcionário que pudesse dar-lhe uma informação, tê-lo-ia perguntado. Abraão tinha o vício de falar sozinho. E logo arranjou maneira de inventar um texto para homenagear o seu velho amigo.

         “Amigo Conde do Pincel, o nosso conhecimento não foi imenso, mas foi intenso. Obrigado por o ter conhecido.
          Revejo nas noites solitárias as nossas curtas e, não deixo de me rir, com as nossas interpretações. Prometo que sempre que vier a esta terra, não o olvidarei. Adeus».

O homem apareceu por detrás dela, no momento em que vagueava na sala junto às prateleiras de O Bar do Traidor. A sua cara era desconhecida e nunca ela o tinha visto antes. Foi engenhada a forma como o homem entrou com ela, durante três segundos e desapareceu. Ela não se lembrava de como é que ele era. O homem entregou-lhe um papel e disse: «Isto é para si». Depois, passou por ela apressadamente em direção à porta, antes que lhe desse tempo para ler. «Lara», perguntou a baixota Carolina, «quem era aquele gajo?». Ela guardou rapidamente o papel no bolso. «Deves ter sempre muito cuidado», avisou-a a baixota Carolina. «Quando menos se espera, estes gajos lixam-nos.» — «Não sei quem era», respondeu. «Não ligues, deixa para lá.» Atravessaram a sala e passaram na direção do balcão. Deliberadamente, olharam à volta delas para ver se alguém as chamava. «O que foi que o gajo te deu, Lara?», perguntou Carolina. — «Não fales agora», pediu-lhe. «Preciso de pensar.» Há uma dúzia de clientes na sala a beber com as raparigas, sem muito interesse. Continuam encostadas ao balcão do bar, na tarde em que o Grupo dos Traidores se pôs a disputar um jogo de futebol de cinco num campo da cidade. Lara dirigiu-se à casa de banho, assim que apanhou uma nesga, depois sentou-se sobre o tampo áspero da sanita e pegou no papel.

“Estás no apartamento.
Rua de Costa Cabral. Ás 17:30

Parecia ser a caligrafia de um amigo seu, o Senhor Magalhães. Foi a expressão “Estás no apartamento”. Essa é uma espécie de senha-convite de Magalhães. Quando ele diz “Estás no apartamento”, significa algo para ela e mais ninguém. Lara saiu para dar à língua. Queria descomprimir. Não diria nada a ninguém, nem mesmo à Carolina que não confiava, nem às raparigas da vida da noite. Havia sempre uma ponta de inveja nelas; elas não eram de fiar. Lara rasgou a mensagem e lançou os bocados dos papéis no cesto do lixo. O táxi levava pouco mais de dez minutos ao local.
Saiu do bar e na entrada encontrou a mais velha das raparigas, Big Bela, que estava a chegar. Lara fumava um cigarro esguio e comprido More, que tinha sido oferecido pelo Ratazana. Ele dava às raparigas, frequentemente, pequenas lembranças para as cativar. Era suposto enganá-las, mas acreditavam nele. «Que cigarro tão giro, Lara» exclamou Big Bela. «Quem é que to deu?» — «Foi um amigo. Toma lá um!», passou-lhe um cigarro e entrou para dentro do táxi. O apartamento de Magalhães era pequeno, tinha apenas quatro divisões minúsculas. As paredes eram ocas que dividiam uma sala pequena. Isso significava que se ouvia os ruídos com facilidade. Lara dirigiu-se à porta da entrada, assim que chegou, levantou o tapete e retirou a chave para entrar. Abriu as janelas para refrescar o ambiente, depois sentou-se no divã, enquanto aguardava por ele. O Senhor Magalhães era um tipo especial. Em linguagem corrente é aquilo que se pode chamar um provocador de saias, só taras-manias e depois... um pesadelo. Nas duas horas que esteve no apartamento, Magalhães, visionou dezenas de fitas sobre relações sexuais entre animais para duzentas posições... ou era o porco que fazia truca-truca em cima da porca ou era o cão a experimentar comer a ovelha. A única forma que Magalhães necessitava arranjar um animal que o provocasse para depois provocar Lara. Lara tirou as saias para o pressionar, e pôs as suas monumentais coxas a descoberto... ele olhou durante uns segundos, mas estava ali mais concentrado nas imagens do porco com o membro todo enroscado na porca e discutiu com ela para a possibilidade de ela se colocar assim. Mas Lara estava já cansada de ver todos aqueles vídeos... quer ser comida ao natural, diz, e se Magalhães não lhe der uma como deve ser, ela nunca mais o vem visitar. Magalhães então esfregou-se um pouco mais sobre ela e a seguir mostrou-lhe a imagem de um capão a ter relações sexuais com a parceira com uma velocidade de jacto que lhe devia ter feito trocar os olhos. «Ora vê!», diz. «Estás-lhe a ver o cu a tremer, ou coisa parecida?» Ela delira quando se está a vir. «Não acreditas? É tudo tão maravilhoso...» Magalhães, concentra-se novamente nas imagens que está a ver. «Mas, loucura minha, quando eu me vier dentro desse buraquinho...» Agarra-lhe as ancas por trás e quase que a atira para fora do divã. Penetra-se nela e o divã treme... mas talvez seja Magalhães. A miúda mantém as pernas abertas o que lhe permite ir tão fundo quanto possível, e ele já está a imaginar comer o seu botão de rosa... «Oh, Padroeiros da minha terra!», arfa Magalhães, «aguentai-me firme!...» Magalhães sente realmente tudo a abanar quando a coisa acaba. Está em pior estado como quando começou e o seu aspeto não é exatamente o de um cravo. Quanto a Lara, está ali para as curvas, dá a impressão de que não se passou nada com ela. Quer saber se ele a leva a casa. «Apanha um táxi, Lara», diz-lhe Magalhães, ainda deitado no divã. «Pega ali no envelope em cima do móvel... É que eu não me consigo levantar daqui...»

Pateca estava sentada numa cadeira, demasiada gasta, na sala de O Bar do Traidor, um dos mais badalados bares do Porto. Rodeavam-na um grupo de raparigas da rapidinha, jovens sem carisma, mas muito sabidas, ratoeiras que fazem lembrar o filme O Medo Come a Alma, clientes de bar emproados em roupas fatelas que dirigiam olhares provocadores — e nenhum deles é jovem, exceto Pateca e as raparigas da rapidinha que se arrastam por lá. Pateca estava lá para conhecer um tipo-correio-de-droga, mas ele não a conhece. Na verdade, nunca ouviu falar de Pateca. Mas isso não a impede de estar ali à espera de o conhecer. Pateca nunca conheceu Manuel, conhecido pelo Pica. Esta é a sua alcunha nos meandros do pó. Tornou-se passador de drogas, há três meses. Até as mulheres da rapidinha já ouviram falar dele. Pateca está lá para que Pica lhe dê uma amostra de pó para snifar. Pateca aguarda a visita de Pica, enquanto espera vai dando papo ao empregado do balcão. Até que uns bons dez minutos depois, Pica chega ao bar. Vai direito para uma mesa da ponta e junta-se a um grupo qualquer que se dedica ao consumo de “drogas”. Compram-lhe as doses debaixo de mão e ficam-se no falatório. Pateca não perde tempo. Quando as entregas terminaram, apressa-se a ir ao seu encontro c´um um cigarro na boca. Dá-lhe um olá, e senta-se. Volta a fixar os olhos para ele. Um tipo com cerca de quarenta e cinco ou quarenta e oito anos, magro, de bigode grosso. A certa altura diz: «Pica, és tu? Faz-me um favor! Dá-me meia grama para eu curtir!», pede. — «Como descobriste que era eu? Quem te deu a informação?» Pica olha, curioso, para Pateca. — «Não houve informação nenhuma. Sou a única pessoa que sabe, porque te conheço através de umas amigas. Por favor!, sê simpático para mim. Quero só que me dês meia grama.» — «Quem não quer.» — Por favor, ajuda-me. Dá-me uma chance?» — «Sem dinheiro, não há chance.» — Oh!» — «Para além de não te conhecer, miúda, não sou dono do material. Agora, diz-me, onde é que tens o dinheiro que se possa ir buscar?» — «Nenhum, que eu saiba.» — «Talvez não, miúda, mas já estou farto de mixórdias. Passam a vida a dizer que não tem dinheiro. Quer dizer que não me estás a enganar?» — «Não faria isso.» A porta do bar abre-se. Pateca olha e observa. Deslumbra dois tipos suspeitos no balcão. Apetece-lhe cavar. Quase por instinto, de repente, acotovela-o. «É a bófia!» «É a bófia!» Pica levanta os olhos e atira c´um pacote debaixo do braço para as pernas de Pateca e pira-se para a saída. Num ápice, Pateca devolve o pacote para outro tipo, e o outro atira para o outro e por aí adiante... Pateca vai atrás dele. Os bófias ao balcão curvam-se e um deles barra-lhe a passagem. Estão à paisana. Os bófias murmuram para eles: «O BI, miúda. E você também.» Pica vira-se furioso, para o polícia. «BI! Roubei alguma coisa a alguém?» O bófia passa os olhos no BI e desaparece. Tal como Pateca que corre na direção do Pica, escondido atrás de um carro. Pica perdeu o ar desconfiado. «Vamos zarpar daqui antes que nos chateiem o juízo», declara. Seguiram pela rua. «Como é que sabias que era a bófia? Não traziam farda. E estavam a fazer rusga. Então, como?», pergunta ele. Pateca lança-lhe um olhar. Está a tentar pensar como deve responder. Volta-se para Pica. «Sou citadina noturna e já manjo estes moinas é ene tempo. Sei quando eles saem à rua para apanhar infratores e este é o melhor sistema que há. Não dá nas vistas. Por isso, passei o tempo todo, no balcão, à cuca para a porta. E sabia que virias abastecer a tua freguesia: com o teu remédio. E quanto à minha meia grama?» — «Dizes que não tens dinheiro. Por isso, como é que me vais pagar?» — «Estás-te a fazer a mim?» — «Faço-me a qualquer uma amiga nova.» — «Mas não me conheces.» — «Isso é uma verdade. Mas quando fio a uma pessoa, fico a conhecê-la. Claro que não acredito em tudo o que tu dizes. Mas se me deres uma prova, acabo por considerar-te minha amiga.» Pica olha para Pateca como se fosse ele o consumidor. Sente uma atração física por ela! Não é nada que não se pareça. Chegam ao fim da rua, onde Pica deixara o carro, e seguem viagem. Entram no quarto, e sentam-se a uma mesa, a beber absinto. Quando acabam de beber, Pica espalha a meia grama de pó pela prata e entrega um instrumento de snifar a Pateca. «E agora dá aí um chuto», diz. Pateca tapa um dos lados do nariz e puxa com todas as suas forças. Depois, fica à espera que Pica lhe carregue mais, pois acha que sabe a pouco... O pó volta a pulverizar as narinas de Pateca. Pica, ajoelhado, suga os mamilos de Pateca... Pateca já se vê nas nuvens a voar no espaço, com as mãos dele a apalpá-la por tudo que o excita. «Tira a roupa e fode-me!» Pica despe-se e leva-a para o divã. Atira-se para cima dela e abre-lhe as pernas... Mas deixa ela snifar um pouco... Agora está a vê-la como deve ser, mas não quer perder a ocasião... Pateca parece estar estonteada... senta-se no chão e olha-o, abanando a cabeça como se quisesse saber onde estava... A tática de Pica absorve de uma vez todo o seu imaginário... continua a pedir-lhe para deitar mais pó... até que a excitação lhe rouba a fala... está a arder... é como estar abraçado a um lume. Pica está a comê-la como um louco, mas ela puxa-o pelas orelhas e quer sempre mais. Fica inerte nos seus braços... desmaiou a vir-se... Pica para com os movimentos de pra cima e pra baixo, e enfia-se na casa de banho, e senta-se na sanita a fumar um cigarro, enquanto contempla Pateca a dormir no divã, sossegadamente, como se fosse um bebé. Deixa-a estar assim, enquanto prepara novas embalagens para a distribuição, e só depois, lhe faz umas festas para a acordar. Pateca acorda rapidamente. Pica faz um discurso de despedida ao mesmo tempo que se enfia dentro das roupas. Que envergonhada! Pateca veste-se com uma rapidez e mantém os olhos afastados até se acabarem de vestir. «A tua amizade foi encontrada», diz-lhe Pica... «talvez possamos voltar a encontrar-nos amanhã... às cinco, talvez?... e tenho um ou dois pássaros grandes que gostariam de te conhecer...»


A amiga estava engripada nessa semana, por isso, Filipa teve de ser ela a descer à rua e ir à procura de comida. Nada teria corrido maravilha se André não a tivesse visto na rua, nessa terça-feira à tardinha, e decidido chamá-la. Habitualmente isso não a chatearia — apesar de estar sempre a chamá-la “Olhos de Fufa”. Porém, naquele fim de tarde, não podia ter tido melhor sorte. «Onde vais, Fofinha?», gritara, junto ao parque de estacionamento do minimercado Shop-Shop. Por estes lados, encontram-se muita variedade de lojinhas, onde se podia abastecer. Filipa não lhe respondeu, enquanto se dirigia para o carro que se encontrava estacionado e deixou o saco no banco de trás. André seguiu-a. A voz dele denotava admiração: «Fofinha? Que fazes aqui?» — «Vai brincar com as tuas amigas, André?» Respondeu. Ficara arreliada. Não era habitual vê-lo por aquelas bandas, mas não podia mandá-lo à fava: os morcões podiam esperar algum tempo. Tirou uma chiclete do bolso e dirigiu-se ao seu encontro. André olhava-a como se ela fosse um manequim. «Tás fixe?» — «Tou. Encontrei aquilo que queria e vou levar alguma coisa para comer». — «A tua amiga foi de férias, ou quê?» — Parecia mesmo preocupado com ela. Era, de facto, cómico, vindo de um homem que, certa vez, abrira a porta do seu quarto para, segundo afirmara, a comer de surpresa. «Estou com pressa, André!», sentiu-se baralhada, nesse momento, pois gritara tão alto que alguém podia ter ouvido. A única coisa que lhe acorreu mesmo foi pedir-lhe que estivesse quieto com as mãos. «Então, o que...?», olhou atónito. «Vou atender os morcões», declarou, esperando que pensasse que estava apressada e a deixasse em paz. Levantou a chiclete com a língua e deu um estalido e fitou-o, de tal modo, que teve vontade de se mandar. «Caíste, finalmente...» — «Pois», respondeu e acrescentou: «Anda lá, depois de entrar podes apreciar as belezas da casa.» Atirou a chiclete para o chão, abriu a porta do carro e pôs o motor em marcha. André seguiu no carro e conseguiu apanhá-la rapidamente, ia já a meio da estação da Granja. O aspeto era o de sempre, paredes rabiscadas, cartazes de propaganda a cair e anúncios de alimentos. Já atravessara a cancela da entrada da casa e subia os degraus da escada quando voltou a ouvir a voz de André, e desta vez, pareceu aflito: «Fofinha! Não tenho cigarros», exclamou. «Queres que te traga?» Filipa atirou-lhe um sim e esperou um pouco. Alcançou-a segundos depois. «O que é que vens mesmo aqui fazer?», sussurrou-lhe baixo. «Cala-te miolos de galinha-do-mato, vais assusta-las!». Havia duas raparigas de aspeto provocante na desarrumada sala; olharam para os lados, assegurando-se que ninguém se encontrava nos quartos. As raparigas alegraram-se um tanto, quando viram Filipa avançar com o saco e tirar de dentro, uma embalagem de pão-de-forma, marmelada e outra de queijo, e mandá-las atulhar. «Assustar elas?» Sentaram-se no sofá a fumar. Filipa contou uma longa história ou, pelo menos, assim parecera quando ela a contara. Contou tudo a André — o que pensávamos ser verdade, em todo o caso. Como a sua vida crescera à volta dos morcões, deitando-os abaixo. (Assim alcunhava os cabritos) A maioria deles tinham idade para ser seu pai, tio, ou até avô, confidenciara a André. Outros, porém, eram mais novos, ou não tão ousados. Haviam começado a visitá-la nos locais do vício, visitando-a assiduamente de um sítio para o outro, aparecendo de carros e de motas. Em noites com luar ou calorentas durante as horas de vício, os mais arrebitados aventuravam-se, desenfreadamente, pelas ruas da cidade. É por causa deles que as casas de passe junto às povoações cresciam cada vez mais. Os mais tímidos permanecem nas sombras o tempo da aprendizagem. André escutou tudo isto com aquela expressão de “Fecha-o-ecler”. Mas nada disse até ao momento em que Filipa ficou sem palavras e começou a fazer-lhe mimos. Mas quando as raparigas apareceram na sala, André estava tão excitado que atirou-lhes um verdadeiro piscar de olhos e, a mais alta, olhou bem para ele, por instantes, depois atirou-lhe um chocho com os lábios comprimidos. Via-se que estava esfomeada; tinha os peitos arrebitados. No entanto, baixou a cabeça, vagarosamente, como uma cabra a bebericar água. Enquanto André bebia, as raparigas desapareceram. Talvez fossem atender algum morcão que veio visitá-las, ou que lhes tivesse telefonado. André atirou-se mais a Filipa e, beijou-a, gozando cada um o seu bocado. Permaneciam envoltos, em cima do sofá. André estava tão vermelho, com o calor a apoderar-se dele, que acabou por ir tomar um banho de água fria, de modo que ela encontra-o sem uma roupa por cima... o que parece estar mesmo a jeito para o que ela tem na ideia. Veio à procura dela para a comer... e para a ouvir contar um história de algibeira. André comeu-a. Ela ainda não está refeita da coisa, o que é perfeitamente natural, se considerarmos que se trata do morcão que lhe tirou os três vinténs na putaria. Claro que não é bem assim que a coisa se passou. Sendo André aquilo que é, os factos não se podiam dar desta maneira. Mas o que conta é o resultado... e o resultado é quase sempre o mesmo...