Sunday, December 23, 2007

CONTOS DE RATAZANA


  PATACO NO FONTÓRIA
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Os ruidosos e barulhentos clientes do bar faziam um chiqueiro tremendo todas as vezes que o cliente gordinho acabava uma anedota, mas não o interrompiam. Nessa tarde havia contado duas de sexo, três de esfola e uma de música contendo fado vadio e uns guisados de grelos indigestos, servidos nuns lençóis de um quarto numas águas-furtadas. Fez um compasso de espera com a mão direita no ar. Conteve a respiração e depois deu o primeiro sinal: um tossido. A anedota a seguir era de grande importância. Podia pô-los de rastos, outra picante como as anteriores, estariam a pôr a língua de fora, de certeza. As anedotas bem contadas provocavam rios de consolação. Mas aquela a seguir ─ era super!... E disso tinha ele a certeza. Pataco, assim se chamava o gordinho, olhou bem para eles:

─ O maior barrete de que eu tomei parte passou-se no meu tempo de tropa, quando fui transferido para uma unidade de Lisboa. No dia da minha folga, depois de me equipar à civil, preparei-me para ir visitar uma boate na cidade de que os colegas me falaram chamada Fontória. Quando entrei a sala estava cheia de gente e havia mulheres bonitas à moda, numa pista de dança e uma artista de strip-tease. Sentei-me numa cadeira e chamei o empregado de mesa: «Quero que me traga a artista de strip-tease. E que a ponha aqui sentada a meu lado acompanhada de uma garrafa de champanhe nacional.»

«Vou tratar do assunto», respondeu o empregado de mesa. Antes dele se afastar toquei-lhe no braço e continuei:
«Quero que peça ao músico do conjunto para tocar aquela música “Daqui não saio daqui ninguém me tira” e que toque em ritmo de mambo, porque me dá uns formigueiros pelos calos acima e quero descontrair. Diga-lhe que venha jeitosa. Por favor, diga-lhe isso. E para pôr aquele perfume da marmelada. E quero que me traga um bourbon em cálice de balão aquecido, e ponha depois, duas pedras de gelo como eu gosto. Já pode ir.

Quando levei a artista de strip-tease a casa depois daquele convívio diabólico, diverti-me imenso e gozei até ao cair da cama. Adorei-a. Nunca tinha visto uma stripper como aquela. O que veio a seguir, é que me derreteu, quando uns dias depois voltei à boate e não a encontrei. Fui ter com o porteiro e perguntei-lhe:

─ Ó amigo! Tenho tentado encontrar a artista do strip-tease, mas não a apanho. Já não está cá? ─
─ Quem? O travesti? ─ Declarou o porteiro fitado em mim. ─ O travesti acabou, ontem, de actuar no cartaz da casa.

Um assombro de me pôr de caixão à cova. Desta vez o barrete cheirou a carne de porco!»

Sunday, December 16, 2007

CONTOS DE RATAZANA


´E os maiores são os cornetas, Fernando.
 Porque têm lábia. São presunçosos.
 E cheiram a azeite`.

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Olhava agora em frente, a ver o sítio para onde o motociclista seguira. Para lá do areal branco como os que no Verão há na Foz, próximo de Matosinhos, via-se o Radar da Capitania e, em frente, o Forte de Leça. O mar parecia uma ardósia azul, e podia ver-se alguns barcos arrastados ao vento e outros ancorados ao porto de Leixões. Tenho de esperar até ela fazer um e voltar de novo à faina de rebola cima, rebola abaixo, para explicar a este nabo, pensou ele. Talvez não demore muito porque isto são corridas de dez em dez minutos. Não, não acredito. A gaja fez o gajo num relâmpago! Isto não é um bordel, pensou ele. É estranho recordar como naquele tempo frequentávamos as ruas do vício e como nunca o vimos. Foi uma vez, quando já estava para as bandas da Banharia, um dia brioso como hoje, que eu vi um corneta a emitir sinais de código à parceira. De qualquer modo, eu era muito rapaz e agora já tenho uma dúzia de anos a mais, eles sempre me trataram bem. Sabes se é por isso que ele te trataram bem?, perguntou a si próprio. Talvez seja porque sou novato no início da minha carreira.

Talvez não seja assim.

Ou talvez assim seja, pensou ele. Conquista-se primeiro a mulher que se deseja, com muitas cautelas para não levantar asas e depois, se há inteligência, deve-se ter o cuidado de saber onde a colocar, por causa de algumas carraças de pés descalços que estarão sempre ressentidos de inveja de sermos bem sucedidos. O grande corneta tem um pensamento rígido. Não têm, aliás um pensamento estúpido como Mosqueira que também era um vagabundo e esfarrapado corneta. Zé-Mau, Cardoso e Grelhas. Três escolas de pensamento avançado. Primeira: prego-lhes um soco no olho à Belenenses. Segunda: meto-me nos copos andando de bar em bar. Terceira: Abafo o dinheiro nas paredes como a pega e depois dou o arregaço. E dar o arregaço é pôr as coisas no bom sítio e governado. Está visto, pensou, sempre que começamos a orientar o barco tornámo-nos gananciosos. Lembra-te de todos os cornetas da zona, lembra-te de Mário Cigano tão conquistador como galanteador e lembra-te como as pessoas eram boas. Lembra-te dos teus amigos e das tuas amigas e lembra-te dos teus entes queridos. Não sejas sisudo nem burro. E que tem isto que ver com a minha carreira hoteleira? Vamos lá, acaba com isso, disse ele de si para si. Está a curtir uma cena.

─ Lá está o homem ─ disse ele. ─ Vou encostar junto à berma para darmos uma mirada, Tony.

O Chefe e o ocupante ficaram dentro do carro na estrada que dava para Matosinhos e olharam para o farol fustigado pelo vento frio que descia do céu, vendo-se a silhueta de uma mulher que bamboleava a sua anca como um manequim da alta moda.

─ Estás a ver ela a balancear a mala no ar? ─ Apontou o Chefe. ─ Está a fazer-lhe chegar a notícia que a carteira está recheada.
─ Sim, estou a entender.
─ Os cornetas do Porto ─ disse o Chefe, ─ eram todos bons conquistadores. Meteram as suas catraias em lugares chaves da cidade e construíram um soberbo pé-de-meia. Foram os cornetas do Porto que criaram os códigos entre parceiros. Eram duros e rijos como tabuletas de sabão e partiam as ventas ao mais pintado que se atravessasse com as suas catraias. Todos eles tinham aula de boxe. Mas arrastavam trás de si uma corja de penduras que eram piores que eles. Onde entravam só faziam cagada, que era para dar nas vistas.

Fez uma pausa.

─ Queres ouvir o resto, Tony?
─ Continua. Estou a gostar.
─ Foi um corneta do Porto, ao pôr a sua catraia no engate no café Derbi, quem utilizou os primeiros sinais de código. E foi ele também quem pôs três mulheres na vida a prostituírem-se para ele e se fez passar por médico, mandando imprimir quinhentos cartões de visita com o seu nome a relevo e entregou com muita honra às suas próprias prostitutas.

Mas nesse tempo ele metia-se tanto com raia graúda como raia miúda que eu achava fruta demasiado bizarra para o meu gosto. Nunca voltaram a aparecer por lá figuras tão extrovertidas como aquelas que eu conheci ao início no Derbi. E de facto assim reza a história.

─ O café que tu dizes é aquele onde há muitas regueifas deformadas e uma decoração que parece mais um daqueles salões dos mineiros que se vê na fita americana, não é verdade?
─ É esse todo. Se esse é o aspecto que tu achas, então acertaste. Agora tu não te esqueças que no outro lado da rua existe outro café, o Royal, que tem uma frequência semelhante e uma panorâmica quase tão idêntica como o Derbi. A rua Chã é uma pequena rua muito comercial, onde as mulheres da vida fazem picolés saborosos e os homens fazem sobe e desce e pregam gazeta ao trabalho, normalmente ao dia de segunda-feira, dia do sapateiro. Isto não quer dizer que os homens passe os dias no sobe e desce, isso não. Isto é para quebrar o stress da puta-mania. À noite, também passam o tempo inteiro com as suas mulheres a fazerem meninos. E se há luar, é marmelada a dobrar.

Fez nova pausa.

─ É melhor estar aqui do que ir ao cinema.
─ O.K. ─ disse o Chefe. ─ Vamos de vela.

Sunday, November 4, 2007

CONTOS DE RATAZANA












MENINO BOM E
FILETE DOURADA EM
SESSENTA E SEIS MINUTOS E MEIO 
DE PRAZER
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Ainda antes de trocar de emprego por outro que lhe oferecia melhores regalias sociais, Menino Bom teve uma ascensão imparável, e o seu sucesso fenomenal reforçou a sua crença na boémia e nas noites perdidas pelos nigths-clubs. Mas começou a ter igualmente consequências bem mais desastrosas.

…«Sabe uma coisa? ─ disse ele levando a mão ao copo para beber um pouco de uísque. ─ Hoje estou mesmo chateado.» ─

Enchi a cabeça dele com a história da vendedora de panelas que representava no palco da cama a personagem da mulher serpente. A sua falta e tacto fez dele uma espécie de passageiro curioso. Eu acrescentei:

«Acredite que é o melhor remédio que tem para a sua dor de cabeça.» ─ Ficou um tanto abismado a olhar para mim.
«Como assim?» ─ Permaneceu calmo, sem pressas, como se preparasse para a cena futura.
«Espere aí que já vai ver ─ disse-lhe eu, sorrindo. ─ Venha comigo.» ─

Foi o seu primeiro passo. Depois de ele me seguir, apresentei-o a Filete Dourada que o recebeu de beijo na cara. Momentos depois, tinham sumido à socapa. Fizeram um circuito à volta do quarteirão, para entrar num lugar que ambos conheciam mais ou menos bem: o motel. Depois de estarem lá dentro, fecharam a porta e fixaram o olhar.

Ele começou:
«Quem começa primeiro?» ─
«É usual ser o cavalheiro.» ─
«Sou um bocado tímido.» ─
«Estamos iguais, também sou tímida. ─
«Então, em que ficamos?» ─
«Não sei. E se tirássemos peça a peça?» ─
«Valeu.» ─
«Espere uma peça das minhas vale por duas das suas, tenho menos roupa.» ─
«Valeu à mesma.» ─

Foi ele o primeiro, tirou a gravata e juntou ao casaco, arrematando as roupas para cima do sofá. Depois, foi a vez dela tirar os sapatos. A seguir, escolheu ele os sapatos, juntamente com as meias, enquanto ela escolheu despir o casaco. Seguidamente, despiu as calças e tirou a camisa, por sua vez, ela puxou a saia abaixo. Na fase seguinte, tirou ele a camisola e a camisa interior, e ela despiu a camisa. Na parte final, ficaram em cuecas, olhando-se mutuamente. Quando resolveram ficar nus, fizeram-se ao retardador, iniciando a contagem: um, dói e três. De imediato, saltaram para a cama, rindo-se a perder. Quando o riso parou, ela acercou-se lentamente dele e colocou-lhe um das mãos sobre o corpo.

«Onde estão os seus pontos fracos?» ─
«Se os descobrir, dou-lhe um presente.»─
«Prepare-se, pois vou à procura deles.» ─ Não demorou muito tempo, ele a começar a rir-se: ah, ah, ah,
«Está com cócegas?» ─
«Não, estou a rir porque não consigo ganhar tesão.» ─ Continuou, ah, ah, ah…,
«O que é que faz na vida?» ─ diz ela olhando meigamente.
«Por amor de Deus! Não me venha falar em trabalho, anda hoje mandei foder o meu patrão. Disse-lhe que estava com um esgotamento nervoso.» ─
«És divertido, uma mulher à tua beira sente-se bem.» ─
«Só se for por não me vir!» ─ Voltou às risadas, ah, ah, ah,

Ela virou-lhe as costas, mantendo-se silenciosa. Ele exclamou:

«Dói-lhe alguma coisa?» ─
«O meu pipi.» ─
«Quem é esse gajo?» ─ Riram-se.
«Começo a gostar de ti porque me fazes rir.» ─
«Vá lá, ao menos, és a primeira pessoa a dizer que tenho alguma utilidade.» ─ Fitou-o nos olhos.
«Vamos brincar às casinhas?» ─
«Se quiseres, podes começar primeiro.» ─
«Mas agora não temos roupa para trocar» ─
«Trocamos por exemplo de mãos. Tens as unhas afiadas?» ─
«Tenho, e se for para te mexeres, pico-te já!» ─

De repente, dobrou-se por cima dela, quase nem a deixava respirar. Durante uns bons instantes, deu provas de como se deve fazer um bom coito. Todavia, a dado momento, absteve-se, soltando de cima dela, deixando-a estupefacta de olhos abertos.

«Não pares, não pares» ─ Os olhos dela pareciam dois vulcões em chama ardente. Ele retorquiu:

«Desculpa lá, mas vou parar para intervalo.» ─
«Agora, que eu estava a chegar à lua, é que havias de parar.» ─
«Não te atormentes, breve, vou levar-te ao planeta Júpiter.» ─
«Por este andar, nunca mais chegamos lá.» ─

Desafiou-o com o seu olhar trocista, ele levou a peito. De súbito, levou-a ao ar e puxou-a a si, executando alguns movimentos em exercício flexível dos membros inferiores. Ouviu-se o vibrar das suas emoções. Os gemidos confundiram-se com os suspiros. Quando tudo parecia encaminhar-se para o surgir do eclipse total, a ruptura aconteceu.

«Não pares, não pares» ─ Atirou o corpo para o lado, ficando em completo relaxe. Ela não cabia no seu descontentamento.
«Nunca acabas o que começas. Deixas sempre o trabalho a meio.» ─
«Ó que caraças! Não me fales em trabalho, senão, piro-me já daqui.» ─

Menino Bom levantou as mãos aos céus e jurou que só queria mesmo era brincar e que, para a próxima vez é que era a valer mesmo. Mesmo assim, Filete Dourada dava o tempo por merecido. Realmente aqueles momentos, foram mesmo interessantes.

«E quando é a próxima vez?», exclamou ela, fungando o nariz, mas Menino Bom deixou-a com o enigma de um sorriso para a próxima data.
«O teu problema», ─ disse ela olhando para o tecto ─ é não saberes o que queres, porque senão punha-te por minha conta.» ─ Ouviu uma gargalhada dele, ah, ah, ah.

Mas as mulheres eram assim mesmo, pensava Menino Bom nesse tempo, quando as deixava deliradas por uns minutos de prazer. E a verdade era que ninguém o censurava por se ir embora, pelos seus sessenta e seis minutos e meio de prazer, conforme deixou Filete Dourada de boca aberta entre as nuvens a chorar por mais.


Depois desapareceu.

Sunday, October 28, 2007

CONTOS DE RATAZANA


 2 AMIGOS INCORRIGÍVEIS
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O Inglês: um turbilhão ao Deus-dará, um sujeito disfarçado de playboy, tinha transformado uma banalíssima agência de trapos ─ Mister English ─ numa loja de marmelada. Sobejamente famoso pelas suas aventuras com estrelas de cabaré e algumas rainhas das casas de massagens e, segundo as más mínguas, pela sua apetência às mulheres de mamas grandes e traseiros bem redondinhos, a quem «comia pelos olhos» norma utilizada no seu caso que «recompensava generosamente». Para que é que a Miss Zara se tinha ido meter com aquele aventureiro do Inglês, com os seus truques das argolas no corpo e o seu Rover de eleição? Para homens daquele escalão, as chavalas mesmo mamudas e vem avantajadas de traseiro – eram para dar uma moca e não repetir. – Devemos também dizer que o vício, quando surge, reverso e tentador, é incontrolável do poder indígena. Miss Zara telefonou na noite seguinte, dos arredores da cidade do Porto. A funcionária chamou o Inglês ao telefone mas ele quando atendeu o telefone, ela já tinha desligado, mas voltou a ligar.

«Estou a falar duma cabina e não tenho mais moedas.» «Zara», disse ele, deixando transparecer na voz um fio de desespero. «Tu não me disseste que me ias dar com os pés» «E tu não me disseste que me ias trocar por aquela nojenta da preta», respondeu ela. «Cada um de nós tem as suas razões.» Ele voltou a dizer: «Zara, volta que eu vou-te pôr uns brincos giríssimos no teu pipi para nós brincarmos como dantes.» ─ «Põe antes no cu da preta.», disse ela num tom brincalhão. «Parece que estou a imaginar a cena. A preta a guinchar, quando quiser arriar o calhau e os brincos a tilintar uns aos outros, ah, ah, ah.» ─ Ele deixou-a rir até voltar a dizer: Zara, eu estou só no mundo e só te tenho a ti. Não me faças atirar da ponte D. Luís I ao rio Douro, que agora a água está gelada.» ─

Ela ficou como o gelo. «Inglês, ouve bem o que te vou dizer. Não quero discutir contigo outra vez porque, no fundo de todas as tuas parvoíces, se calhar até me amas. Por isso vê se entendes que eu sou uma miúda inteligente e, porra pá, deixemo-nos de merdas; nenhuma branca gosta de ser trocada por uma preta. Quando dou o meu amor é porque estou consciente que amo essa pessoa, estou a falar de nós evidentemente, por isso é que eu te digo, Inglês, não me queiras explorar mais. Ainda tu andavas nu como o macaco e já os teus descendentes exploravam as parvas como eu. Vai para África ou para a Índia que lá não devem faltar mulheres que gostam de pôr brinquinhos nos sovacos, cotovelos ou quem sabe, até nos próprios calos dos pés; dizem que elas os têm a rodos.» ─ «Neste caso, admites que não me amas e que não me queres mais.», objectou Inglês, mas a voz atraiçoou-o. «Desta vez é de vez.» ─ «No fundo, acho-te divertido, um velhaco, e único no teu género. Mas vou fazer-te uma lista e duas a três coisas que me interessam; nada de brincos, nada de pretas, e um exclusivo só par mim; dia e noite.» ─

«Zara», disse o Inglês. «Mas assim, tenho que ter uma língua de aço…» ─ Mas a chamada foi abaixo e ele já não a ouviu. Poisou o auscultador no descanso. Ela voltou a telefonar, dias depois, e, nessa altura, já a lista das promessas estava consumada; ela não lhe perguntou se ele já tinha dado mais uma queca na preta ou noutra qualquer, nem lhe perguntou onde ele andava, como ele também não lho disse e tornou-se evidente para ambos que se tinham de afastar um do outro, era tempo de dizerem adeus.

«Inglês», ─ disse Zara. ─ «Aconteceu-me uma coisa estranha. Apaixonei-me por um amigo teu…» ─ E ela ainda estava a relatar-lhe o novo filme da sua vida quando ele atirou com o telefone contra a parede. Uns segundos depois, o telefone tornou a tocar. Ele foi atender. Era a voz dela. Zara continuava entusiasmada a não falar de outra coisa que não fosse do amigo dele: os nossos planos são fazermos filmes sobre os piratas em Portugal e na Espanha, buscando as grandes vedetas, Hermanias, Miro Azevedo, Filipo Gonzalez, para desfilarem diante da Igreja dos Congregados ou do Mosteiro do Pilar ─ «já imaginaste reunirmos estas personagens sem cachet», ─ acrescentou ela alegremente. A verdade é que as coisas estavam a aquecer para o lado dela. Inglês nem quis acreditar quando ela disse que o amigo se chamava Champalimão.

Inglês lera, no pasquim do GAS (Grupo de Atiradores de Sexo), o nome dele associado às fajardices com mulheres de pior espécie e manobras fraudulentas, mas era assim mesmo, vigarista um dia, pirata toda a vida.

Disse Zara: «Então ele perguntou: queres um casco de visão? Eu disse, Champalimão, não precisas de me comprar coisas tão caras, mas ele insistiu: minha querida, nada tema comigo. Vamos às compras e está tudo dito.» ─

Tinha voltado a dar uma visita pelas ruas Sá da Bandeira e Santa Catarina e Champalimão trouxe a sua bomba. Ao chegarem ao centro ele encostou a bomba na baixa e pediu-lhe para aguardar um instante; parecia um xeque do petróleo. Ao fim de alguns minutos ele regressou com um embrulho debaixo do braço e disse: «Aqui está minha querida, o casaco; vista-o que é seu.» ─ Ela deitou a mão ao casaco. «Que bonito» Ele segredou ao ouvido dela. «Foram só quatrocentas donas marias, mas você merece tudo de bom que há no mundo.» ─ Era uma tarde sexta-feira, as lojas estavam superlotadas de gente a fazer compras para o fim-de-semana. Champalimão entrara na segunda loja e comprara um anel de brilhantes, enquanto Zara ficara à espera dento da bomba. Cinco minutos depois, ele chega e coloca-lhe o anel no dedo, perante o espanto dela que não queria crer em tanta coisa bela. «Meu Deus, isto deve ter custado uma fortuna.» ─ Ele segredou-lhe: «São duzentos mil, mas já está pago.» ─

No dia seguinte, de manhã, abriram as lojas comerciais e Zara deu um passeio pela baixa e foi ver as montras, vindo a descobrir que o casaco de visão não era verdadeiro; afinal, aquela pele não passava sequer duma pele ─ de coelho bravo. ─ Ela nem quis acreditar e pôs-se a protestar com o lojista que tencionava processá-la por difamação e pedir-lhe uma indemnização. E, dai a uma hora, chateada com aquele mau dia, resolveu entrar numa casa de penhores e foi avaliar o anel de brilhantes. Ali lhe disseram que em vez de brilhantes, tratava-se de «esmeraldas» e valia uns cinquenta e picos contos, mediante pagamento adiantado. «Não é má ideia. Digo que o perdi e meto o dinheiro ao bolso.» ─ Pensou Zara e assim o fez, vindo recheada de notas na carteira.

À beira dessas fajardices todas, eu sou um autêntico homem, percebeu Inglês, que não sabia bem como as coisas se tinham passado e vivia um mundo de salve-se-quem-puder. Na sua agência de trapos, continuava inexplicadamente a tratar as funcionárias como suas almas gémeas, apesar de todos os seus esforços para as não roer, principalmente, às flausinas que lhe batiam com «ele» nos olhos… Lá dentro do escritório era um ser admirado, como a figura dum arrombador de gavetas, o gentleman do mico, o explorador de ingénuas; de um modo geral, um artista da arte e de as comer bem. Nesse período corrigiu-se a si próprio. Mais nenhuma Miss Zara seria capaz de lhe roubar o coração. A título de experiência, contou-lhes a história de Champalimão e do casaco com pele de coelho bravo e do anel que foi para o chaço. Os olhos delas brilhavam e, no fim da história, riram deliciadas; a vigarice paga pela mesma vigarice, dava-lhes vontade de rir. Assim compreendeu Inglês, tinha as funcionárias de outros tempos aplaudidas e soltado gargalhadas ante as proezas de pessoas sem classe e, neste caso, Champalimão, outrora amigo e presentemente inimigo…

«Há pessoas reles e sem categoria.» ─ Exclamou a nova empregada de escritório, rindo com o seu ar provocador, traduzindo uma série de nomes sensacionalistas, enquanto exibia o seu corpo delgado e, como Inglês agora reparava, loucamente apetecível, em várias formas eróticas não muito exageradas. Fazendo beicinho com a maior desfaçatez, sabendo bem que o tinha excitado, acrescentou afectuosamente: «Um beijinho? ─ A colega mais nova não quis ficar atrás e tentou copiar a pose da outra, mas com bastante menos êxito. Desistiu da tentativa, não sem alguma irritação.


Abandonado por aquela que ele considerava ser a sua amiga dos tempos modernos, Champalimão teve, para seu desencanto, notícias desagradáveis que lhe foram bater à porta do pequeno apartamento onde habitava – o berro do recibo da luz – «Trriimm» – a campainha da porta preveniu-o a tempo; mas, antes disso, teve que desligar o rádio e deixar-se estar sereno durante uns bons minutos, até o funcionário dos serviços da luz se retirar. Depois de se certificar que o homem já se tinha ido embora, abriu as portas do quarto e ouviu uma voz que partia de dentro: –


«Quem era?» – Perguntou a sua nova amiga. «Era o vendedor da casa da sorte a ver se eu queria comprar uma lotaria.» – Mentiu ele. A moça saiu do quarto com quase tudo à mostra e tapou meia cara. «Podias ter comprado o 69, é o meu número preferido.» – Champalimão deu-lhe vontade de rir e berrou-lhe: — «És uma desavergonhada, já viste como estás? Vê se te vestes.» – «Oh! Não me fazes a vontade, também não te faço a tua.» ─ Resmungou ela entre dentes, cravando um par de olhos rebeldes nele. Lá no fundo do corredor via-se a moça mostrando tudo de bom aos inquilinos do prédio de frente. – «Quereis, mas não vos dou…» – «O que estás para aí a dizer?» – Perguntou de novo Champalimão. Mas a moça desaparecera para o quarto de banho, – deixando a janela entreaberta; – e pôs-se descontraída a tomar um duche frio.

Champalimão pegou no fato completo e nos sapatos e arranjou-se, desde há muito que mantinha aquele apartamento na zona chique do centro da cidade, para não perder o contacto de gente de bem, queque como se diz na linguagem fina, e tinha boas relações com gentes de todos os níveis, embora fosse acusado por alguns amigos de ser um grande pantomineiro. E escapuliu-se no elevador, deixando a moça a tomar banho, saindo cá para fora afim de resfriar os ânimos. O que seria feito da sua indústria de filmes? Dizem que todo não passou de uma grande manobra e tinha agora um negócio m mão, que os amigos lhe asseguravam óptimos rendimentos: telemóveis e rádios para carros.

Mas continuando:

A notícia no Jornal Dos Traidores do bar do Ratazana dizia que a empresa do Inglês tinha sido estruturada na sua totalidade e virara-se para a exportação, produzindo calças e camisas de caqui, marca: Quemerda, e assinalando o regresso da marca – Mister English. – Agora revelava-se um autêntico self-made-man. É a hora da verdade, escrevia o pasquim: ou ele se atira de cabeça, ou então vai p´ró maneta e aí nunca se sabe o que pode vir a acontecer! A notícia causou grande impacto entre os leitores, mas outras pessoas não fizeram caso, pensando tratar-se duma brincadeira.

«Sabem que eu não sou homem para brincadeiras», ─ disse ele, depois de ler as notícias. – Sempre que me atiro tenho êxito e, se assim não fosse, estava quieto na praia a apanhar sol nas ventas.» ─

A sorte, porém, voltou ao fim de algumas semanas e ele sentiu que a exportação para a Colômbia e Brasil subira o volume das encomendas.

«Aceitei este repto com todo o empenho e com a mais sincera das virtudes», ─ procurar o êxito. ─ «E parece que o estou a conseguir: ─ o lançamento das calças Quemerda. ─

Que calças eram essas? Um tipo de calças destinadas a combater o sol, com refrigeração no seu interior, era uma das novidades do mercado internacional.

«O problema das calças», ─ explicava ele aos amigos. ─ «É se um indivíduo vai para uma pista de baile dançar com uma miúda e põe-se no roço, o calor transforma as calças em água.» ─ Não faltarem risadas aos comentários dele.

«Desculpem a confidência, mas as calças, para quem sofrer de falta de calorias na gaita, é uma maravilha, está sempre no braseiro.» ─
«Uma espécie de calor artificial» ─ Disse um deles.

Quando a notícia se espalhou pelo bar do Ratazana e Champalimão tomou conhecimento, horas mais tarde, ele teve o mais famoso dos risos de troça que alguma vez já teve; um riso que quase o obrigava a mijar pelas calças abaixo. Calças com refrigeração para combater o calor?» ─ riu-se perdidamente. ─ «Aquele homem perdeu o juízo. E então, para as mulheres, que tipo de cuequinha vai arranjar? Para elas têm que ser ao inverso; um ventilador para as pôr em banho-maria!...» «Aquelas idas a Londres puseram-lhe o miolo danificado, de certeza.» ─ Champalimão acalmou-se e passou o lenço pela boca.

«Hoje em dia, ouve-se cada uma, vá lá o diabo lembrar-se destas coisas.» ─
«Também ninguém acredita em bruxas», ─ encorajou-o um amigo, ─ «mas, que as há, isso é uma certeza.»-

O amigo saiu, deixando Champalimão a sós com a ironia daqueles momentos, sem se aperceberem que aquilo lhe dava um prazer fantástico. Mas não há que o censurar por isso, as zangas entre Champalimão e Inglês, é um facto que remontam desde há uns tempos atrás. Manda a verdade que se diga que nenhum dos dois sabe quem começou primeiro e que tem motivos para apontar o dedo ao culpado. Mas o que foi que aconteceu? O seguinte: durante algum tempo foram amicíssimos mas, numa breve discussão por causa de saias e de copos entre eles, pegaram-se e diminuíram a amizade. Inequivocamente, alguns furos abaixo da tabela de 0 a 10, ficaria aí uns três… Seja como for; o oportunismo da reportagem no pasquim veio a revelar-se infundado de algum realismo; pois, alguns dias depois, a imprensa comunicara que a empresa do Inglês tinha sido abordada para apresentar a sua obra-prima: ─ as calças Quemerda ─ e fora alvo duma chacota juntamente com a sua nova secretária no concurso de danças de salão em Genebra. Para que não nos acusem de falta de informação, devemos acrescentar que os bailarinos ─ dentro de umas calças com ventiladores (a delicadeza não nos autoriza que divulguemos pormenores mais concretos), expuseram-se demasiado ao calor, e mais não diremos. O Inglês teria sem dúvida classificado a ideia como «uma grande golpada», não fosse o imprevisto da dança em que se deixou adormecer, ao compasso dos francos suíços.


«Quando um homem vende uma ideia não pode comprá-la de novo. ─ O Inglês não chegara a embolsar francos nenhuns, muito pelo contrário, tivera que se fisgar muito rapidamente pois a comunidade mundial dos bailarinos ansiou por lhe deitar a luva.
«Estava tudo tão real como Lúcifer ser generoso para com Deus. ─ Invocou ele para o seu espírito interior.»

O dois piraram-se de lá muito mansinhos sem grande algazarra e contando algumas aventuras por cá passadas à Menina Jalouneix, que no dia anterior entregara ao casal um pedido de indemnização destinado aos bailarinos, na ordem de um milhar de contos. A menina Jalouneix tinha alguma influência no Departamento do Turismo e os inspectores chegaram tardiamente ao hotel, enquanto o Inglês e a sua secretária já galgavam a fronteira para Portugal. Quero que vocês se lixem. Durante uma temporada nunca mais se falou nas calças de caqui com ventiladores para o sol.

Tuesday, September 4, 2007

CONTOS DE RATAZANA


                        O Guitarrista Caspa e o
                                                           Viola Caguinchas
                           _____________________________



O viola Caguinchas nunca gostou daquele guitarrista, o Caspa, como era apelidado no meio fadista. Uma ocasião, dei com eles a discutir:

«Ouve o que te digo, o tom é si bemol e não mi menor.» ─ Dizia o Caspa. Contrariado, o Caguinchas viria a não aceitar aquele raspanço e não tem outra alternativa senão responder-lhe:
«Não digas asneiras! Eu é que sei qual é o tom.» ─ O Caspa preferiu não responder. Nunca cheguei a entender porque era que eles passavam o tempo do ensaio a discutir.
«Já está melhor assim? ─ interrogava Caguinchas em frente de Caspa. ─ Vê lá se esta combinação de tons não te soa melhor aos ouvidos! ─ O guitarrista esteve quase a zangar-se.
«És teimoso e burro! ─ disse. ─ Só tu é que tens a mania que sabes tudo e depois só fazes cagada em palco.» ─ Agora foi a vez de Caguinchas não lhe dar resposta.

E os momentos mais interessantes eram quando havia espectáculos com os dois a intervir lado a lado no programa. E eles eram promovidos à categoria de estrelas profissionais, conduzindo os outros artistas na programação do show. Na hora de irem embora, depois do programa acabado, eles nunca perdoariam a si próprios senão molhassem a goela com uns bons copos de verde tinto ou branco (não interessava a cor) da região.

«Não acreditas que já toquei dentro de uma pipa de vinho? ─ disse Caspa entornando mais uns copos pela goela abaixo.
«Já estás bêbado! ─ responde Caguinchas limpando a boca à manga do casado. ─ Eu também te podia dizer que já pus uma garrafa de vinho a tocar música!» ─ O guitarrista engasgou-se a beber e a seguir tossiu… e depois respondeu-lhe:
«Olha para ele! ─ disse Caspa com a voz estrangulada. ─ Tu nem com as cordas te safas quanto mais com as garrafas.» ─
«Vamos mas é embora antes que me chateie.» ─ Gritou ele.

E ambos, um pouco grossos, tiraram a rolha de uma garrafa de tintol, maduro, e encheram mais dois copos para a despedida e taparam o gargalo com a palma da mão. E, com a outra mão, pegaram nos copos.

«À partida» ─ bradou o Caguinchas.
«À saída» ─ responde o Caspa.

Lá vão eles para o Fiat Bravo. Caguinchas abre a porta e entra no carro; a seguir entra o Caspa. Dirigem-se para o Norte, mais propriamente dito para o Norte da cidade tripeira. Pela estrada de Famalicão passam junto duma ponte velha. Ao longo do caminho, há juntas de bois a pastar nos campos, e lavradores a cultivar centeio. De repente, ouve-se um estrondo! Caspa mandar parar o carro: «MATASTE A VACA!» -
O carro pára mais à frente e descem ambos. Ficam diante de um campo silvestre, junto de uma lomba, de pé; a brisa do ar refresca-lhes os rostos; Caguinchas põe-se em bicos de pés olhando para cima e para baixo e volta-se para trás:

«Eras tu a sonhar ou quê? ─ diz ele de ar sisudo. ─ Vês alguma vaca?» ─
«Ali abaixo – diz Caspa apontando – eu vi a vaca a voar por cima de nós.» ─ Caguinchas voltou a pôr-se em bicos de pés e olhou pela ravina.
«Ali – volta a dizer Caspa. – O que é que vês?» ─
«Nada – responde Caguinchas desorientado. – Tu deves estar é c´os copos.» ─
«Não é ali, é acolá» – insiste o Caspa e Caguinchas vê o dedo do outro a apontar para o fundo do campo.
«Ali! Acolá! Ali? – pergunta. – O que é que tu viste? Uma vaca a voar pelo ar? Deves estar cá com uma visão como eu ver um elefante andar por baixo das asas de um jacto a voar no espaço…

Caspa, vermelho como um chouriço, dá em filosofar:

«És teimoso como um burro! Eu bem te avisei que tivesses cuidado. Eu vi a vaca voar à minha frente e agora? Foi-se!... Desorientado, Caguinchas berra:
«Vai-te lá comer com a vaca ou com o boi; burro sou eu em estar para aqui armado em elefante a aturar-te.

E correu para o carro. Caspa seguiu atrás dele. Instantes depois, lançou-se ao encontro da estrada, seguindo em marcha mais lenta. Talvez por recear que aquele estoiro de há momentos atrás estivesse relacionado com a história que Caspa referiu, ou talvez porque o outro estivesse mesmo um pouco pingado do álcool. E foi com a visão da vaca a voar no ar que chegou ao local do regresso e deixou ficar Caspa, seguindo depois para casa. Quando desceu, olhou com a vista mais acentuada para a chaparia do carro e viu à frente uma grande amolgadela!... Coisas que acontecem; depois do Caguinchas se deitar no choco, embora tentasse dormir o mais rápido possível, o corpo sentia arrepios de frio. No momento, com os dedos gelados de raiva, ele não suportou durante muito tempo aquelas visões de uma nuvem passageira coberta de uma manada de vacas em perseguição dele pela estrada adiante…

Friday, July 20, 2007

CONTOS DE RATAZANA


A HISTÓRIA DO MORTO-VIVO
                    ~~~




«Tenho boas notícias ─ disse-me Galileu. ─ Queres saber que comprei uma revista e acabei por ser sorteado com um fim-de-semana em Espanha para duas pessoas? O meu problema é que não quero que a patroa saiba; mas é preciso arranjar companhia; não me ajudas? ─
«Não vai ser fácil» ─
«E eu que o diga ─ explica Galileu, ─ não estou com problemas monetários e tu sabes melhor que eu como se trata de arranjar uma companhia dessas.
«Nem pense nisso, ficava-lhe um encargo tremendo e, lá por Espanha, arranja fruta mais barata, em conta, peso e medida.»─
«Não me digas isso!» ─ exclama Galileu que, surpreendido, deixa cair o cigarro ao chão ─ vais ver como me vou desenrascar.» ─

E logo saiu.



Tinha de ser. As amarguras de Galileu apareciam estampadas no seu rosto. Murmurou:

«Estou com azar! ─ não consigo arranjar uma companhia que queira ir comigo para Espanha.» ─
«Eu bem lhe disse que não é fácil ─ disse, compondo a gravata ─ experimente ir falar com aquelas duas amigas que estão ali na sala a conversar.»--

Dirigiu-se a elas e poucos minutos bastaram de conversa para tirar as suas conclusões. Regressou ao balcão de semblante abatido.

«Estas fulanas devem ser malucas, querem-me esfolar como se fosse um cabrito.»


Respondi, cheio de humor.


«Ah! Só agora é que entendeu?» ─ Galileu sorriu: «Realmente só agora é que estou a entender muitas coisas.» ─



O carteiro trouxe o correio. Ao arrecadar as cartas, uma delas chamou-me a atenção. Voltei o envelope e vi a assinatura de Galileu. Abri a missiva…

─ “Já me encontro em Espanha. Encontrei alguém que me encheu as
medidas. A chavala é uma pérola, e talvez dê casamento…”

A carta vinha acompanhada duma foto da chavala. Era realmente uma chavala formosa. Até me custava a crer como aquele nabo teve arrojo para conquistar semelhante borracho.



Tinha vinte e quatro dias para o carpinteiro me fazer um tecto novo no bar. O actual estava mesmo a precisar duma remodelação. Com o meu optimismo habitual, deitei mãos à obra e mandei o homem fazer o trabalho; todos os dias de manhã, acordava mais cedo e ia abrir-lhe a porta; depois entretinha-me pelo café a ler os jornais ou aproveitava o tempo a fazer umas compritas. Naquela época fiz bastantes remodelações no negócio. Senti que era um bem necessário para o engrandecimento da minha obra.

«Tem uma chamada para atender ─ dizia-me o carpinteiro vindo-me chamar ao café ─ fiquei indeciso ─ e sabe quem é que está ao telefone?» ─
«Fala do Jornal “O Comércio do Porto”.» ─ Acrescentou ele.

Mais indeciso fiquei.

«Eu vou atender.» ─ E saí do café. Passado uns minutos, estava com o auscultador na mão a responder à chamada.
«Estou sim! Tenha a vontade de dizer.» ─ Encostado ao banco, a notícia que recebi pôs-me afectado durante uns dias… Segundo o que ouvi da boca do jornalista, Galileu tinha sofrido um acidente mortal juntamente com a sua companheira, em terras de Espanha; recusei-me a dar a notícia à família e passei para o jornalista essa missão. Sentei-me no banco durante uns minutos calado; custava-me a ingerir aquela notícia. Quando saí, fui comprar o jornal do dia e lá vinha a notícia do acidente toda escarrapachada no jornal…

5

Quando mais tarde a notícia circulou pelo bar, os clientes ficaram atarantados com o teor do acontecimento. As moças com quem Galileu falara antes para o acompanhar naquela fatídica viagem; Bochechas e Belga deitaram as mãos à cabeça:

«Olha se tinha ido, a esta hora estava nos anjinhos.» ─ A Belga adiantou num tom mais moderado:
«Foi preciso ter azar, o homem era uma boa pessoa.» ─

Os comentários não paravam à volta do caso. Mais tarde, Baixinho, ao tomar conhecimento da notícia, ficou absorvido pela ansiedade.

«Mas será mesmo verdade?» ─ Respondi:
«Tanto quanto sei, tem ali o jornal para certificar-se da verdade.» ─ Ao que acrescentou Baixinho:
«Ainda ontem estive a falar com ele na mesa; vá lá um homem dizer que está bem.» ─ Engoliu um seco ─ estou como diz o velhinho: o que se leva deste mundo é o que se come, o que se bebe, o que se fode, o resto é pagode.» ─

6

O suspense atrai o suspense; e, apesar da frase trovejante de Baixinho, continuei convencido de que, naquele momento de acontecimento imprevisto, algo se confundia no obscuro da incerteza! Foi um daqueles dias em que eu também me senti atraído por uma força estranha; mas, para me fazer entender melhor, começarei por contar numa tarde igual às outras, uma tarde em que Galileu era a personagem de quem se falava…

7

A sala a abarrotar de clientes que se divertiam com as garotas, falavam sobre os seus atributos íntimos e aquelas palavras bonitas que um homem sabe dizer às pequenas; os membros do Grupo Traidor que procurava criarem um estilo de independência total; alguns habituais ao balcão como de costume; havia também alguns mangoneiros que só sabem desconversar. A atmosfera ia ficando pesada com as discussões e não só:

«Só vos digo uma coisa. Uma pessoa para morrer, basta estar vivo.» ─ Diz Baixinho à plateia que o escutava ao balcão. ─
«Olhava-se para a cara dele, parecia que vendia saúde! ─ E agora o que é que ele vende, Baixinho? Explica lá à gente…» ─ «Baixinho, tu que és um homem inteligente, explica lá!» ─ E o pobre Baixinho, olhando para todos, com algum frenesim:
«Hum! Acho que agora o desgraçado vende o morto!» ─

8

… O ruído do telefone conjugava-se com a balbúrdia da sala: gente a conversar e a discutir; e eu estava de pé no balcão a vê-los conversar, quando ouvi de novo o ruído do telefone e levantei o auscultador:

«Por favor, fale alto, não estou a ouvir nada.» ─ Do outro lado, ouviu-se uma voz esganiçada, que suplantou o ruído:
«Sou eu; o Galileu.» ─ Fiquei com a ponta das orelhas em alerta máxima. Respondi à voz que me escutava:
«Vá para o diabo que o carregue. Que eu saiba o Galileu está morto!» ─ A voz voltou a pronunciar:
«É uma longa história. Dentro de instantes, estou aí para vos contar.» ─

O ruído parou! Mas não interessa adiantar-me aos acontecimentos. O caso do estranho telefonema de Galileu veio alterar o rumo dos acontecimentos. Agora, eu ficara sozinho no balcão. Baixinho estava entretido na máquina Perestroyka a jogar os puzzles. Os clientes do balcão entretinham-se à procura dos corações solitários. Dirigi-me a ele:

«Se lhe dissesse que recebi uma chamada telefónica de Galileu, o que é que pensava?» ─
«À partida, como está sempre na brincadeira, não acreditava.» ─ Disse ele.
«Pois então, prepare-se para acreditar ─ respondi ─ dentro de instantes; a porta vai-se abrir p´ra deixar entrar: o morto-vivo.» ─ Baixinho deu um pulo da cadeira.
«Não me assuste, senão piro-me já daqui.» ─ Murmurou ele.

9

Dirigi-me à sala e falei com as moças que estavam inteiradas do caso… e deu choque. A mão de Bochechas voou no ar:

«Ah! Vire para lá essa boca já estou arrepiada.» ─ A voz da Belga é mais baixa, com um fundo malicioso e as palavras penetram no meu ouvido:
«Já estou a ficar excitada!» ─ Levantei-me e em voz alta comentei:
«Muito bem! Vamos preparar-nos para e festa.» ─ Fiz-lhe uma festa na cabeça e regressei ao balcão. Mantive-me silencioso durante uns minutos; o bastante até a campainha da porta se ouvir; mas agora, era o Rifeiro que entrava no jogo.


«Este agora até me assustou ─ disse Baixinho em voz baixa. ─ Já pensava que era o fantasma.» ─

De novo, ouviu-se a campainha e todos voltaram os rostos para a porta.

10

… E os momentos que se seguiram foram enternecedores, quando da aparição de Galileu na sala… Ouviram-se gritos. O regozijo de alguns espalhava-se na angústia de outros. Os abraços apertam-se cada vez com mais força mas ele nem dá conta disso… Sou também envolvido num abraço de tragédia. Baixinho contorce-se pela sensação estranha e ouço-o dizer:

«Isto é mesmo uma casa de chalados.» ─ Na sala a confusão instala-se. A um canto, o Rifeiro geme:
«Perdoei-lhe a dívida de trinta contos de jogo pensando que ele tinha morrido mas, como ressuscitou, agora, vai ter que me pagar.» ─ Ouviu-se uma voz superior:
«Deixai o homem falar.» ─

Galileu, despertado por este grito macabro, tenta libertar-se do pesadelo e exclama visivelmente comovido:

«Antes de mais, dai-me de beber.» ─ Servi-lhe um uísque duplo no copo. Embutiu uma golada e sentou-se na cadeira. Fez-se silêncio. Alguém resolve tossir naquele instante e logo uma voz se faz ouvir.
«Vai tossir para a rua.» ─ Volta o silêncio a reinar. Galileu está sentado com o cabelo em desalinho, tem na mão o copo da bebida.

11

Inicia a narração:

«Meus amigos, vou contar-vos a aventura mais excitante da minha vida. Naquela noite, ao sair daqui, fui comer uma bucha ao restaurante e lá encontrei uma chavala de sonho, que não se importou mesmo nada de me fazer companhia. Durante a viagem, não reparei que o seu gigolô me foi a perseguir até chegarmos ao destino. Quando chegamos ao apartamento, deixamos as malas e fomos curtir numa discoteca até de madrugada. Antes de nos deitarmos, fizemos um trequibreque (coito) e só depois tomei o calmante da ordem para dormir. De manhã cedo fui acordado, olhei à minha volta e vi a polícia espanhola a revistar-me as malas. Um deles perguntou-me: ─ Usted, como te lhamas? ─ Ainda meio a dormir, levantei-me da cama para ir buscar os documentos. Então reparei que a minha companheira desaparecera e vi que ficara sem documentos, sem dinheiro, sem ouro e, para cúmulo, sem o meu automóvel.

12

De seguida, levaram-me para a esquadra e lá fiquei a saber de tudo o que se tinha passado: ─ Depois deles me terem extorquido todos os meus pertences, os amantes fugiram de abalada para Portugal, só que tiveram azar e foram embater mortalmente contra um camião TIR.» ─ Depois de ter explicado uma parte do seu trajecto, Galileu bebe outro gole e prossegue:

«Quando prestei as declarações na esquadra, fui à casa mortuária, afim de reconhecer os corpos. Aí sim! Recebi um choque, ao dar de caras com a minha patroa! Ela mal me viu, caiu ao chão e desmaiou…» ─ Perante uma borrasca de risadas, até Galileu mudou de tom.
«Quando a patroa reanimou, quis saber toda aquela história; inclusive quem foi comigo na viagem; porém, insisti em dizer que tinha ido sozinho apenas com o intuito de descansar uns dias e, na volta do passeio, fui assaltado e roubado por aquele casal depositado na casa mortuária. Em princípio, a patroa acreditou na história; agora, vamos a ver como ela reage quando ouvir as outras histórias. Vejam bem no que um homem se mete. Pensei gozar um fim-de-semana do outro mundo e, no fim de contas, a aventura saldou-se alucinante e trágica. Do mal, o menos, estou vivo!» ─

13

Ao cabo de uma hora de falatório, Galileu fica exausto e pede mais bebida. A inconstância e a algazarra dos amigos e clientes estavam cada vez mais excitantes com o final da história. Grita uma voz:

«Saia uma salva de palmas para o morto-vivo.» ─ A confusão está no rubro. Alguém exclama:
«Isto só visto, porque contado ninguém acredita.» ─ Baixinho contrapôs:
«Parece fita à americana.» ─ Ouvem-se risos. E o champanhe jorra das garrafas. Era dia de comemoração. Pus o letreiro em frente de uma mesa que dizia: ─ A satisfação não tem limites, quando o objectivo é alcançado.

Thursday, May 24, 2007

CONTOS DE RATAZANA



 O VENDEDOR DE TRAPOS
                        ~~~

Lano, o vendedor de trapos, mais conhecido pelo Cigano, vendia roupa que se fartava para completar a sua vida boémia e ofertava roupas por contactos mais íntimos. Quando entrava no bar, as mais novatas perguntavam às mais velhas coisas sobre o Cigano e ficavam dissuadidas pelos comentários dele em relação às novatas. «Aquela não tem estaleca. Aqui me queres, aqui me tens. E se mão me mexer, ainda acabo por adormecer.» Após ter-se encostado ao balcão, o Cigano dirigiu-se ao empregado:

─ Nunca experimentaste levar um alfinete contigo e picá-las de vez em quando?
─ Acho que todos nós temos uma tara uma vez por outra.
─ Eu conheço bem esse truque ─ disse o Cigano arregalando os olhos. ─ Uma vez, pá, namorava uma cachopa que tinha um par de mamas do tamanho da lua. Um dia, estávamos a namorar, pus-lhe a mão por cima dos ombros e fui-lhe enfiando o alfinete até ao fundo. A gaja, nem um ai, disse…

Pouco tempo depois da chegada das novatas, o Cigano fez uma pausa e pediu ao empregado que levasse à mais nova uma mini-Gancia. Depois foi pela sala com o mostruário da roupa do Verão e sentou-se ao lado da novata.

─ É você a novata do bar ─ perguntou ele.
─ Parece que sim.
─ Mas tinham-me dito que era uma miúda feia e mal amanhada.
─ Está mal informado.
─ E disseram-me que sofria de moleza.
─ Moleza, não, mas serena sim. Informaram-no mal.

Depois destas palavras, ele mostrou-lhe a sua colecção de saias e blusas.

─ Você tem aí uns padrões muito bonitos.
─ Só agora é que sabia? São moda em Paris.
─ É pena você não ter trazido consigo uma amostra.
─ Quem lho disse? Venha ali à minha botique.
─ Onde é a sua botique?
─ Lá fora. Aqui já ao pé da porta.

Ela deu um pulo até à porta e ficou espantada a olhar para a rua.

─ Chama uma botique a uma furgoneta? ─ perguntou ela.
─ Exacto. Deixe de ser tão antiquada.
─ Você agora lixou-me.
─ Espere aí que vou abrir a porta de trás.
─ Como é que vou vestir a saia?
─ De pé. Isto tem altura suficiente.

Arrumou a roupa rapidamente para um lado e mandou a miúda pôr-se a um canto.

─ Ora escolha lá o padrão que quer.
─ Quero ver aquela saia às riscas. É parecida com o pano das barracas da praia da minha terra.
─ Já vi que você tem bom gosto ─ disse o Cigano, fazendo chegar à mão a peça pretendida.

A miúda trocou a saia num relâmpago, sem contudo, o Cigano não deixar de arregalar o olho até trás, perante um par de pernas que fazia a delícia do mais primário dos estilistas.

─ Que tal? ─ perguntou ela.
─ Que tal, o quê? ─ disse ele sem pensar na resposta. ─ Maravilha. Prefere essa? Fica-lhe mesmo canja.
─ Bem, mais ou menos.
─ Você tem um corpo espectacular. Agora tire a blusa e experimente vestir este polo por cima da saia.
─ Não posso. Não trago soutien.
─ E qual é o problema? Já não lhe vi as pernas? Os meus olhos não vêem...


Acabou finalmente por tirar a blusa; quando o olhar cego do Cigano tornou-se visível e reparou que o peito dela era tal e qual como ele o imaginava; afinal não precisava de utilizar o alfinete, murmurou ele para si: «Isto sim. Isto é que são umas mamas!».

─ Que foi? ─ disse a miúda receosa com o estrábico olhar de Cigano.
─ Oh, passou-me aqui um arrepio pela vista. Mas já passou.
─ Veja lá, o que é que tem.
─ Não se preocupe, já passou. Como você é boa pequena, vou-lhe oferecer o polo. Mas não diga nada a ninguém.
─ Muito obrigado.

Começou a tirar o pólo, curvando-se ligeiramente para a frente acabando por esbarrar com o nariz dele, embrulhando-se os dois no chão da furgoneta. A miúda mandou logo vir:

─ Você está louco? Aqui a apalpar-me toda?
─ Que é que quer? Você é que me provocou.
─ Não consegue parar com as mãos?
─ Não consigo, não senhor. Perdi o controlo. Já fui ao médico para engessar-me os dedos.

A miúda e o Cigano passaram aos encontrões e aos apalpões estendidos ao comprido.

─ Você pôs-me tolo.
─ Você é doido ─ disse a miúda irritada. ─ Bem me avisaram lá dentro para eu ler a sua biografia no pasquim do bar.

Ele lançou-se por cima dela.

─ É só um instante ─ disse o Cigano com a respiração a bater no máximo. ─ É só um instante.
─ Pare! Não vê que estamos na rua?
─ Mas eu só quero um instante… ele vem aí!
─ Ele, quem?
─ Ele vem aí… o leiteeeeee…

O Cigano estrebuchou como um comboio a descarrilar e enrolou uma toalha ao pescoço e passou para o banco da frente, que servia agora de casa de banho, para se arranjar e dar um toque pessoal.

─ Não há dúvida que você é uma lasca.
─ Por favor, não olhe para mim e não digo nada. Enerva-me. ─ A miúda deu um arranjo à sua indumentária e afastou-se.

Friday, May 11, 2007

CONTOS DE RATAZANA

                  O VIAGRA
                          ~~~






«Mas que naco de chichinha! Meu Deus! Aquilo é só febrinha…» ─ disse-me o Baixinho naquela noite.
Ele não consegue parar e quer estar com ela de novo. Eu observo-o atrás do balcão. Estamos apenas três pessoas na sala. Eu, ele e Menino Bom. Os ponteiros do relógio aproximam-se das dez e meia da noite. Ele não consegue deixar de palrar. «Podeis duvidar, mas hoje vou explorar aquele corpo no máximo das minhas capacidades, vou gozar a Ucraniana até à quinta pata do camelo!»─


Ninguém podia destruir a sua ideia. Nem o próprio Menino Bom dissuadiu quando disse: «Deixe que lhe diga mas, para uma mulher daquele calibre, um homem só lá vai se enfiar no bucho dois ou três Viagras!»
Ele ficou indeciso a olhar. E daí, eu aproveitei a meter a minha dose de veneno. (Tirei uma caixa de Viagra, escondido no balcão.) «Também não tem problemas, se quiser experimentar um comprimido destes, já pode dançar as valsas que quiser.» Mais grave do que o seu pensamento é o calor que sente por ela. «Deixe cá ver o raio do comprimido e um copo de água.» ─ A água levaria o comprimido a dissolver o seu estômago rapidamente, dando-lhe uma energia capaz de derrotar um leão da Escandinávia! E começa a partir daí, a sua odisseia. A caminhada não era longa e, quer por sim quer por não, resolvi marcar o tempo; passavam poucos minutos das onze da noite e voltei-me para Menino Bom. «Vale uma aposta que nem quinze minutos lhe dou para ele ir abaixo do cavalo?» ─ Ele encolhe os ombros e responde: «Não digo nada, até pode ser, que o comprimido o fortaleça ainda mais.» ─ Ficamos numa expectativa inquietante. Enquanto isso, recordo a Menino Bom como ele gostava voltar das cavalgadas nocturnas cheio de histórias pomposas e aliciantes, naquele oásis ali tão perto da porta. Um lírico, um fantasista mas, acima de tudo, um romântico por natureza este apóstolo do judeu Ratazana. Histórias que lhe fazia brilharem os olhos e depois o deixavam alheado de tudo. Recordo os momentos de excitação que o possuíam como um demónio: a paixão que argumentava quando queria contar as suas fitas à Vasco Santana durante toda a noite se o deixasse, para demonstrar que os bons velhos tempos tinham sido os melhores. Quando Baixinho volta, olha para nós tomado de uma fadiga auto destruidora. É que nem tinha passado os vinte minutos!
«Ponha-me aí de beber antes que me dê o fanico.» ─


Ele não consegue evitar um certo nervosismo quando pega o copo pela mão.

«Então, Baixinho, fez ou não fez efeito?» ─ diz Menino Bom enquanto ele passa o guardanapo pelo rosto suado.
«Se fez? Fez tanto que até larguei o pombo na primeira estocada.» ─ E eu intercedi junto deles: «Mas assim não deu para explorar a mulher?» ─ E Baixinho pôs-se a olhar para mim de lado: «Espera aí, se não me punha a pau que era explorado era eu!» ─ Ele volta a beber um pingo do copo e põe os seus olhos em cima de mim.
«Você e as suas histórias só dão merda! Se não viesse com a porra do medicamento, talvez aguentasse mais um bocado.» ─
«E quem lhe disse que tomou esse medicamento?» ─ Exclamou Menino Bom para ele que fica apalermado a olhar para nós. E concluiu o resto da conversa.
«Sabe que tomou dois grãos de café e água… ─ foi o termo que ele usou ─ mas pelos vistos o medicamento não aprovou.» ─
«É verdade o que estou a ouvir?» ─ grita Baixinho olhando na minha direcção. ─ Foi mais uma das suas brincadeiras?» ─
«Por acaso, não estava a pensar que eu lhe fosse dar um medicamento sem receita médica? Vamos lá que lhe dava o badagaio e, depois, que é que pagava as favas?» ─ Baixinho repreende-me com brandura: «Quantas vezes será preciso dizer-lhe que é um tinhoso e que já estou farto de o aturar? Se não fosse uma pessoa bem-educada mandava-o pró carvalho!»

Wednesday, May 9, 2007

CONTOS DE RATAZANA

─ O BAR DO TRAIDOR ─


O Bar do Traidor não pode ser comparado ao Casino de Espinho ou ao Bar do Twins. Era no entanto um local acessível e limpo com tabuletas bem desenhadas onde se lia O SEU PONTO DE ENCONTRO É DAS 14H ÀS 24H, com uma música seleccionada a sair de um take colocado junto da caixa registadora. Um espaço comprido e largo castanho-claro, iluminado por lâmpadas halogéneas. Um mundo onde os homens e as mulheres abancavam à volta de mesas de madeira, forradas a vidro no tampo, que servia de leitura a muitos dos meus manuscritos, espalhados pelas quinze mesas nas duas salas, bebendo umas bebidas espirituais e outras gasificadas. 



E, todos os dias de tarde, cedo o bar era uma compilação de desejos sem conta e desde logo se enchia da fina-flor dos ociosos de fora da cidade, vendedores, pequenos comerciantes, empresários de maior e menor escala, gente há muito chegada à cidade, com a ambição de dar uma boa troçada, possuir a sua garota, a sua conquista fácil. Porque todas as tardes, às quatro, a sala abarrotava de pequenas vindas à conquista de uma boa cena no Muro dos Prazeres (Pensão). As pequenas saíam então acompanhadas pelos mais bafejados da sorte, o bar esvaziava-se e tornava a recompor-se só depois da hora de jantar.
À hora do café entrava no bar outro tipo de clientes, que lá passavam a tarde debruçados sobre as mesas, entretidos na conversa, bebendo as suas bebidas preferidas, clientes diferentes com outro tipo de carteiras diferentes. Eu sabia tudo o que se passava à minha volta, mas ao princípio da tarde o bar era o ponto de encontro da maioria dos clientes.

Numa mesa central lia-se o dístico: ─ Os bares são o melhor ponto de encontro para as pessoas se conhecerem e avaliarem bem os seus fracassos. ─ Também os provérbios têm os seus significados: Bar é má sina. Pontos de encontro, depende da conjectura e da inspiração das noites, da magia e fracassos, que durante muito tempo considerei o meu código principal da desgraça e do infortúnio… Mas estou a brincar…



CONTOS DE RATAZANA
_____________________

(1)


Meia-noite, mais ou menos. Um homem de chapéu enterrado na nuca vem do fundo da sala e caminha direito à casa de banho; pára, agacha-se para desapertar a portinhola das calças e tira a gaita para fora, pondo-se a mijar para o urinol mas mija para o chão… e, em vez de mijar, põe-se a rir como um desastrado e murmura: «Olha para isto? E volta a mijar fora do urinol!...

Esta está boa! Mas quem, seria o filha da puta que pôs ali aquele letreiro na retrete?... E ele sai cá para fora e diz: «Que lindo serviço! Mijei no chão porque me assustei com aquele reclame que está lá escrito a letras gordas que diz: ─ QUEM MIJAR PARA O CHÃO FICA SEM GAITA!... ─ E o homem de chapéu enterrado na nuca sai para a rua desnorteado, fora de si, a levar na mente aquela tesoura no ar que viu na casa de banho, quase que lhe cortava a gaita!...

(2)

─ A alternadeira tinha acabado de comer uns ovos estrelados com batatas fritas em detrimento de tripas à moda do Porto, visto ser propensa a gazes. No fim do jantar, passou o guardanapo suavemente pelos cantos da boca, e diante de uma colega, fez um resuma da sua aventura por terras francesas com mo seu ex. namorado Joaquinzinho.

Fui louca por aquele homem. Há uns tempos a esta data, fui passar uns dias em segundas núpcias, alugamos uma suite no hotel e durante três dias não saímos do quarto; ─ foi comer, beber e fornicar, ─ somente estas três coisas maravilhosas da vida, que de bom lá passei. (respirou fundo)
Ao fim de três dias bem passados, levantei-me da cama para abrir a janela do quarto, mas as forças eram tão poucas que deixei cair a janela em cima das mãos e desmaiei, caindo para o chão. A colega olhou estupefacta para ela e disse: «Ó mulher, e tu conseguiste estar tantos dias seguidos na cama com um homem? Ela respondeu. ─ «Claro, desde que o homem me agrade…» 

Wednesday, February 14, 2007

Sunday, February 11, 2007

"O Euro"


Guiados pela ratice de Ratazana, abram as gargantas,
verifiquem a adrenalina, e entrem no Bar do Traidor...
se tiverem tomates para isso.

E vão conhecer o melhor contador de histórias
de Portugal: Ratazana

E muito mais...

Das 14h às 24h (excepto feriados e domingos)
Rua António Cândido, 20
4200 - 074
Telefone: 225094588
Porto