Nesta
cidade tudo se resolve. És Chefe de mesa, rapaz. Não podes ter o aspecto da
Padeira de Aljubarrota nem do Zé do Telhado. Esse belo salteador. Deve ser
atraente ser-se assim, ter uma vida atribulada e terra em vez de miolos. Mas
deve ter pensado que não nascera para ser mártir quando acabou deportado
naquela província colonial, em Benguela, com os nativos correndo à volta das
fogueiras, e as silvas esmagadas pelos mocassins dos seus pés, e sem mais nada
que os conformasse além do trepidante e adorável som do batuque, e os seus
próprios guerreiros a rebolarem-se uns contra os outros, com medo que as
fogueiras se apagassem. O seu corpo estava indescritível, escrevem aqui em O Primeiro de Janeiro. E foi naquela
terra de Angola, onde conheceu a sua hora fatal, a última e para sempre. Pobre
salteador, pensou. O fim de todas as suas ilusões. É a única coisa boa que têm
os salteadores. Nunca têm ilusões, excepto más ilusões.
O
Chefe, em Os Rapazes da Noite.
MANUEL
DIAS,
que foi considerado o melhor motorista de todos os condutores que por aí
circulam nas estradas, nesses tempos, ele guiou desde bicicletas, motorizadas, furgonetas,
camionetas de carga, tractores e carros de todas as cilindradas até chegar ao
famoso R.R. (Rollys Royce.) E ainda guiou uma avioneta que sobrevoou Vila Nova
de Gaia sem uma asa. Ele conta esse acidente com grande satisfação: Assim que vi a avioneta sem uma asa, pensei
logo em safar-me e levei o aparelho para a zona do Cabedelo e fui perdendo
altura até embater contra um pescador e, por coincidência, foi o pobre
desgraçado que serviu de asa, acabando por equilibrar a avioneta e, assim,
aterrei na areia sem danos maiores, a não ser o pescador, que fracturou meia
dúzia de costelas e partiu a cabeça.
Extraído do livro,
A Música Que Eu Dou.