Sunday, February 3, 2008

CONTOS DE RATAZANA



                                             O ESTILO PINGA-PINGA
                                                               ~~~


A Raquítica já não quer continuar a foder comigo durante mais tempo. Não preciso de ir à bruxa para saber o que está por detrás disto... O homem a quem ela chama de Padrasto fode-a, eu fodo-a, os clientes fodem-a e ela está farta de ser fodida. Como cuspidela final no seu prato, o Padrasto está a intrometer-se com a sua clientela… e Raquítica é tudo o que há de mais fêmea. O Padrasto quer saber se alguma vez ela foi enrabada mas não vai saber, pelo menos da forma que ele pretende. Evidente que ela merece tudo o que de ruim lhe está a acontecer na sua vida… sempre que a voz profunda da consciência vomita qualquer coisa, lembro-me do que esta cabra nua com ataques de engasgos me fez passar; ajuda-me muito a não ter piedade dela. A única coisa realmente admirável, quando penso no seu caso, é Raquítica nunca me ter dado o nega, antes disto. Uma gaja que é desequilibrada como ela é desequilibrada, devia por bem trazer uma tabuleta ao pescoço: «Pretende-se Relações Banais.»

Após alguns meses de relações com Raquítica, um tipo começa a sentir-se possuído. Que ela tenha conseguido pôr-me algum pó de talco afrodisíaco durante este tempo, é simplesmente outro sintoma do declínio geral do meu prazer. Olhem o Padrasto, por exemplo... já anda com ela à muito tempo e já lhe aconteceram tantas coisas como à maioria das outras pessoas, mas se ele não me tivesse, por curiosidade própria, telefonado hoje, possivelmente eu nunca me teria apercebido do jogo deste cabrão que se desmascarou. Pela parte que me diz respeito, eu também sou culpado por deixar ela ter acesso aos meus números de telefones, até hoje. Bom, não acho que a partir de hoje me vá falar muitas vezes ao telefone... Desconfio que a sua abastada famelga vai decorrer pacatamente, com muitos menos pedidos de ajudas... Ratazana está quase em sobressaltos, pois crê que eu escapei de ficar com a língua cortada à dentada mesmo em frente do meu narigão. É um verdadeiro calafrio... algumas histórias semelhantes a esta por que lhe contaram, deixaram-no neste estado de alerta. Pede-me para acabar com isso. Dê-lhe de enxota, diz, e o Padrasto que vá para o maneta... pelo menos, que não lhe volte a chatear. E, se porventura, voltar a comer Raquítica, quando ela não estiver tão em stress, nem dê mostras de começar com engasgos, então sim, deve valer a pena explorar o esqueleto, sugere ele.

«Que julga?», exclamo eu. «Não acha que ela e eu já temos um jeito pró outro que nos derrubámos? Claro… depois de cair-mos na cama!»

Falar a Raquítica como é que se vai pôr na cama é o mesmo que dizer a um homem que se está a despir se ele já pensou onde é que vai começar a brincar... ela não dá tempo para pensar nisso, nem espera que alguém se oponha a ela. Ocorre-me que o motivo pelo qual o Padrasto agarra no telefone dela, e liga para mim, talvez seja o dele pensar que enquanto tenho a ideia da paternidade, eu não a troco por outra. Olho fixamente a minha imagem no espelho, parecendo muito elucidativa a minha tese sobre a intimidade deles e o Padrasto afigura-se como um ás no baralho. Quanto mais penso, surgem perguntas e mais perguntas. Ratazana é de opinião que a devia despachar rapidamente e já. «Bye, Bye, minha linda», diz. Faz-me uma pequena lista acerca das próximas raparigas que podem vir a seguir. O melhor, declara, será não ter cavalo… só pode ser você… a seguinte com apartamento que se veja quem entra e quem não sai. A melhor das hipóteses, parece, é a que conta realmente, aquela que lhe vai pôr os freios no lugar.

«Porra, o que está para aí a dizer?», digo-lhe, com uma voz ligeiramente enrouquecida. «Trato bem as mulheres de forma que nunca mais me larguem… mas isso não basta. Nenhuma delas me dá garantias que não volta a largar-me, o que me obriga a ter de procurar outra… porra, qualquer dia canso-me por isso.»

Ratazana diz-me para cortar e passar por cima. «Tenho eu aí uma sonsa», diz, «mas a gaja não suporta a ideia de dar beijos na boca. Só há uma maneira de a convencer. Pô-la a beijar de olhos fechados como se fosse beijar o Cristo, ou alguém parecido.»

Não entendi muito bem onde é que ele foi buscar esta ideia, mas quem sou eu para pôr em cheque a ratice do mestre Ratazana. Ratazana faz um arranjo no cabelo com a mão direita. A música vagueia suavemente pelas colunas de som. Está lenta como uma lesma e tem todo o estilo de que vai continuar assim.

«Não é que seja difícil comê-la», explica ele. «Mas carago, acabei de lhe apresentar um marreta para lhe saltar na espinha. Não se pode exigir que faça outro a seguir. Não é?»

Quando Ratazana diz isto, vêem-me à imaginação as mãos de Raquítica apertarem-me o pescoço. Ela ainda mexe comigo e dá-me a sensação que tenta apanhar se lhe ponho os cornos. O pescoço está em polvorosa tensão…

«Não a quero mais…» Raquítica sem o stress é extraordinária lutadora e tem quase conseguido fazer-me sentir que eu sou um homem de outro planeta, durante meses… antes disso… só eu sei quantos estafermos esfolei.

Tem-me feito num oito e atirado ao tapete na pensão combinada com hora marcada, batendo em retirada na sombra do táxi de um amigo, vezes bastantes para dar comigo em permanente vigilância e também desconfiado crónico. Mas agora… ELA vai desistir de me fazer a MIM! Quase que aposto que é bazófia da parte dela… se as prostitutas do abaixa-a-tola tivessem boas gajas, só os sticks que eu dava com a mesada de Raquítica ficava consolado. Podia fazer contas à minha conta secreta durante poucos minutos, sem nunca precisar de uma calculadora. Contas e fodas conseguem fazer com que a minha reforma espelhe o meu ritmo de vida. Mas agora, estas cabras estão demasiadas sugadoras… Dou-lhes tudo e mais alguma coisa e nem assim…

«É o raio de uma vida ao estilo pinga-pinga», comenta Ratazana, maliciosamente. «Ou se metem de mais a chupar ou não fazem um só cabrito. Talvez nós, os profissionais, a devêssemos treinar a arte enquanto estivessem por cá. Treinem, porra, ou mudem de ofício…»

Ratazana acaba por me dizer que não me deixe dominar. Você não pode obrigá-la, mas ela não será beneficiada… pode ficar com a sua vontade, mas não com o seu dinheiro, etc.,etc…

«Se calhar tenho de a paparicar», sugiro.
«Pois, parece-me, mas é que tem de mudar as coisas sem ela… olhe, amigo, já alguma vez alguma recusou o seu lindo dinheiro e depois deu-lhe uma goelinha cheia de diversidade para você se saciar? E depois deu-lhe um passeio cheio de meiguices para mais tarde recordar? Ou pediu-lhe pinturas suas para as vender na Feira dos Pássaros e, quem sabe, enviar algumas para os sem-abrigo no Coração da Cidade? Não, penso que não…»

Sorrio-me instantaneamente. Ratazana solta umas engraçadas piadas… sempre desejou dar-me umas alternativas que acabassem com a alternativa… Tem projectos… e vira-se para mim.

«Ou prefere ser um velho simpático a não foder?», pergunta ele. É muito difícil a Raquítica falar duas comigo.

Mas Ratazana prega-me um discurso a sério… Acredita que eu seja capaz de tudo. E exige mais entusiasmo…

«Io Capito», grito-lhe, «santo Pattrono, você tem cá uma lábia que é um espectáculo! Ah! pensa que eu não sei? Eu é que não pratico…»
«É uma lábia exclusivamente made-in-Ratazana», explica ele. «Já é um habitat, ou coisa assim-assim… mas se lhe enfiar qualquer coisa pelo grelo acima, acaba.»
«É só você para me fazer rir», grito-lhe. «Ela é fixe, se ninguém lhe consumir o juízo... porra, já gastei boa nota com gajas bem piores do que esta…»

Ratazana não se comove com o desabafo. Aparenta um ar malandro e diz que ela só gosta do meu dinheiro… e que está simplesmente a sacar umas coroas…

«Ela não tem de sacar ou deixar de sacar», digo eu. «Só tem é de fazer as coisas bem feitas e dar-me prazer. Não lhe parece?..pensa que ela saca?»

Ele não consegue ouvir-me. Está seguindo para a cozinha fazer a limpeza e a mim está-me a vir o sono, por isso sento-me num sofá e observo o pintassilgo dentro da gaiola do outro lado da sala. Ratazana demora pouco tempo os arrumos. Quando as conversas agradam demasiado para ele e está prestes a pirar-se, olha e recomeça e a primeira coisa que faz é sentar-se também. Se eu continuasse a meter-me com ele, levava outro tempo a ouvir a mesma missa, mas assim que ele repara o meu bico fechado ele também não se manifesta. Sinto-me cansado já de o ouvir…

«Sabe, ela afinal não é parva de todo», diz ele, repentinamente, durante uma paragem na higiene. «Se você viesse a saber muitas coisas dela, era capaz de transformar o seu romance num pesadelo de fugir. Daí que...não se pode queixar, amigo?»

Mas as queixas agora já não me atiçam… talvez eu me tenha convencido de que tudo aquilo não passe de especulação, ou talvez seja verdade eu estar a ser levado ao colo. Olho para o relógio do bar... tem estado a aumentar as horas.

«Deixe-se de merdas e despache-a, está bem?», contesta Ratazana. «Consegue sempre engatar outra, porquê ficar assim espectador todo este tempo…

Ratazana aperta o blusão até cima e põe os braços entrelaçados, como se fosse um caranguejo… O pintassilgo solta um piozinho e depois tudo fica silencioso e calmo. Ratazana está voltado para mim quando me diz para não ser parvo… o que é importante é não lhe dar o número do telefone novo. Senão vai ver que não tem sossego…tem uma praga à sua frente, explica ele.

«Já caí uma vez», digo-lhe. «Mas isso era antes de eu aprender a lição. Agora, ela não me volta a apanhar.»
«Muito bem», diz ele, altamente desconfiado. «Agora vamos cavar daqui, antes que apareça por aí algum vigia…»

Dá-me realmente vontade rir, ouvir o seu dito e depois olhar para a porta para ver se vem alguém. Começo a rir e quando Ratazana me acompanha, o bar fica com uma imagem tão monótona, como nunca vi em bar algum. Ratazana dá-me uma palmada no ombro… E abre a bolsa de cabedal enquanto procura a chave da porta. Depois faz um ligeiro discurso de despedida ao mesmo tempo que enfia a chave na fechadura. Que noite! O céu tapa-se como um lençol negro e mantém as estrelinhas reluzentes até acabar a noite.

«A sua companhia foi um prazer», diz-me Ratazana… «talvez possamos voltar a conversar logo… às onze e meia da noite, talvez?... e quem sabe se não tem uma nova amiga que gostaria de conhecer…