Sunday, October 25, 2009




De
Ratazana
Rua Barão do Corvo, 1042
Vila Nova de Gaia
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V. N. Gaia, 22 de Outubro de 2009
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Exmos. Senhores:




Permitem-me esta minha análise, de sair a terreiro em defesa do meu mestre José Saramago. Como escritor e analfabeto que sou, custa-me não ver a Sociedade dos Escritores nem a Sociedade Portuguesa dos Autores defender o nosso prémio Nobel de Literatura que temos, e que todos os portugueses se podem orgulhar de ver esse prémio ter sido distinguido a um nosso cidadão. Por coincidência, também sou neutro, e como tal, defendo a tese do meu mestre. O meu deus, sou eu. Quando vejo figuras parlamentares, pessoas de peso e padres de galões blasfemarem o meu mestre, revolta-me, porque ele, está acima dessa gente toda, e trouxe prestígio a Portugal.

Por favor! Tratem bem o meu mestre, porque tão cedo não teremos outro igual.
Até me rio, quando dizem que o meu mestre está a fazer publicidade à sua obra de Caim. Quem precisa de publicidade sou eu! Já escrevi 32 livros e não houve uma editora que me aceitasse!...

Analfabetos, onde quer que estejais… guiai-vos por mim…
Cada um de vós sois o vosso deus. Eu guio-vos…

O meu nome é Ratazana.
www.bardotraidor. blogspot.com/

Saturday, October 24, 2009

Friday, October 23, 2009




CONTOS DE RATAZANA
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Buraco Sexual
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Gustavo, o Gugu, do grupo do Bar do Traidor, está sentado quando entro. Tem estado à espera que eu chegue ao bar, diz-me, e fica contente ao saber que eu vinha com a ideia nele. Mas mostra-se mais interessado a respeito da primeira conversa que me recomendou ao ouvido… Não lhe digo que ele vai ter que se chegar à frente com cem euros…

Não há problema por não me ter esquecido de lhe falar no preço. Ele já deve calcular. Já despachou uma gaja da mesa, diz. Afinal de contas, ele não a desejava. Quem ele desejava era a mim, que me tinha visto, na companhia dum cabrito, a ir fazê-lo para a pensão e sente-se injustiçado.

As putas estão a ficar fora de moda, mesmo oferecendo-se aos nossos olhos, oferecendo-se aos nossos próprios olhos, repete. A seguir, faz um dito cínico… é notas o que elas estão à procura oferecendo-se aos nossos olhos… mesmo oferecendo-se aos nossos próprios olhos.

Gugu está pouco gentil, nem um copo paga, julgo que esteja à espera de que eu o desafie. Tem as pernas unidas e trémulas, com o fumo do cigarro a envolvê-lo e, pelos vistos, não planeia sair dali tão cedo. Pergunto se ele se sente bem. Sim, claro, sente-se fino… somente um pouco desgastado… e disfarça a olhar para o meu rabo. Bem, digo-lhe eu, vou-me fazer àquele gajo que não pára de olhar para mim… e é então que uma mão dele se levanta e coloca-se no meio dos meus joelhos.

Poucas vezes o vi tão descarado… Quando senti a força que ele estava a fazer, fui obrigada a agir.

«O que é que tu queres?», perguntei-lhe. Gugu retira a mão e, leva-a na direcção do meu cu e coça-o.

«Só uns doze minutos de prazer e tu nem dás por ela», diz. «Mas agora, Isabel, pela tua saúde, não digas que não, está bem? Sabes como eu sou tarado.»

Puxa o copo de Coca-Cola e bebe um trago de relance.

«Há quanto tempo é que manténs essa cisma?» pergunto-lhe. «Quanto é que me dás? Ofereces-me cem euros e eu dou-te o meu olho.»

Lá vens tu com essa boca suja… devias estar calada e não mandares cá para fora esses palavrões. E, sabe Deus, para te dar cinquenta euros já é bem bom, oferece-me Gugu. E, acrescenta à defesa, eu não te quero só para uma vez… todo darei em duas vezes.

«Mas isto é uma coisa que não passa daqui», continua. «Bolas, só há uma coisa que tu me podes satisfazer… já sabes o meu ponto fraco. Faz-me esse favor e verás que não te vais arrepender. O meu problema é que o meu olho viciou-se pelo teu e agora não à volta a dar.»

Gugu abre as pernas e exibe-me o pau protegido. Para ter a certeza de que eu o sinto bem, puxa-me a mão.

«Se quiseres, podes a levar», atiça-me. «Mas tens que baixar primeiro a parada.»
«Gugu, vai-te tratar meu filho. Vai tu com ela para a cama», respondo-lhe.

Gugu julga que eu não sou de cá. Não está a fazer nada que qualquer outro cliente não o faria, etc., etc. No entanto, já de lá venho e não baixo a minha parada, garanto-lhe. Gugu sente-se pior.

«Merda, Isabel», diz. «Devias ser mais minha amiga. Nunca pensei que um dia me ias fazer isto, deixar-me aqui de pau teso.» Empurra o copo prá frente e encosta-se para trás do sofá. Tira o tabaco e acende um cigarro. «Olha como estou nervoso. Não tens dó de mim? Vais ver o que te vou fazer, quando me vieres cravar pró tabaco. E és tu que ficas a perder.»

Estava a entoar na sala a música da Bunda Brasileira, e ele excitou-se de tal modo que interrompeu a bebida e começou a gaguejar.

«Dou-te mais massa para te comer o rabo», oferece-me ele, «mas só te pago quando fores a segunda vez comigo.»

«A segunda vez!», exclamo. «Queres fazer-me passar nesta idade por burra? Quando eu era ingénua… «Claro que caía à primeira. Mas isso agora não significa que caia à segunda…»

Gugu deixa de me prestar atenção e começa a fazer festas ao pau...

«Estás a ver, pá?», diz Gugu. «É doido pelo cu e pelo gozo que dali tira. O “tusto” nada tem a ver com isto, mas a partir disto, tu só pensas em sacá-lo.»

«Mas, Gugu, quando meteres o teu pénis no meu cozinho fofo, quando eu começar a sacudir-me de um lado para o outro contra o teu… podes crer, não te vais gaguejar com nada que não tenhas experimentado.»

«Não me fodas», protestou de repente ele. «Deixas ou não deixas?»

«Se pagares deixo mesmo, Gugu… deixo mesmo, como te disse. Mas já sabes, não saio daqui sem os meus cem euros.

«Não quero mais conversas, Isabel. De qualquer modo, o que vou fazer quando sair daqui é tocar uma à mão, dá-me também gozo! E nem preciso que abras as pernas. Só preciso concentrar-me no teu cu…»

«O quê? O que é que disseste? Concentrar-me no meu cu?» Gugu fica muito estático. «Não me lixes, tu és velho demais para usar a mão, não és? O que eu acho, Gugu, é que tens de ter um buraco para gozares, não é?»

«Uma porra, é que eu tenho de ter um buraco para gozar. Quer dizer que tu também não gozas quanto te encabam?

«Não brinques, Gugu. Se queres saber, não sou como aquelas que to dão, ou sou? Gaita, tu nem vais acreditar se eu te disser que nenhum dos gajos que me comeu me pediu o rabo, juro pelo meu padrasto! E não foram poucos. Só clientes do Bar do Traidor.

Está para ali todo esticado, com a coisa dura que nem um bacalhau. E não pára de discutir comigo a possibilidade de eu fiar. Mas eu já estou cansada de o ouvir falar… quer me comer, diz, e se eu não lhe der o botão de rosa, ele nunca mais me vem visitar.

Eu então esfrego-lhe com o meu botão de rosa de trintona um pouco sobre ele e a seguir dou-lhe dois abanões à gaita com uma força que lhe deviam ter feito saltar os tomates.

«Ora goza, lá», digo-lhe. «Estás a ver o tempo que estás aqui a perder quando podias já estar a vir-te. Já viste isso? E tudo por tua culpa. Tudo o que tens a fazer é puxar do ter cartão American Express cá para fora, e a partir daí, já podes matar a tua cisma.

Apalpa-me as nádegas e quase me tira a camisa para fora das calças de ganga e eu vejo em pensamento os seus gemidos a soltarem-se…

Sinto-me realmente virada para outro lado. Estou em pior forma que Gugu e o aspecto dele não é propriamente uma flor.

Quanto ao cliente que me está a fazer olhinhos, dá-me a impressão de que é um bom cabrito. Agora, faz sinais se eu quero ir para a cama com ele, já!

Digo ao Gugu que hoje não estou interessada em fiados… fica para outro dia, talvez, mas mesmo assim não me quer deixar sair da mesa. Se o deixar enrolar, vou ver-me aflita para me pirar dele.

Então quando me vê resistir ao crédito mal parado do tempo longo sem juros, convence-se finalmente de que estou a falar a sério. Bom, diz, então fica para outra vez… Mas depois digo quando te virei procurar… vais ficar à minha espera…





FIM

Wednesday, October 7, 2009





                                                                  RATAZANA

                                                                     _______



− RATAZANA, PSEUDÓNIMO DA NOITE, transformou um dos seus sonhos de adolescente em toda aquela obra fantástica – disse Lucinda Encarnação, conhecida na noite por Nani, colega e amiga de Ratazana.


Esse adolescente, Ratazana, nasceu uns anos após a II Guerra Mundial e cresceu no período da ditadura. Traria para o palco da noite a sua criatividade e a sua inteligência pessoais, modeladas por uma época que apenas podemos visualizara em fotos destorcidas e semi-apagadas de imagens. Ratazana contou-me que veio ao mundo num mês primaveril a um dia de segunda-feira, por volta das sete da tarde, «porque esse tinha sido um dos poucos meses em que a sua mãe não ouvia novelas radiofónicas. A taberna da família ainda existe, em Vila Nova de Gaia, no centro das Devesas, próximo da estação ferroviária local.

− Contaram-me que, em pequeno, e enquanto miúdo da escola, muito corri – disse Ratazana. – Mesmo nesse tempo, era a favor de desgastes de energias. Sempre corri para me livrar das chibatadas de meu pai em público, por causa das patifarias que eu lhe pregara.

«Como era muito mais rebelde do que os outros meus três irmãos, não se interessaram muito para o que eu fizesse enquanto eu crescia. Por isso, tinha-me a mim próprio quase inteiramente para mim. E usei a minha liberdade para fazer macacadas e ver o tempo a correr, em frente à taberna do meu pai.» Muito cedo, o rapaz Ratazana sentiu-se fascinado pela banda desenhada, então constituída sobretudo por livros usados para revenda. – Havia um forte cheiro à imaginação. Na verdade, pode dizer-se que havia um fascínio intenso. Também havia muita emoção, do aventureiríssimo dos protagonistas e das histórias contadas. Penso que foi assim que começou o seu interesse de toda a vida pelas aventuras.


«Em rapaz, sabia que queria aventurar-me, logo que chegasse a hora. Quando se tem a sorte de poder aventurar quando se é jovem, tudo quanto lemos torna-se uma parte de nós, que podemos recordar durante toda a vida.» No princípio dos anos sessenta, os livros usados para revenda foram substituídos por lições de viola. – Lembro-me dos seus acordes e dos trinados das cordas de nylon, antes de serem transformados em solos, de passarem de um tom para outro, levando rapidamente os tocadores para músicas que só podia imaginar. E a taberna cheirava a música.
«Quanto tinha para aí treze anos, fiz a minha primeira aparição numa rádio local a cantar Ai Jalispo, uma coisa que o meu pai considerou merecedora de uma prenda. Ainda me lembro qual foi o mês, Setembro, mas, o dia escapou da minha memória.
«O meu pai mandou-me ir ao quarto, sem correrias. Avancei pelos degraus das escadas com serenidade, até abrir a porta do quarto, onde estava por cima das roupas, uma viola braguesa em segunda mão mas que provavelmente me pareceu nova. ´É isto que me fazia falta`, disse para mim.
«Nunca me separei daquele instrumento. Desde então, tive todo o empenho para aprender a ler a escala. Nunca faltei aos ensaios, nem sequer nos dias de jogar à bola com os outros rapazes da rua, porque queria evoluir bastante.
«Ainda me parece ouvir o lamiré do professor-guitarrista, depois de eu ter tirado o instrumento da saca.
«Sempre disse à minha mãe que queria ser um rapaz artista quando fosse grande. Na verdade, os artistas sempre me atraíram, e o artista cantor era o mais atraente de todos. Talvez isso se deva ao meu cinema de infância ou talvez seja porque os artistas cantores foram os primeiros que vi, quando era miúdo e, por isso, me pareciam mais artistas do que os outros. Acho que parecem mais coquetes por serem tão bem-comportados, com todas aquelas boas performances!»

A família Abraão era trabalhadora, um dado adquirido desde muito pequenos. – O facto de ser sermos trabalhadores significava que éramos cumpridores – disse Ratazana. A colocação dos porcos abertos ao meio da semana e pendurados ao comprido nos ganchos em cima do tecto da loja impressionava o pequeno Ratazana que, mais tarde, viria a confessar-se de ter dó do bicho. A sua mãe era natural de Miragaia, no Porto. O seu pai descendia de uma família de agricultores em Vale de Cambra. Abraão de Almeida vendia carnes de porco a retalho, mercearias e vinho de pipa ao copo na taberna das Devesas, em Vila Nova de Gaia. – Quando estava a organizar o Concurso de Sextas-Feiras, no bar − recorda Ratazana – veio ter comigo um homem maduro que disse que conhecia o meu pai, do tempo em que ele negociava porcos para a matança no Matadouro Municipal de Vila Nova de Gaia.

«Os meus pais achavam que eu tinha mais queda para trabalhar no balcão, do que os outros meus irmãos. Talvez tenha revelado ao meu pai uma certa inclinação pelo seu negócio e interesse em seguir as suas pisadas. Conseguia muito bem entender por que motivo um osso de porco rapado fazia jeito ao meu pai.
«Apesar de meu pai conseguir ganhar a vida razoável-mente como negociante de carnes, mercearias e vinhos, lidar com presumíveis bebedores contribuía para um certo receio de insegurança na nossa família. O meu pai era activista por natureza mas o seu trabalho colocava-o na posição de pacifista.

De todo o modo, não é muito diferente da minha própria actividade. Embora por natureza, não seja um ordenador, a aventura que escolhi como o trabalho da minha vida colocou-me numa posição não muito diferente da do meu pai… um pacifista com bebedores. Mas, na nossa família, nunca ninguém passou traça. É a vantagem de ser-se filho de um negociante de carnes de porco e mercearias. «A minha mãe era boa cozinheira e chegava a fazer mais de cinquenta refeições diárias. Era o seu trabalho a todo o tempo, e ainda sobrava tempo para deitar uma olhadela à loja, quando o meu pai ia às compras. Não me lembro de alguma vez chegar a casa e não a encontrar lá. «O nosso prédio onde vivíamos tinha mais de noventa anos e pertencia a uma família abastada de republicanos. Embora não fosse uma casa nova, a minha mãe era escrupulosa na limpeza e higiene. Usava um médio avental às cores que cobria o vestido menos as pernas. Nunca saía de casa sem se apresentar o melhor possível: asseada, vistosa, o vestido de bolas, os sapatos engraxados, uma mala pequena, os cordões de ouro a enfeitar o peito e uns trocos no porta-moedas, sempre para um remedei-o. Sempre admirei as pessoas que trazem trocos.

«Não era mulher de queixumes. Nunca a ouvi queixar-se. Também não era dada a meter-se na vida alheia. Nunca a ouvi dizer mal de ninguém. Só se preocupava com a família. As amigas que lhe apareciam lá na loja, não eram muitas, mas eram boas companhias. «O meu pai gostava de desmanchar o porco e trazer a carne que a minha mãe lhe pedia para a cozinha. Por isso, a nossa cozinha tinha sempre as mais variadas miudezas do animal. Lembro-me de meu pai ir trabalhar de grande bata bege que cobria tudo menos os socos de madeira calçados nos pés. Nunca o vi com a barba por fazer ou cabelo despenteado. Não era por causa do porco. Era por causa do respeito por si mesmo. «Muito cedo, alguns clientes gostavam de gozar do aspecto do porco pendurado no gancho e um deles chamou o meu pai a atenção. Eu ouvi o que ele disse.

− Ó, Abraão! Tens cabeça de porco? – Perguntou-lhe, mas o meu pai não lhe respondeu. Respondeu-lhe o outro.
− Então, ronca! – E cavou depressa, levando com um osso atrás das costas, com o pequeno.

«Os meus pais gostavam muito dos passeios domingueiros e levavam-nos com eles, sempre que era possível desfazer-se dos seus afazeres secundários. Nunca me esqueci das visitas ao Palácio de Cristal, dos pássaros nas gaiolas, do leão dentro da sua jaula, de vez em quando, dando o seu grito tenebroso. O passeio era sempre acompanhado por um farnel que a minha mãe trazia numa saca, com bolinhos de bacalhau, pão e sumo, para aquecer os nossos estômagos.» «Quando eu era adolescente «levei uma vida exterior muito viva. Os outros rapazes julgavam os outros pela sua vida interior. Posso não ter sido disciplinado mas era bem atinado.» 


Ratazana acrescentou que não participara em jogos e passatempos que considerava uma perda de tempo. Nesses primeiros tempos, a viola foi a sua melhor prenda e melhor companhia.


− A minha viola estava sempre ao meu alcance e eu andava com ela por todo o lado, como um bem adquirido, o que é uma coisa boa para um adolescente. Sentia que era a minha aliança.

«Eu era um rapaz popular e, por isso, era obrigado a estender a minha imaginação e penso que isso me ajudou a de-senvolver os recursos criativos. Não preciso de muita ajuda do lado interior. Além disso, o meu trabalho trouxe-me uma espécie de apreciação, pode mesmo dizer-se de amor, que nunca esperei. Talvez isso tenha tornado tudo mais belo, a branco em cima do escuro.
«O meu verdadeiro eu, é uma pessoa muito simples, tal como tem a ver com o aspecto publico. O homem não é muito diferente do rapaz. Quem queira entender-me tem de aceitar que sou deveras simples, como toda a vida fui. Quando se é assim em novo, é raro mudarmos. E eu continuo a ser o mesmo. Quando era adolescente, soltava-me na companhia da minha viola e da minha.» Uma paixão de rapaz a que pôde dedicar-se nas horas vagas foi armazenar tudo quanto tinha a ver com programas, especialmente programas de espectáculos e fotografias. – A minha colecção de panfletos, medalhas, cassetes e discos estavam rigorosamente guardadas. Gostava de ver cada coisa em seus devidos lugares e em perfeitas condições. Ratazana sonhava a tocar por todos aqueles palcos e, mais tarde, foi mesmo o que fez. O seu percurso estendeu-se a outros locais. – Nunca tinha actuado no Casino de Espinho − contou-me. – Mas, a primeira vez que pisei o palco do casino, senti que podia ir tocar a qualquer palco do mundo, porque tinha dominado a pressão. De pequeno Ratazana era tratado por Zé, na tropa por Almeida e Mambo e na vida civil por Fernando e, bem mais tarde, começou a ser conhecido por «Ratazana» pelos colegas do ofício, embora às mulheres a quem era apresentado, gostasse de dizer: − Pode chamar-me Rato, sem Ratazana!


− A minha infância não foi uma infância fácil, mas também não foi difícil. Nessa época não tinha uma noção muito diferente do que era harmonia. Tinha mais consciência do que estava certo ou errado.

Ver filmes e ler eram umas das actividades preferidas de Ratazana durante a infância e os filmes e os livros continuaram a influenciá-lo durante toda a vida. – Fui influenciado por Charlie Chaplin, Westerns e pelos argumentistas que criaram as personagens da BD. Travei conhecimento com vários artistas e músicos já qualificados quando era muito novo. O meu filme preferido de Chaplin foi Tempos Modernos. No mundo de Charlot dar oportunidade a alguém era um milagre, um caso que também vivi. Mesma nas histórias fictícias é importante não subestimar os outros. Os talentosos não podem ser deitados ao caixote dos papéis. Iniciando-se a trabalhar aos onze anos, altura em que completou a quarta classe, o jovem Ratazana foi o último dos irmãos a trabalhar por fora. A família Abraão vivia o suficiente mas havia sempre uma preocupação manifesta de amealhar o dinheiro que sobrava ao fundo da gaveta do apuro em latas, que a minha mãe me tentava fazer entender – guarda do riso p´rá chora. – Só mais tarde me apercebi da grande lição que a minha mãe me estava a querer ensinar a poupar.

«Sempre gostei de cantar e tocar viola e alinhei num conjunto de música popular de Vila Nova de Gaia. Lá, surgiu a oportunidade de actuar em clubes e arraiais e achei os arraiais maravilhosos.»

Ratazana foi tocar para o Conjunto Regional Realidade, convidado para tocar viola de acompanhamento. Conseguiu mostrar-se porque sabia alguma coisa de composição e, porque durante o tempo da aprendizagem, praticara a arte de solar. Não tardou a cansar-se das marchas e das valsas e começou a reunir outros elementos, onde viria a formar o conjunto, Os Mambos, de ritmos sul-americanos. O seu trabalho foi apreciado e inscreveu o conjunto no I Festival de Música Portuguesa. A indumentária original do agrupamento apropriado às suas raízes musicais, ajudou a receber do júri do festival, o prémio para o melhor conjunto original apresentado. Ratazana queria elevar o grupo a voo mais altos, embora os outros elementos não partilhassem as suas ideias. – Tinham demasiados problemas com os empregos. Pior ainda: as mulheres andavam sempre atrás deles, quando souberam que eu queria levá-los para fora. Decidiu incorporar-se no serviço militar para combater na Guerra do Ultramar e aderiu ao corpo de voluntários da 11.ª Companhia de Comandos, mal fez as provas, foi imediatamente incorporado. Foi para Angola, o que representou para si uma grande aventura.


− Foi realmente uma aventura longa. A minha curiosidade foi saciada e acho que razoavelmente gostaram do meu con-tributo. Sou um pau para toda a obra. Sempre fui prestável mas julgo que pensaram que servi com brio e zelo o meu posto.»

Aderiu ao grupo de guitarristas, violistas e fadistas que frequentavam o Café Tropical no Porto, que tinham trabalho e que procuravam iniciadores para programas extras.

− Desde a infância que me sentia profundamente agarrado pelo cinema e pela música. Profundamente agarrado. Os filmes e a música eram a minha paixão. Tal como a canção que tornou famoso Marco Paulo Eu Tenho Dois Amores, eu também tinha dois amores. Lia e via tudo que era magazine do ramo.

Em 1972, Ratazana relacionou-se nas mesas do café com várias pessoas enquanto parava no Café Tropical. − Alguém, que me conhecia, que sabia que eu andava à procura de um parceiro para tocarmos juntos. Na verdade, na altura, a ideia era começar um projecto novo, e felizmente tive essa oportunidade para me aventurar. Foi numa altura em que aquilo que não sabia era tão ou mais importante do que aquilo que sabia. Fomos a correr buscar os instrumentos, uma consagrada figura fadista ensaiou-nos e, ficamos a tocar numa confeitaria de Cimo de Vila até muito tarde durante várias semanas, coisa que sempre gramei fazer – disse Ratazana. Eu tinha vinte e três anos.

«Foi bastante bom conhecer Rufino Manuel, porque me ajudou a construir o duo musical Os 2 do Norte. Era muitíssimo bom na primeira voz. Quando concluímos o nosso repertório, contactámos um primo do Rufino, dono de um night-club, a pedir uma actuação, eu até lhe disse: ´Nós até tocamos de graça`. O meu entusiasmo foi notório. O nosso repertório, que sabia ser razoável, foi elogiado e, por aquilo que disseram de nós, o dono ofereceu-nos três meses de espectáculos. Assim, a nossa primeira actuação no mundo nocturno foi na Boite Roma, um night-club em ascensão na cidade do Porto.»

Entre 1972 e 1973, o duo actuou em festas e clubes, até desligar-me do Rufino por motivos pessoais e enveredei por uma carreira a solo, ao mesmo tempo que desempenhava outras tarefas. – Era o novo empregado de sala a tocar viola e cantar e fazer acompanhamento à artista de striptease que acabava o programa. Fazia qualquer tarefa que fosse preciso fazer na sala, fazendo por vezes o trabalho do balcão, na copa a lavar copos e o serviço do porteiro, na folga do titular. Sentia-me muito feliz no meu trabalho. «Naquela época, as camareiras da noite eram todas mulheres maduras e foi com elas que aprendi o vocabulário próprio. Nessa época, as mulheres maduras tinham muitas chances de trabalhar na boémia. Esse tipo de trabalho andar ao copo era considerado apropriado para as mulheres maduras, tal como a limpeza. Quando as novas casas começaram a aparecer, essas camareiras passaram as ser menos procuradas, essas funções passaram a ser facilmente acessíveis às raparigas novas.» . Em 1973, encorajado com o ambiente nocturno, Ratazana optou pela sua adaptação no métier, seguindo as pisadas dos colegas, e candidatou-se a trabalhar na nova casa a estrear e, foi contratado. Durante este período, Ratazana acumulou a funções de chefe de mesa, e o facto de ter trabalhado com bons profissionais, toda a gente o levava muito a sério. A eles se juntou e, aos poucos, Ratazana exibia o sorriso, que queria ser boss.

− Nos meus primeiros meses, pratiquei a técnica nas mesas, baseadas nos contos das camareiras até passar por outras casas evoluindo como barman – contou Ratazana. – Quando apareceu o negócio de António Cândido, convidaram-me a tomar conta do estabelecimento. Depois, do negócio realizado, em reflexão com as paredes, perguntei a mim próprio: ´E quem vai emprestar o dinheiro para as obras?´ Respondi-me que podia fazê-lo.

«Tinha um amigo na noite, que era como se fosse meu pai, que ia ser o financiador da obra para eu prosseguir com o meu projecto. Só me pediu uma estimativa. Eu disse que me encarregava do projecto de obras, que comprava os materiais, etc. Chamava-se Oliveirinha. Confiou em mim e fiz alguns esboços para lhe mostrar. E assim passei a ser também um boss da noite.»

Ratazana designou para o seu bar um nome moderno e atractivo com toque inglês que começara a funcionar no dia 3 de Outubro de 1980. Chamava-se Club Lord.