FERNANDO ABRAÃO
E RATAZANA
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O
MUNDO
DA
NOITE
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A casa de massagens de meninas, na Rua
de Júlio Dinis, tornou-se um local de venda de sexo a homens de negócios,
doutores, engenheiros e empresários influentes, e nos primeiros anos o negócio
foi próspero. Duas personagens de lá foram apresentadas a Ratazana no Verão de
2005, numa festa dada por O Bar do Traidor, em António Cândido. A principiante
«Mona» nasceu para ser prostituta. Era filha de uma família modesta, de
ascendência tripeira. No bar, foi-lhe posto a alcunha de Fuzeta (mas era
conhecida por alguns amigos também por «Mona». Vivia com a família num bairro
camarário, na cidade do Porto. «Mona», tornou-se a mais popular elemento da
casa de massagens, pretendida não só no Grande Porto, mas por todas as casas de
massagens espalhadas por toda a parte, pelos clientes sedentos de prazer que
lhe davam os mais rasgados elogios. Durante o início de atividade, a jovem
«Mona» mudou-se para o bar; em Novembro de 1990, prestou serviço no
Grupo dos Traidores (e prestou também serviço na casa de Júlio Dinis). Em 1991,
«Mona» criou amizade com a vizinha e amiga Andreia, também conhecida dela, que
conheceu Ratazana numa noite de discoteca no Shopping Dallas. O grupo de
raparigas era composto por mais de uma dúzia de jovens que se dedicavam ao
engate e à prostituição. Algumas do grupo apaixonaram-se algumas vezes antes
dos vinte anos, e em todas as ocasiões pelo homem da outra. A primeira foi
«Mona», com o bailarino brasileiro da dança da Lambada, durante um espetáculo lordesco, em Entre-os-Rios, mas terminou
pouco tempo depois. «Mona» tinha uma opinião simples em relação com o bailarino
brasileiro, dizendo mais tarde; «Deus da terra, era o que me faltava agora ter
de sustentar um homem! Ou mesmo que quisesse.» A segunda a apaixonar-se, foi
Andreia pelo magnata. Era um magnata que toda a gente o chamava por Toninho, membro do Grupo dos Traidores.
Conhecia o magnata há mais de oito dias, quando este deu uma boleia ao grupo
até ao bairro, quando vinham de uma festa no bar do Ratazana no final da festa.
Em breve, o magnata se tornou visita habitual da casa de Júlio Dinis e, em
Dezembro de 2006 no “Natal do Traidor”, convidou as raparigas para se juntar a
ele e alguns amigos em Leça da Palmeira, na sua vivenda junto ao mar. Estava a
cavar o Verão, quando Andreia partiu para Lisboa, seguindo consigo a sua amiga
Russa para fazer uma experiência nos bares noturnos na capital, e deixou a sua
amiga «Mona», ao cuidado dos seus amigos íntimos enquanto estava ausente. Na
altura em que regressou ao Porto, antes de o Inverno chegar, Andreia
apaixonou-se por um rapaz do bairro e deram o nó, mas o matrimónio só durou
dois anos. O seu regresso ao palco traidor, deu-se aproximadamente na mesma
altura que O Bar do Traidor aparecia cada vez mais uma cara nova a frequentar.
Uma reportagem de O Jornal Dos Traidores,
citava um artigo sobre este assunto: «No espaço de meses viu-se mais novas
raparigas e um enorme entusiasmo do que no total dos treze anos anteriores. Até
agora... não há dúvida de que as novatas deram mais protagonismos ao bar e à magia
do traidor do que tiraram.» Em Fevereiro de 2007, o grupo de clientes
denominado «Andor», que significava na gíria traidora “Enxota-daqui”,
encabeçado por Caracol, convidou as raparigas para fazer um forrobodó com ele e
os amigos na pensão. Do bar, o grupo de Caracol saiu no Saab, pertencente a Mussolini (membro do grupo) convidou Comprida
para uma danceteria em Matosinhos, durante umas horas. Mais tarde, nas próprias
palavras da Comprida, foi nesta viagem que a sua relação com o Caracol
«...atravessou a linha que marca a fronteira entre a cabritada e o prazer.» Uma
semana depois, no bar, ele deu-lhe um conjunto de lingerie e um cão pastor alemão, que iria ser vendido para comprar
droga para o seu novo amor. O grupo Andor fazia permanência duas a três vezes
por semana no bar, e em todas as vezes, as raparigas foram sempre convidadas a
irem com eles, ora para jantarem, ora para saírem. Alguns comentadores, como o
seu conterrâneo e amigo Detetive, defenderam sempre que o cliente-traidor
quando viesse ao bar, era livre para sair com quem quisesse, dentro das regras
do Código Traidor. Depois de tudo isso, havia ainda um problema maior a
transpor, que era o de algum cliente ir contar coisinhas para a terra. Um amigo
íntimo que estava presente na altura, a convite do Grupo Andor, num encontro
entre os elementos do grupo. Contou que Comprida perguntou ao Caracol: «Tu és
meu amigo? Pretendes que eu deixe o meu namorado de cor negra?» E o Caracol
respondeu: «Pensas realmente que vou ser o otário com o preto a teu lado?»
Sobre este caso, dizem os comentadores; «A coisa estava preta. E assim ficou.»
A 9 de Setembro de 2005, Joaquim, o
Gravatinhas, como era conhecido, proprietário da poderosa fábrica das “Gravatas Jota” soube que a divorciada
Andreia ia tomar um drinque ao bar. Logo a seguir telefonou ao barman, dizendo-lhe que pretendia falar
com ela sobre se aceitaria beber um drinque consigo. Mais tarde, Andreia
aceitou e, encontrou-se com o Gravatinhas, que lhe fez uma proposta, a troco de
uma mesada credível, ter relações sexuais duas vezes por semana com ela. A
resposta de Andreia que já tinha pensado nisso e que estava disposta a aceitar,
para nivelar a sua vida. Por estas alturas já o boato se tinha espalhado por O
Bar do Traidor. Os clientes do bar, impacientes por conhecer Andreia, estavam a
ficar cada vez mais preocupados com a lista de candidatos a aumentar dia-a-dia.
Mussolini, que tinha ficado apanhado pela sedução de Andreia, sempre que
apanhava uma abébia, convidava a ela a vir ter com ele. E se não pudesse vir ao
bar, ele iria busca-la a qualquer sítio, onde ela se encontrasse. Contudo,
quando Mussolini recebeu, a meio da tarde, um telefonema de Andreia que lhe
disse: «A divorciada Andreia... prefere a mensalidade certa a qualquer outra
solução...», compreendeu que o engate estava perdido. Enquanto os membros
traidores se entretinham com as novas caras, onde umas arrastavam outras, cada
vez mais surgiam novidades no panorama traidor. A 3 de Dezembro desse ano, o barman do bar disse claramente no balcão que havia
duas jovens irmãs, Sandra e Patrícia, para apresentar aos clientes traidores.
Quando Caracol e Mussolini souberam da notícia disseram a Fernando, o dono do
bar: «O nosso entusiasmo não vai faltar.» Logo nesse dia, o próprio Caracol foi
o primeiro a chegar ao bar e a chamá-las para a mesa. Quando apareceu o
Mussolini, ansioso para não perder a embalagem, disse simplesmente: «Deixai-vos
estar, que estais bem. Mas ide-vos preparar para a excursão!» Pouco tempo
depois, o empregado trazia a conta à mesa. Antes de saírem, Sandra pediu a
Caracol que as recambiasse de volta ao bairro, antes da meia-noite. Caracol
prometeu que sim, mas quando se lembrou, já foi tarde. Mussolini afirmou na
despedida, que se alguém lhes batesse, teria depois de se a ver com ele.
Contudo, como medida de precaução, deixou-as à porta da entrada do bairro. Foi
um programa e um momento frenéticos e escaldantes, e os seus comentários foram
ouvidos por quem os quis ouvir. Os maus-olhados Titi e Piú-Piú descreveram a
cena a conta-gotas no pasquim da semana: «Dentro de O Bar do Traidor, os
clientes da rapidinha puseram-se a beber de pé ao balcão e fixaram os olhos na
porta da sala. Todo o cliente que procurava uma rapidinha ficou a aguardar
durante um bocado. Os homens ansiavam. Nunca houvera nada tão ridículo: umas
raparigas — umas raparigas de bairro! — alimentar o esplendor traidor
unicamente por borgas e passeios...»
Joel tem uma sorte simplesmente
admirável, especialmente quando o seu poder sedutor entra em ação... se as
conquistas espantosas que lhe acontecem não se passassem em frente dos seus
amigos, estes poderiam atribuí-las a uma imaginação ativa como se soubessem
delas por outras vias. Ir tomar um copo com Joel é como pedir a uma cigana para
nos ler a sina e se depararmos com uma equipa de raparigas a dançar debaixo dum
embandeiro, o facto deve ser encarado como perfeitamente natural. Contudo o
próprio Joel tem alturas em que as coisas também não lhe correm bem. Durante
uma época Joel teve uma pega para se entreter, cem por cento típica carioca,
genuína... Estava na Casa das Massagens a fazer os clientes a largarem o
pombo... o tradicional babado da praxe, e Joel diz que a maior parte dos seus
engates derivam dos anúncios dos jornais. Joel conheceu a pega num engate ao
acaso, e jura que uma noite se emborrachou e lhe fez uma inspeção à pintelheira
com uma lupa e uma lanterna. Uma pega querida, disse, também, mas o problema é
que não se conseguia esquecer de que ela era pega e Joel morava numa zona onde
a única pega boa é uma pega que arma escândalo todas as semanas, e temia que
uma santa noite ela se «saísse-fora-dos-eixos», e lhe pusesse a vida num molho,
por isso finalmente, tinha-lhe dado o bilhete de partida. Mas porra, toda a
gente sabe que há pegas e se há algum sítio onde se possa encontrar uma de
verdade, esse sítio é no Porto. O amigo-de-peito, Rui, não teria perdido muito
tempo com um assunto tão corrente!... se Joel tivesse uma aventura com alguma
pega, tão certo como haver marias na terra que havia de ter duas quintas ou
qualquer outra coisa semelhante. Joel e Rui vinham caminhando a pé pela Rua da
Constituição, curtindo a passagem de borrachos naquele fim de tarde e sentindo
o efeito dos scotches que embutiram
no pub da esquina. O sol brilhava como um raio naquela tarde. De repente deram com
os olhos numa loura sorridente, a atirar para o espetáculo. Joel lança miradas
e miradas à loura, enquanto lhe vai tirando as medidas. «O que é que achas?»
quer ele saber... «esta gaja andará aqui ao engate? Parece ter pinta no piano, não parece?» Rui responde: «Mas
imagina que é um coiro? Não estou nada necessitado de comer um coiro só por uma
questão de experimentar a curiosidade.» Joel diz: «Não tem pinta de ser coiro»,
mas mesmo que seja um coiro, há sempre a hipótese de uma amiga se juntar e nós
somos especialistas a fazer um programa.» «Claro, Joel... Acho que era uma
grande ideia.» O sol esquentara claramente ao ponto ideal de lhes fazer o
álcool subir à cabeça, e eles, iniciaram a seguir a loura à distância pela rua
em frente. Nas redondezas desviam-se para fazer de conta que iam entrar numa
lanchonete e aí, esperaram um pouco, até conseguirem. Por fim a loura para e
entra num prédio de porta aberta e Joel focou a entrada onde ela se escapuliu.
Bateram com o nó dos dedos e a porta abriu-se de imediato. Uma voz ressoa quase
em frente deles. Joel olha para Rui de rosto descontraído e em seguida olha
para a mulher gorda. Trata-se de uma empregada de serviços domésticos. Joel
tartareia qualquer coisa, mas ela não perde tempo e convida-os a entrar. Rui
empurra Joel para ser ele a entrar primeiro. Sentem-se como se estivessem a
entrar numa casa de meninas. Oferece-lhes logo de beber... A gorda prima pela
etiqueta das bebidas. Retira-se para ir buscar as bebidas, deixando-os sentados
no divã. Joel e Rui param de olhar à sua volta. Alguns móveis, como o divã, são
de aspeto antigo... Mas alguma parte foi especialmente comprada em segunda mão.
Os dois uísques que ela serviu parecem duplos. Pela primeira vez Joel explica como
apareceram ali... e como se deixaram apanhar pela loura que entrou há momentos.
O uísque entra bem e fá-los sentir melhor. Pedem outro. Cinco minutos depois a
loura já está ao pé deles a fazer olhinhos... Ela é sorridente. Aos olhos deles
parece-se como uma corista de revista. Tem boas coxas, um cu que se pode
considerar giro, e as mamas grandes. Um olhar de Rui a Joel diz-lhe que valeu a
pena terem vindo. A loura pergunta coisas a respeito deles, em que é que
trabalham, etc., e revela que está a fazer um part-time entre duas profissões. Fala tudo isso com uma voz fina,
alta e doce, que os fez evocar o som duma andorinha. Rui atreve-se a
perguntar-lhe como é o esquema e se tem uma amiga para aparelhar num programa a
quatro. Ela dá o nome de Joana... Joana... diz que está ali sozinha, mas vai
tentar telefonar a alguém e sai. Rui encara Joel ansiosamente, para ver a sua
reação. «Olha Joel, vou dizer-te o que me vai na alma sobre isto... podes ser o
primeiro a ir com ela, que eu não me importo. Depois salto-lhe eu para a
espinha... Bolas, escusamos de estar aqui com etiquetas, sabe-lo bem... Vamos
ver como ela decide. Não vale a pena jogarmos à moedinha, pois não?» Joel tem
algumas dúvidas sobre se Rui não estará a armar-lhe o rente... Está a bater na
mesma tecla, e a única coisa em questão é a tentação para lhe dar uma
foguetada. Mas tem fé de que este caso com a pega é tão louco que se torna
irresistível. Resumindo, acabaram por saber que o telefonema ficou sem
efeito... Joana parece uma misse quando os manda entrar... mas as misses não
mostram tudo aquilo que ela mostra. Se ficou surpreendida quando viu aos dois a
tirar a roupa, não o deixou parecer... Estava tão contente por eles terem vindo
no seu encalço, diz ela... «Hoje não tinha nada agendado na minha agenda.» Esta
Pegazita! É desconcertante, sentada em biquíni numa cadeira, cruzando as pernas
gordas e puxando o sutiã para cima para não lhe darem uma perspetiva do que
está em baixo... Joel olha para Rui e sorri-lhe. Não largam o copo do excelente
uísque escocês da casa... Ela acompanha-os com água natural, e não deve demorar
muito para sentir os efeitos do álcool. Rui levanta-se para se servir de mais
um copo, no preciso momento, em que Joana está baloiçando na cadeira a ponto de
ir cair... Rui inclina-se sobre a cadeira, de costas para Joel e antes de saber
o que se está a passar já ela estendeu a mão e agarrou-lhe a gaita de frente
das boxes. É uma sensação que ele não contava... aqueles dedos de pianista a
fazerem cócegas na braguilha... Deixa-se ficar em pé, quieto, e deixa-a
divertir-se com o brinquedo... Mas não é por muito tempo... Joel topa a manobra
e dá um berro. «Eh! Então e eu?» quer ele saber... e ninguém crê que ele esteja
a pedir mais um uísque. Aquela peguinha não para de brincar com o Rui Pequeno.
Os seus dedos de pianista parecem ter íman que consegue metê-los pela braguilha
e mostra como se faz enquanto sinaliza Joel com o seu sorriso de misse... «Tu
não vieste deitar-me a mão» observa ela. É como se Joel tivesse esquecido tudo
sobre o que tinham acordado. Deslocando-se com a velocidade de um raio, larga a
cadeira e senta-se no outro braço da cadeira de Joana. «Não dês troco a esse
gajo», diz-lhe: «Toma lá, apalpa o meu... Não é uma maravilha?» Pega-lhe na mão
e coloca esta sobre a sua braguilha. «Não vais querer entreter-te com ele...
Aliás tens que ter cautelas com um gajo desses... É aí... Aperta-o, mais, e vê
como ele está a crescer.» Não fosse a intromissão de Joel e até teria graça
assistir ao duelo da pega com aqueles amigos-dos-copos. Agarra-a pelo pescoço e
Joel, sem grande esforço, fá-la erguer os pés do chão, coloca-a ao colo e
deita-a na cama. E Joana beija-o na boca, diz-lhe que tem uns olhos de sonho, e
ele abraça-a fortemente. Uns minutos depois, Joana diz-lhe que o vai fazer
feliz, e salta para cima dele, maneando o rabo gordo com tanta genica como
qualquer mulher da rapidinha. Após o segundo combate não há dúvida... Joana bateu-se bem com os dois. Não há grande
diferença entre a sua técnica e a técnica que qualquer pega assumiria. Tudo o
que eles possam dizer é extremamente hilariante, mesmo quando eles não têm
intenções de serem engraçados. Demoram algum tempo a vestirem-se e deixam o
fumo dos cigarros formarem nuvens. Continuam a recordar aqueles pequenos
detalhes na cama com Joana, e com tudo o resto. Joel chegou à conclusão de que
ter Joana outra vez debaixo de si é uma aposta interessadíssima que lhe pode
dar novas e belas sensações. Pensa levá-la a tomar um copo à Boate Tamariz e
daí possivelmente para o choco numa residencial da cidade. «O que é que é que achas de isto?», quer ele
saber. Rui tenta fazer um esforço, mas não consegue dizer nada. Depois de um
intervalo, Rui, de forma demasiado casual, pede a Joel o telefone de Joana...
«Gostava de a fazer novamente.» Na rua, a tarde já se foi... Vão um para cada
lado, ainda é tempo de fazer alguma coisa pela vida...
Na movimentada Avenida de Fernão de
Magalhães, no Porto, existe uma casa de massagens particularmente acessível.
Existem, na verdade, muitas casas de massagens, pois o acolhimento de clientes
é o negócio de momento, onde muitos viajantes recordarão, se situam ao longo
dessa avenida, uma cata de estabelecimentos deste género, de todas as
categorias, desde a «grande casa de massagens» do mais atual estilo, com a sua
entrada disfarçada, meia dúzia de quartos e uma mão cheia de jovens raparigas
prontas para satisfazer o mais carismático dos viajantes, até à pequena pensão
portuguesa dos tempos da «outra senhora.» Uma das casas de massagens da Avenida
Fernão de Magalhães, porém, é chamariz pela freguesia, distinguindo-se dos
demais concorrentes caídos de para-quedas por uma imagem de conforto e higiene.
Naquela bela tarde de Verão, um homem estava sentado no jardim da Praça
Velásquez, despreocupadamente a fumar uma cigarrilha, olhando em sua volta para
algumas pessoas que passeavam por ali. Chegara da Marinha Grande no dia
anterior, no seu carro, a fim de visitar o seu negócio junto ao mar da Foz,
tendo sido, Marinha Grande durante longo tempo o seu local de residência. Tinha
cerca de cinquenta e sete anos de idade; ao falarem dele os amigos costumavam
dizer que estava na Marinha Grande «a apanhar ar.» Mas Jesus tinha uma velha
amizade pela grande cidade do Norte; ali iniciara a sua carreira empresarial.
Entrara posteriormente para o mundo dos negócios da noite ─ circunstâncias que
o tinham levado a contrair muitas amizades de profunda satisfação. Após ter
descido meia avenida, e ao saber que estava em frente da casa que pretendia,
dera um empurrão na porta entreaberta e subira ao andar de cima. Acabou de
tocar à campainha, quando a porta se abriu por uma dessas criadas que fazem de ama-seca. Ao saber que ali serviam
bebidas, pediu um uísque e saboreou ainda um café, e no fim, acendeu uma
cigarrilha. Foi nesse momento, que avistou ao fundo da sala, aproximar-se uma
miudinha ─ jovem dos seus dezassete ou dezoito anos. A rapariga, alta e esguia,
tinha uma compostura madura, traços miúdos e perspicazes. Envergava umas calças
à pirata e meias brancas que mostravam os tornozelos finos e ossudos; usava
também uma gravata larga de um azul vivo. Trazia na mão uma corrente cuja ponta
prendia uma chave. Parou em frente de Jesus, encarando-o com um par de olhos
vivos e penetrantes. «Dá-me um cigarro desses, por favor!», pediu ela numa voz
macia e firme, uma voz um pouco imatura. Jesus olhou de relance para o pequeno
maço de tabaco junto da sua mão, e verificou que restavam ainda várias
cigarrilhas. «Sim, podes tirar uma ─ respondeu ─, mas não me parece que estas
cigarrilhas sejam boas para raparigas como tu.» A rapariga adiantou um passo e
tirou cuidadosamente uma cigarrilha, ao mesmo tempo que, com paciência, esperou
que ele lhe desse lume. «Oh, é fixe! ─ exclamou ─ pronunciando essa palavra de
um modo especial. «Tem cuidado, não te vás encher de fumo», disse
maliciosamente. ─ «Não tenho problemas de fumo. Já estou habituada. Costumo
fumar semedão. Mas eu nunca tinha
experimentado estes! É mais snobe. Aqui não vendem.» Jesus estava imensamente
divertido. ─ «Se te portares bem comigo
de certeza que te vou dar dois volumes.» ─ «Mas então tem de me dar três ─
replicou a rapariga. ─ Tenho de levar um para a aldeia, mostrar o meu
snobismo.» ─ E tu o que me dás a mim? Perguntou Jesus. ─ Não sei. Eu sou muito
meiguinha», disse a rapariga. ─ «Já vejo que és cá das minhas», riu o homem. ─
«Você é de fora?», prosseguiu com vivacidade a rapariga. E logo, perante a
confirmação dele, comentou com segurança. ─ Os homens saloios são os melhores.»
O seu cliente agradeceu o elogio e a rapariga nua, escancarada agora sobre o
lençol, pôs-se a olhar para o ar enquanto encarava de novo a cigarrilha. Jesus
perguntava a si mesmo que valera a pena vir ao Porto para comer um «peixinho
assim.» «Então, senhor ─ começou ela com um grande à-vontade ─, não vamos fazer
triquebrec?» ─ «Estou a despir-me não
vês? ─ gritou Jesus. ─ É assim que se começa.» E, com grande agilidade, fez
voar a roupa à volta da cabeça da rapariga. ─ «E é assim que se despe!»,
proclamou a rapariga na sua macia e firme voz. Ele não lhe prestou atenção, mas
antes, olhando fixamente para ela, observou simplesmente. ─ Bom, parece-me que
era altura de darmos ao motor.» A jovem inspecionou o fundo do preservativo e
esticou o contracetivo novamente e, nessa altura, Jesus lançou uma observação
sobre a beleza da rapariga. Começara a perceber-se de que a rapariga não estava
minimamente atrapalhada. Seria talvez morna, talvez simples, talvez
inclusivamente resguardada; porque era aparentemente assim ─ Jesus chegara já a
essa conclusão ─ que a maioria das raparigas das casas de massagens «que
mantém-se fechadas» agiam: chegavam e plantavam-se precisamente debaixo de um
cliente e demonstravam quão rigidamente frias eram. Todavia, nem o mais leve
esforço surgira na sua bela compleição física, pelo que se tornava evidente não
se sentir ralada nem importunada por isso. Simplesmente, era programada ─ Jesus
já anteriormente lidara exemplos desses ─ de encantadoras e belas miúdas que não
se abriam entre si, que não se entregavam o mínimo, e embora fechasse os olhos
quando ele lhe tocava nas partes sensíveis, e não parecesse ficar danificada
por isso, isso era apenas o seu hábito, o seu estilo, o trabalho de não ter o
mínimo conceito de «entregar-se.» Tendo Jesus brincado um pouco mais, tocando
alguns dos seus pontos fracos, com o qual ela parecia totalmente aceitar, a
rapariga começou a conceder-lhe um pouco mais de liberdade dos seus toques. Os
seus olhos eram tão reluzentes quanto seria possível conceber, e a falar
verdade, já de há muito que Jesus não via nada tão arisca como os vários traços
daquela rapariga provinciana. «Diz-me lá, como é que te chamas, minha saloia?»
perguntou ele curiosamente. Em resposta, a rapariga foi de uma espontaneidade
total: ─ «Mafalda Carreto. E também lhe
digo a minha alcunha, Reboque. Por
uns momentos, Jesus supôs ter ouvido mal e mandou-a repetir. Aquela do Reboque deixou-o em sentido. A rapariga
soltou um gemido, virando o seu corpo por cima do dele. Confidenciou: «Eu não
gosto de rapazes novos» por um momento fez uma pausa; olhava para Jesus com
todo o brilho dos seus olhos pequenos e vivos. «Sempre tive mais vida com
homens de meia-idade.» O experiente Jesus estava divertido e surpreendido ─
acima de tudo estava admirado. A rapariga mostra-se espevitada. Toda ela é
amorosa. Porque é que não lhe dou nova varada? ou prefiro que ela, antes de vir
prás massagens venha ao motel ter comigo? Pensa Jesus para si mesmo. Aquela
rapariga pôs-lhe tolo! Está num estado tal que ainda lhe faz uma proposta e
toma conta dela um mês, tenha chulo ou não. «O que é que me vais dizer, se te
convidar a vir ter comigo?» pergunta ele depois de lhe responder a todas as
perguntas que ela se lembrou de fazer. «Ainda não decidi… Vou pensar nisso…
Estou com uma certa curiosidade de ti…» A seguir resolve ir-se embora e sai
antes que ele tenha resolvido bisá-la…
Começa a arrefecer quando Caseiro
caminha e as pegas começam a aparecer no bar para o comércio do sexo. Caseiro
diz a si mesmo que é preciso muita fome para comer uma pega a uma hora destas.
Fodilhões, provavelmente… qualquer outra pessoa sabe que se engatar agora uma
pega, tem de lhe pagar a corrida. Uma delas levanta-se na sua direção e
canta-lhe o fado do traidor… «É tão bom como eu faço… e ninguém o reprova…
Amigo freguês, talvez me queira pagar um copo traidor dos baratos…» Fisga-se a
ela e percorre alguns metros atrás dela. Uma mesa junto à parede… deve ser uma
mesa dos amantes, mas tem vista para a saída. Passados cinco minutos, Caseiro
está com uma excitação diabólica só de olhar para aquelas mamas seminuas em
formato meia-lua à sua frente e solta um ou dois chamamentos para chamar a
atenção do empregado para lhe trazer a tal bebida. Ele trás a bebida. Caseiro é
um ferrinho nisto… anda pelos bares atrás de uma gaja, como um galo atrás de
uma galinha… e tem sempre hipótese de levar seja quem seja. O dinheiro mexe com
tudo. Aquelas mamas saltitam como uma mola, levando ele a absorver goles de
uísque. Lá está ele atrás de uma gaja que nunca possuiu… Uma dúzia de tipos ao
balcão estão a filá-la ao mesmo tempo… enquanto aquelas molas continuam a
balançar. A pega entra numa de roço e ele nem sabe por onde começar… mas ainda
tem a excitação que se apoderou dele. Aguenta a ereção e muda o rumo da
conversa. Segue o pensamento, um após outro, variando os sonhos à sua volta.
Porra, já parece estar um pouco apanhado… Já está outra vez a beber golinhos…
uma coisa que não lhe acontecera desde o primeiro instante em que chegou ao
bar. A pega ainda não disse a Caseiro o preço que lhe cobra para ir com ele
para a cama. Assim que lhe dá o número ao ouvido, ele dá um grito. «Bem, bem,
bem… se insistes, dou já à sola daqui!» Ela dá-lhe um beliscão nas nádegas e
aperta-lhe a mão… iam começar de novo a discutir o preço. A pega vê-se que se
sente oscilante e confusa, mas mostra-lhe boa cara. Caseiro decide que é hoje o
dia da paródia. «Sr. Empregado, traga um copo para cada um de nós», exclama. «O
meu dia da paródia…» E adianta: «Como vamos ser amigos, o preço não está alto.
Gostava de te dar duas» confessou vigorosamente, «mas tenho pouco dinheiro na
minha carteira…» ─ «Ah, sim, também a minha, também a minha», diz ela a
Caseiro. ─ Bem… vai indo para a pensão, enquanto eu fico aqui… Ainda tenho de
pagar a conta. Mas já lá vou… já lá vou!» Ao levantar-se, soprou-lhe pelo canto
da boca: «Vou-te pedir um favor, põem-me a cama quente!» ─ «Claro… A cama
quente! Mas caraças, como é que eu ponho a cama quente se tu não a aqueceres
também!» ─ «Eu é que te vou mostrar como é que se fica quente!» Quando uns
minutos mais tarde, Caseiro entrou no quarto, pareceu ficar tão surpreso,
quanto ela. Encontrou-a, então numa de visionar vídeos eróticos e quer que ele
se dispa imediatamente. «Mas para que é que isso me interessa? Eu não preciso
de ver isso para me excitar… Basta que tu me aqueças com mimos.» ─ «Vai correr
tudo bem, filhote! Assim que te puser as mãos, isso cresce. O que é que se
passa… tu não me queres comer?» ─ «Quero… quero… claro que te quero comer,
rapariga, mas não me agrada a ideia de ver filmes pornográficos. És capaz de
estragar tudo, se ficas com um speed
cheio de imagens e cenas e essa macacada toda.» ─ «Não vou estragar nada… tu
vais achar bestial, quando eu te puser as mãos em cima. Para começar, esfrega-me
as mamas!» Ela esqueceu-se do vídeo e deixou-o esfregar-se com a boca
ligeiramente aberta, na tentativa de chupar algum leite que andasse por ali…
chegou ao ponto de lhe pôr a meia careca por baixo da peitaça dela, enquanto
lhe cantava um fado em grego. Em troca, ela fez-lhe uns mimos… como sempre, sem
pudor. A pega anima-se. Mais dois chupões nas mamas e já quer mudar de posição.
Põem-se aos pinotes e vão experimentar novas posições. Por esta altura já
Caseiro começa a sentir o efeito dos copos. Mais uma mudança, a pega não gosta
daquela posição porque esta dá-lhe cãibras… O que se segue a esta, está cheia
de cócegas. Depois numa outra bate com o cu na parede e ela não suporta a
parede. Que paciência! Caseiro já desistiu de tentar dizer à pega onde é que
poderiam foder… Limita-se a deixar a coisa andar. «É realmente o dia da
paródia, rapariga!» exclama Caseiro. ─ «Se é o dia da tua paródia» decide a
pega. «Tenho de lhe oferecer o meu orgasmo…» Lá saíram eles da cama e vão para
o chão, e enroscam-se voltados para a porta, de modo a que ela não veja nada
que a estorve… Não querem parar nem uns minutinhos daquele tempo precioso… Mas
não estão ali há mais de dez minutos, quando surge o orgasmo… para
Caseiro.
O barman
a quem chamavam Ratazana foi durante cerca de trinta anos dono do bar-club da
Rua de António Cândido, no alto do Porto. Homem de meia-idade e de atenções
simpáticas para os seus clientes, trabalhou muitos anos da sua carreira com
empregados, com cozinha, no pequeno e aconchegado bar-club, à entrada da Rua de
António Cândido. Apesar do aspeto espertalhão das suas feições, os seus olhos
eram vivos, meigos e seguros; quando numa conversa de mesa, se abeirava sobre o
futuro de uma jovem na má vida, parecia que o seu prognóstico vaticinava os prazeres
da vida até aos terreiros da desgraça. Muitas jovens, que vinham vender o
corpo, ficavam profundamente gratas pelo seu conselho. Tinha um discurso sobre
a prostituição, ´o vício como um tigre que salta`, que usava em cada dia-a-dia,
e era costume exceder-se sobre esse tema, tanto pela natureza crua da conversa
quanto pelo ardor do seu comportamento ao público. As novatas ficavam alertadas
ao ponto de terem formas de conhecimento e os principiantes pareciam mais
silenciosos do que era normal e repetiam, ao longo da visita, aquelas
insinuações de que Ratazana se lamentava. Ratazana passava doze horas ao balcão
a trabalhar com frequência até ao fecho da
casa, às vezes contava em voz alta as suas histórias do passado. Quando à
noite, o bar se movimentava, os clientes menos práticos aventuravam-se, com o
vício a roer-lhes a alma, a tentar sacar ´uma
goela´ e atravessar aquele muro lendário a quem chamam ´Muro dos Prazeres´.
Esta atmosfera do prazer, em torno de uma casa de meninas de bebidas e prazeres boémios, era motivo de festança e
alvo de curiosidade por parte de muitos forasteiros que chegavam, por acaso ou
em negócios, àquela paragem apetecível e falada. Quase trinta anos antes,
quando o barman Ratazana chegou à Rua
de António Cândido, ainda era um homem novo ─ um chavalo, diziam os clientes ─
cheio de conhecimentos do ofício e de grande dinamismo, como era natural numa
pessoa da sua idade, com vária experiência relevante em termos de trato
empresarial. Os novatos ficaram muito impressionados com a sua sabedoria e dom
da lábia, e os mais velhos e mulheres, despreocupados e ansiosos, ficaram de
tal modo admirados que elogiaram o chavalo, que consideravam cheio de ideias, e
também o bar-club, que estaria dessa forma bem comandado. Isso aconteceu antes
dos dias dos sistemas – Benditos sejam! Pois as coisas boas, são como as menos
boas; ambas vêem devagar, devagarinho e passo a passo. Nessa época, havia até
quem dissesse que Ratazana tinha criado um grupo de traidores do amor
instantâneo à sua própria imagem e que os novatos que iam confraternizar com
eles se sairiam melhor se estivessem sentados nas mesas deles, com as suas
queridas favoritas, com uma garrafa de uísque e quatro copos entornados, e um
espírito de trair o próximo. Seja como for, não havia dúvida de que o barman Ratazana tinha aprendido
demasiadas coisas na universidade da vida. Era imaginativo e preocupava-se com
muitas coisas, principalmente, com aquelas que eram importantes para o negócio.
Tinha muitos projetos ─ mais do que alguns tinham sido vistos naquele
estabelecimento ─ e muito trabalho dera aos artistas da restauração que os
contratou. Eram obras de decoração, claro, ou assim se chamavam. Mas os
clientes certos achavam que não havia necessidade de tanta decoração, já que
toda a estrutura da casa se baseava na ponta de uma saia da rapariga. Fosse
como fosse, o negócio aumentara de dia para a noite, e ainda por cima a
rejuvenescer, o que era muito estimulante. Tinha dois empregados nas mesas a
ajudá-lo, mas o aumento de serviço obrigou-o a meter um terceiro. Contratou
então um homem do ramo do café ─ Coluna-Ao-Lado,
chamava-lhe a clientela ─ e deixaram-no à-vontade de tal forma que depressa os
convenceu. Tinha caído nas boas graças da clientela boa do bar-club. Há muito
tempo, havia tido um desaguisado no trabalho anterior e havia dois meses que
estava à procura de emprego. Fora um cliente do café que avisou Coluna-Ao-Lado que Ratazana procurava
meter mais um empregado para as mesas e, naquele dia, foi logo apresentar-se,
tendo sido admitido. Ele era um homem de poucas falas, normalmente, as meninas
das saídas davam-lhe poucas abébias,
enquanto ele as mordia pela calada, e não esperava que fossem elas as primeiras
a dizer-lhe a boa-tarde. Mas quando lhe dava os azeites, fazia vista grossa às
mesas e passava ao largo. Algumas das meninas comentavam, no dia seguinte, o
fraco apoio dele nas suas mesas, que fazia de conta que era surdo. E
precisamente, no momento mais quente da conversa, eis que aparece, para seu
bem, o patrão. «Meninas» ─ disse com
voz serena. «O que se passa aqui?» Coluna-Ao-Lado,
aproximou-se na direção dele, estava profundamente vermelho de cara, e
chegou-se ─ e rogou-lhe que o defendesse daquelas intriguistas; estas, por sua
vez, contaram-lhe que ele só olhava para as mesas de umas e para outras não.
«Isto é verdade?» perguntou ele. ─ «Juro-lhe, que eu caia já ao chão ─
respondeu ele ─ «como o que elas dizem é mentira. Excepto, quando não me
chamam, é que eu não vou às mesas.» ─ «É isso?» ─ perguntou o barman Ratazana, ao mesmo tempo, que se
virava para as outras meninas. «Ide para as vossas mesas e tratai dos
clientes.» Deu um toque nas costas a Coluna-Ao-Lado,
que trazia vestido a farda da casa: calça preta com colete, camisa branca e
laço preto, e seguiram para a sala. Naquela noite, muitos forasteiros
apareceram mais do que o normal, e ao fim da tarde, abriu-se uma conversa sobre
a deficiência física Coluna-Ao-Lado, que
vinha descendo pela sala, ninguém sabia dizer ─ com a coluna torcida e a cabeça
inclinada para um lado, como tal um enforcado, e um rosto sem sorriso como o de
um morto composto. Pouco a pouco, as pessoas foram-se habituando e, às vezes,
em tom de brincadeira, perguntavam-lhe se aquilo era doença de nascença; ele só
não comentava, como fazia um abanar de ombros, e pronto, a conversa morria ali.
Entretanto, o tempo voou. Os mais malandros começaram a desligar-se mais
daquele escuro assunto. O barman era
tido em boa consideração; trabalhava sempre até tarde. Quanto a Coluna-Ao-Lado, lá ia andando, se antes
falava pouco, não era de estranhar que agora falasse menos. Não incomodou
ninguém, tinha um ar soturno e ninguém discutia com ele sobre os apoios às
mesas. Em inícios de Maio, o tempo estava tão quente, como há muito não se
tinha visto por aquelas zonas. Havia uma aragem quente e molengona. As pessoas
não conseguiam sair de António Cândido sem irem bem pingados; as meninas das saídas estavam sempre com o taxímetro
pronto para o tiro e queda; e ora
faziam um freguês, ora enfrascavam-se de bebidas. Como se isso não bastasse, o barman Ratazana vivia a situação como
poucos. Não conseguia deixar de pôr toda a gente a beber, como galvanizava
todos com histórias e piadas do arco-da-velha. Quando não estava a servir no
seu predileto local, palrava com as panelas como se estivesse a falar com
alguém da cozinha. Um dia, quando servia ao balcão, viu primeiro uma, depois
outra, e a seguir outra, três meninas das saídas,
a serem levadas por Coluna-Ao-Lado
para as mesas, sem o seu consentimento. Era sabido que o barman Ratazana é que sabia da sua rotina. Como não era homem para
ser levado por trouxa, aproximou-se a contemplar as mesas. Na sala, encontrou Coluna-Ao-Lado, com a sua coluna torcida
e não muito católico por vê-lo. «Você» perguntou-lhe. «É assim que se faz?» ─
«O que fiz?», retorquiu ele. «Você estava na cozinha, patrão. Não tive nenhum
problema em colocar as meninas nas mesas.» Mas ele não falava claramente,
entenda-se, antes desculpando-se, como uma criança depois de uma asneira.
«Tretas!» disse ele. «Já devia já ter aprendido a regra da casa.» Então, o barman Ratazana foi para a cozinha
repleta de tachos e panelas. Era uma divisão larga, baixa e iluminada, bastante
quente no Verão e ainda um pouco vento, por estar próximo das centrais do ar
condicionado. Pôs-se a fumar e ficou a pensar em tudo o que acontecera desde
que empregara Coluna-Ao-Lado no seu
bar e no burburinho que este arranjara com as meninas nas mesas. Foi então à outra parte do logradouro
e aí ficou a contemplar o luar. Ratazana não queria fazer mau juízo de um homem
apressado e aflito, que aquele emprego tinha-lhe vindo do céu. Pensou um pouco
nos antecedentes e bebeu um pouco de uísque ─ pois o coração batia-lhe no peito
─ e, depois de beber, voltou para a sala. Foi uma noite que nunca foi esquecida
no bar-club, a noite de 13 de Julho do ano 89. Nessa noite esteve mais calor do
que nunca. O sol escondeu-se depressa entre as nuvens, sem uma estrela sequer,
nem aragem, nem uma brisa; não se conseguia estar na sala sem ter um copo junto
ao nariz; até os clientes escoaram as garrafas e ficaram sentados de cigarro na
mão. No final da noite, Ratazana, sentiu uma orelha a aquecer, sentou-se na
cadeira da cozinha e voltou a pensar no Coluna-Ao-Lado
e nas meninas. Não sabia dizer como ─ talvez fosse pelo calor que sentia no
corpo ─ mas acorreu-lhe que devia haver uma ligação qualquer entre eles e que
um dos dois lados ou ambos eram cúmplices. E nesse preciso momento, na mesa do
fundo, que ficava ao lado da parede, ouviu-se um ruído de vozes como se vários
intervenientes quisessem pegar à luta e, em seguida, um copo rolou pelo chão.
Uma algazarra dos diabos percorreu os quatro cantos da casa e logo tudo ficou
silencioso como se nada tivesse passado. O barman
Ratazana não tinha segredos para lidar bem com homens e mulheres. Pegou no
isqueiro e acendeu um cigarro e deu meia dúzia de passos até à mesa das
meninas. Estavam zangadas, e uma delas refugiou-se noutra mesa, e Ratazana
aproximou-se dela e disse: «Que é que vocês andam a esconder de mim? Conta-me
lá, miúda.» ─ «Bem, patrão, se não disser que fui eu a bufa, direi que tem cá
um empregado que recebe comissões pelas saídas
de certas meninas.» E olhou para ele com firmeza, de quem fala o que sente.
«Quem é ele?» ─ «É esse Coluna-Ao-Lado.»
Não quis ouvir mais nada. De repente, o pensamento do barman voou mais rápido e logo se imobilizou, um arrufo suave
soprou uma rajada de aroma fresco, entre os seus cabelos. Não agradava nada a
Ratazana que tão manobrador empregado sacasse com tanto à-vontade no bar-club
de António Cândido. Além disso, tinha faltado ao serviço no dia anterior e nem
um telefonema lhe fez. Ratazana, esperou por ele na hora da chegada e, por fim,
um pouco preparado, como seria de esperar, levantou a mão esquerda e mandou-o
parar. E, nesse instante, lembrou-se de que quando o viu pela primeira vez, com
a sua coluna torcida, e não muito falador. «Você, infringiu a minha regra»
falou com voz alterada. «A nossa relação terminou.» E naquele momento, a voz
dos fatos, saindo de ambas as bocas, terminou aquele “caso” ali mesmo. Depois
de alguns minutos, o rosto assombrado, olhando para baixo com a coluna torcida,
nervoso e destravado do Coluna-Ao-Lado,
explodiu como uma caixa de dinamite e desfez-se em argolas de mentiras. Uma
tarde depois, o advogado sindical viu o empregado de mesa receber o cheque de
indemnização, atravessar a sala do escritório e bazar para a saída. Desde
então, a extorsão nunca mais voltou a incomodar no bar-club. Não obstante, foi
uma má experiência para o barman;
esteve sem menos um empregado durante algum tempo; e desde então até hoje,
nunca mais deixou de impor a sua regra.