Wednesday, December 4, 2013

O Mundo da Noite

 

FERNANDO ABRAÃO

E RATAZANA

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(9)
        
O

MUNDO

                                                                               DA

NOITE

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A casa de massagens de meninas, na Rua de Júlio Dinis, tornou-se um local de venda de sexo a homens de negócios, doutores, engenheiros e empresários influentes, e nos primeiros anos o negócio foi próspero. Duas personagens de lá foram apresentadas a Ratazana no Verão de 2005, numa festa dada por O Bar do Traidor, em António Cândido. A principiante «Mona» nasceu para ser prostituta. Era filha de uma família modesta, de ascendência tripeira. No bar, foi-lhe posto a alcunha de Fuzeta (mas era conhecida por alguns amigos também por «Mona». Vivia com a família num bairro camarário, na cidade do Porto. «Mona», tornou-se a mais popular elemento da casa de massagens, pretendida não só no Grande Porto, mas por todas as casas de massagens espalhadas por toda a parte, pelos clientes sedentos de prazer que lhe davam os mais rasgados elogios. Durante o início de atividade, a jovem «Mona» mudou-se para o bar; em Novembro de 1990, prestou serviço no Grupo dos Traidores (e prestou também serviço na casa de Júlio Dinis). Em 1991, «Mona» criou amizade com a vizinha e amiga Andreia, também conhecida dela, que conheceu Ratazana numa noite de discoteca no Shopping Dallas. O grupo de raparigas era composto por mais de uma dúzia de jovens que se dedicavam ao engate e à prostituição. Algumas do grupo apaixonaram-se algumas vezes antes dos vinte anos, e em todas as ocasiões pelo homem da outra. A primeira foi «Mona», com o bailarino brasileiro da dança da Lambada, durante um espetáculo lordesco, em Entre-os-Rios, mas terminou pouco tempo depois. «Mona» tinha uma opinião simples em relação com o bailarino brasileiro, dizendo mais tarde; «Deus da terra, era o que me faltava agora ter de sustentar um homem! Ou mesmo que quisesse.» A segunda a apaixonar-se, foi Andreia pelo magnata. Era um magnata que toda a gente o chamava por Toninho, membro do Grupo dos Traidores. Conhecia o magnata há mais de oito dias, quando este deu uma boleia ao grupo até ao bairro, quando vinham de uma festa no bar do Ratazana no final da festa. Em breve, o magnata se tornou visita habitual da casa de Júlio Dinis e, em Dezembro de 2006 no “Natal do Traidor”, convidou as raparigas para se juntar a ele e alguns amigos em Leça da Palmeira, na sua vivenda junto ao mar. Estava a cavar o Verão, quando Andreia partiu para Lisboa, seguindo consigo a sua amiga Russa para fazer uma experiência nos bares noturnos na capital, e deixou a sua amiga «Mona», ao cuidado dos seus amigos íntimos enquanto estava ausente. Na altura em que regressou ao Porto, antes de o Inverno chegar, Andreia apaixonou-se por um rapaz do bairro e deram o nó, mas o matrimónio só durou dois anos. O seu regresso ao palco traidor, deu-se aproximadamente na mesma altura que O Bar do Traidor aparecia cada vez mais uma cara nova a frequentar. Uma reportagem de O Jornal Dos Traidores, citava um artigo sobre este assunto: «No espaço de meses viu-se mais novas raparigas e um enorme entusiasmo do que no total dos treze anos anteriores. Até agora... não há dúvida de que as novatas deram mais protagonismos ao bar e à magia do traidor do que tiraram.» Em Fevereiro de 2007, o grupo de clientes denominado «Andor», que significava na gíria traidora “Enxota-daqui”, encabeçado por Caracol, convidou as raparigas para fazer um forrobodó com ele e os amigos na pensão. Do bar, o grupo de Caracol saiu no Saab, pertencente a Mussolini (membro do grupo) convidou Comprida para uma danceteria em Matosinhos, durante umas horas. Mais tarde, nas próprias palavras da Comprida, foi nesta viagem que a sua relação com o Caracol «...atravessou a linha que marca a fronteira entre a cabritada e o prazer.» Uma semana depois, no bar, ele deu-lhe um conjunto de lingerie e um cão pastor alemão, que iria ser vendido para comprar droga para o seu novo amor. O grupo Andor fazia permanência duas a três vezes por semana no bar, e em todas as vezes, as raparigas foram sempre convidadas a irem com eles, ora para jantarem, ora para saírem. Alguns comentadores, como o seu conterrâneo e amigo Detetive, defenderam sempre que o cliente-traidor quando viesse ao bar, era livre para sair com quem quisesse, dentro das regras do Código Traidor. Depois de tudo isso, havia ainda um problema maior a transpor, que era o de algum cliente ir contar coisinhas para a terra. Um amigo íntimo que estava presente na altura, a convite do Grupo Andor, num encontro entre os elementos do grupo. Contou que Comprida perguntou ao Caracol: «Tu és meu amigo? Pretendes que eu deixe o meu namorado de cor negra?» E o Caracol respondeu: «Pensas realmente que vou ser o otário com o preto a teu lado?» Sobre este caso, dizem os comentadores; «A coisa estava preta. E assim ficou.»

A 9 de Setembro de 2005, Joaquim, o Gravatinhas, como era conhecido, proprietário da poderosa fábrica das “Gravatas Jota” soube que a divorciada Andreia ia tomar um drinque ao bar. Logo a seguir telefonou ao barman, dizendo-lhe que pretendia falar com ela sobre se aceitaria beber um drinque consigo. Mais tarde, Andreia aceitou e, encontrou-se com o Gravatinhas, que lhe fez uma proposta, a troco de uma mesada credível, ter relações sexuais duas vezes por semana com ela. A resposta de Andreia que já tinha pensado nisso e que estava disposta a aceitar, para nivelar a sua vida. Por estas alturas já o boato se tinha espalhado por O Bar do Traidor. Os clientes do bar, impacientes por conhecer Andreia, estavam a ficar cada vez mais preocupados com a lista de candidatos a aumentar dia-a-dia. Mussolini, que tinha ficado apanhado pela sedução de Andreia, sempre que apanhava uma abébia, convidava a ela a vir ter com ele. E se não pudesse vir ao bar, ele iria busca-la a qualquer sítio, onde ela se encontrasse. Contudo, quando Mussolini recebeu, a meio da tarde, um telefonema de Andreia que lhe disse: «A divorciada Andreia... prefere a mensalidade certa a qualquer outra solução...», compreendeu que o engate estava perdido. Enquanto os membros traidores se entretinham com as novas caras, onde umas arrastavam outras, cada vez mais surgiam novidades no panorama traidor. A 3 de Dezembro desse ano, o barman  do bar disse claramente no balcão que havia duas jovens irmãs, Sandra e Patrícia, para apresentar aos clientes traidores. Quando Caracol e Mussolini souberam da notícia disseram a Fernando, o dono do bar: «O nosso entusiasmo não vai faltar.» Logo nesse dia, o próprio Caracol foi o primeiro a chegar ao bar e a chamá-las para a mesa. Quando apareceu o Mussolini, ansioso para não perder a embalagem, disse simplesmente: «Deixai-vos estar, que estais bem. Mas ide-vos preparar para a excursão!» Pouco tempo depois, o empregado trazia a conta à mesa. Antes de saírem, Sandra pediu a Caracol que as recambiasse de volta ao bairro, antes da meia-noite. Caracol prometeu que sim, mas quando se lembrou, já foi tarde. Mussolini afirmou na despedida, que se alguém lhes batesse, teria depois de se a ver com ele. Contudo, como medida de precaução, deixou-as à porta da entrada do bairro. Foi um programa e um momento frenéticos e escaldantes, e os seus comentários foram ouvidos por quem os quis ouvir. Os maus-olhados Titi e Piú-Piú descreveram a cena a conta-gotas no pasquim da semana: «Dentro de O Bar do Traidor, os clientes da rapidinha puseram-se a beber de pé ao balcão e fixaram os olhos na porta da sala. Todo o cliente que procurava uma rapidinha ficou a aguardar durante um bocado. Os homens ansiavam. Nunca houvera nada tão ridículo: umas raparigas — umas raparigas de bairro! — alimentar o esplendor traidor unicamente por borgas e passeios...»

Joel tem uma sorte simplesmente admirável, especialmente quando o seu poder sedutor entra em ação... se as conquistas espantosas que lhe acontecem não se passassem em frente dos seus amigos, estes poderiam atribuí-las a uma imaginação ativa como se soubessem delas por outras vias. Ir tomar um copo com Joel é como pedir a uma cigana para nos ler a sina e se depararmos com uma equipa de raparigas a dançar debaixo dum embandeiro, o facto deve ser encarado como perfeitamente natural. Contudo o próprio Joel tem alturas em que as coisas também não lhe correm bem. Durante uma época Joel teve uma pega para se entreter, cem por cento típica carioca, genuína... Estava na Casa das Massagens a fazer os clientes a largarem o pombo... o tradicional babado da praxe, e Joel diz que a maior parte dos seus engates derivam dos anúncios dos jornais. Joel conheceu a pega num engate ao acaso, e jura que uma noite se emborrachou e lhe fez uma inspeção à pintelheira com uma lupa e uma lanterna. Uma pega querida, disse, também, mas o problema é que não se conseguia esquecer de que ela era pega e Joel morava numa zona onde a única pega boa é uma pega que arma escândalo todas as semanas, e temia que uma santa noite ela se «saísse-fora-dos-eixos», e lhe pusesse a vida num molho, por isso finalmente, tinha-lhe dado o bilhete de partida. Mas porra, toda a gente sabe que há pegas e se há algum sítio onde se possa encontrar uma de verdade, esse sítio é no Porto. O amigo-de-peito, Rui, não teria perdido muito tempo com um assunto tão corrente!... se Joel tivesse uma aventura com alguma pega, tão certo como haver marias na terra que havia de ter duas quintas ou qualquer outra coisa semelhante. Joel e Rui vinham caminhando a pé pela Rua da Constituição, curtindo a passagem de borrachos naquele fim de tarde e sentindo o efeito dos scotches que embutiram no pub da esquina. O sol brilhava como um raio naquela tarde. De repente deram com os olhos numa loura sorridente, a atirar para o espetáculo. Joel lança miradas e miradas à loura, enquanto lhe vai tirando as medidas. «O que é que achas?» quer ele saber... «esta gaja andará aqui ao engate? Parece ter pinta no piano, não parece Rui responde: «Mas imagina que é um coiro? Não estou nada necessitado de comer um coiro só por uma questão de experimentar a curiosidade.» Joel diz: «Não tem pinta de ser coiro», mas mesmo que seja um coiro, há sempre a hipótese de uma amiga se juntar e nós somos especialistas a fazer um programa.» «Claro, Joel... Acho que era uma grande ideia.» O sol esquentara claramente ao ponto ideal de lhes fazer o álcool subir à cabeça, e eles, iniciaram a seguir a loura à distância pela rua em frente. Nas redondezas desviam-se para fazer de conta que iam entrar numa lanchonete e aí, esperaram um pouco, até conseguirem. Por fim a loura para e entra num prédio de porta aberta e Joel focou a entrada onde ela se escapuliu. Bateram com o nó dos dedos e a porta abriu-se de imediato. Uma voz ressoa quase em frente deles. Joel olha para Rui de rosto descontraído e em seguida olha para a mulher gorda. Trata-se de uma empregada de serviços domésticos. Joel tartareia qualquer coisa, mas ela não perde tempo e convida-os a entrar. Rui empurra Joel para ser ele a entrar primeiro. Sentem-se como se estivessem a entrar numa casa de meninas. Oferece-lhes logo de beber... A gorda prima pela etiqueta das bebidas. Retira-se para ir buscar as bebidas, deixando-os sentados no divã. Joel e Rui param de olhar à sua volta. Alguns móveis, como o divã, são de aspeto antigo... Mas alguma parte foi especialmente comprada em segunda mão. Os dois uísques que ela serviu parecem duplos. Pela primeira vez Joel explica como apareceram ali... e como se deixaram apanhar pela loura que entrou há momentos. O uísque entra bem e fá-los sentir melhor. Pedem outro. Cinco minutos depois a loura já está ao pé deles a fazer olhinhos... Ela é sorridente. Aos olhos deles parece-se como uma corista de revista. Tem boas coxas, um cu que se pode considerar giro, e as mamas grandes. Um olhar de Rui a Joel diz-lhe que valeu a pena terem vindo. A loura pergunta coisas a respeito deles, em que é que trabalham, etc., e revela que está a fazer um part-time entre duas profissões. Fala tudo isso com uma voz fina, alta e doce, que os fez evocar o som duma andorinha. Rui atreve-se a perguntar-lhe como é o esquema e se tem uma amiga para aparelhar num programa a quatro. Ela dá o nome de Joana... Joana... diz que está ali sozinha, mas vai tentar telefonar a alguém e sai. Rui encara Joel ansiosamente, para ver a sua reação. «Olha Joel, vou dizer-te o que me vai na alma sobre isto... podes ser o primeiro a ir com ela, que eu não me importo. Depois salto-lhe eu para a espinha... Bolas, escusamos de estar aqui com etiquetas, sabe-lo bem... Vamos ver como ela decide. Não vale a pena jogarmos à moedinha, pois não?» Joel tem algumas dúvidas sobre se Rui não estará a armar-lhe o rente... Está a bater na mesma tecla, e a única coisa em questão é a tentação para lhe dar uma foguetada. Mas tem fé de que este caso com a pega é tão louco que se torna irresistível. Resumindo, acabaram por saber que o telefonema ficou sem efeito... Joana parece uma misse quando os manda entrar... mas as misses não mostram tudo aquilo que ela mostra. Se ficou surpreendida quando viu aos dois a tirar a roupa, não o deixou parecer... Estava tão contente por eles terem vindo no seu encalço, diz ela... «Hoje não tinha nada agendado na minha agenda.» Esta Pegazita! É desconcertante, sentada em biquíni numa cadeira, cruzando as pernas gordas e puxando o sutiã para cima para não lhe darem uma perspetiva do que está em baixo... Joel olha para Rui e sorri-lhe. Não largam o copo do excelente uísque escocês da casa... Ela acompanha-os com água natural, e não deve demorar muito para sentir os efeitos do álcool. Rui levanta-se para se servir de mais um copo, no preciso momento, em que Joana está baloiçando na cadeira a ponto de ir cair... Rui inclina-se sobre a cadeira, de costas para Joel e antes de saber o que se está a passar já ela estendeu a mão e agarrou-lhe a gaita de frente das boxes. É uma sensação que ele não contava... aqueles dedos de pianista a fazerem cócegas na braguilha... Deixa-se ficar em pé, quieto, e deixa-a divertir-se com o brinquedo... Mas não é por muito tempo... Joel topa a manobra e dá um berro. «Eh! Então e eu?» quer ele saber... e ninguém crê que ele esteja a pedir mais um uísque. Aquela peguinha não para de brincar com o Rui Pequeno. Os seus dedos de pianista parecem ter íman que consegue metê-los pela braguilha e mostra como se faz enquanto sinaliza Joel com o seu sorriso de misse... «Tu não vieste deitar-me a mão» observa ela. É como se Joel tivesse esquecido tudo sobre o que tinham acordado. Deslocando-se com a velocidade de um raio, larga a cadeira e senta-se no outro braço da cadeira de Joana. «Não dês troco a esse gajo», diz-lhe: «Toma lá, apalpa o meu... Não é uma maravilha?» Pega-lhe na mão e coloca esta sobre a sua braguilha. «Não vais querer entreter-te com ele... Aliás tens que ter cautelas com um gajo desses... É aí... Aperta-o, mais, e vê como ele está a crescer.» Não fosse a intromissão de Joel e até teria graça assistir ao duelo da pega com aqueles amigos-dos-copos. Agarra-a pelo pescoço e Joel, sem grande esforço, fá-la erguer os pés do chão, coloca-a ao colo e deita-a na cama. E Joana beija-o na boca, diz-lhe que tem uns olhos de sonho, e ele abraça-a fortemente. Uns minutos depois, Joana diz-lhe que o vai fazer feliz, e salta para cima dele, maneando o rabo gordo com tanta genica como qualquer mulher da rapidinha. Após o segundo combate não há dúvida... Joana bateu-se bem com os dois. Não há grande diferença entre a sua técnica e a técnica que qualquer pega assumiria. Tudo o que eles possam dizer é extremamente hilariante, mesmo quando eles não têm intenções de serem engraçados. Demoram algum tempo a vestirem-se e deixam o fumo dos cigarros formarem nuvens. Continuam a recordar aqueles pequenos detalhes na cama com Joana, e com tudo o resto. Joel chegou à conclusão de que ter Joana outra vez debaixo de si é uma aposta interessadíssima que lhe pode dar novas e belas sensações. Pensa levá-la a tomar um copo à Boate Tamariz e daí possivelmente para o choco numa residencial da cidade. «O que é que é que achas de isto?», quer ele saber. Rui tenta fazer um esforço, mas não consegue dizer nada. Depois de um intervalo, Rui, de forma demasiado casual, pede a Joel o telefone de Joana... «Gostava de a fazer novamente.» Na rua, a tarde já se foi... Vão um para cada lado, ainda é tempo de fazer alguma coisa pela vida...
                                                                                        
Na movimentada Avenida de Fernão de Magalhães, no Porto, existe uma casa de massagens particularmente acessível. Existem, na verdade, muitas casas de massagens, pois o acolhimento de clientes é o negócio de momento, onde muitos viajantes recordarão, se situam ao longo dessa avenida, uma cata de estabelecimentos deste género, de todas as categorias, desde a «grande casa de massagens» do mais atual estilo, com a sua entrada disfarçada, meia dúzia de quartos e uma mão cheia de jovens raparigas prontas para satisfazer o mais carismático dos viajantes, até à pequena pensão portuguesa dos tempos da «outra senhora.» Uma das casas de massagens da Avenida Fernão de Magalhães, porém, é chamariz pela freguesia, distinguindo-se dos demais concorrentes caídos de para-quedas por uma imagem de conforto e higiene. Naquela bela tarde de Verão, um homem estava sentado no jardim da Praça Velásquez, despreocupadamente a fumar uma cigarrilha, olhando em sua volta para algumas pessoas que passeavam por ali. Chegara da Marinha Grande no dia anterior, no seu carro, a fim de visitar o seu negócio junto ao mar da Foz, tendo sido, Marinha Grande durante longo tempo o seu local de residência. Tinha cerca de cinquenta e sete anos de idade; ao falarem dele os amigos costumavam dizer que estava na Marinha Grande «a apanhar ar.» Mas Jesus tinha uma velha amizade pela grande cidade do Norte; ali iniciara a sua carreira empresarial. Entrara posteriormente para o mundo dos negócios da noite ─ circunstâncias que o tinham levado a contrair muitas amizades de profunda satisfação. Após ter descido meia avenida, e ao saber que estava em frente da casa que pretendia, dera um empurrão na porta entreaberta e subira ao andar de cima. Acabou de tocar à campainha, quando a porta se abriu por uma dessas criadas que fazem de ama-seca. Ao saber que ali serviam bebidas, pediu um uísque e saboreou ainda um café, e no fim, acendeu uma cigarrilha. Foi nesse momento, que avistou ao fundo da sala, aproximar-se uma miudinha ─ jovem dos seus dezassete ou dezoito anos. A rapariga, alta e esguia, tinha uma compostura madura, traços miúdos e perspicazes. Envergava umas calças à pirata e meias brancas que mostravam os tornozelos finos e ossudos; usava também uma gravata larga de um azul vivo. Trazia na mão uma corrente cuja ponta prendia uma chave. Parou em frente de Jesus, encarando-o com um par de olhos vivos e penetrantes. «Dá-me um cigarro desses, por favor!», pediu ela numa voz macia e firme, uma voz um pouco imatura. Jesus olhou de relance para o pequeno maço de tabaco junto da sua mão, e verificou que restavam ainda várias cigarrilhas. «Sim, podes tirar uma ─ respondeu ─, mas não me parece que estas cigarrilhas sejam boas para raparigas como tu.» A rapariga adiantou um passo e tirou cuidadosamente uma cigarrilha, ao mesmo tempo que, com paciência, esperou que ele lhe desse lume. «Oh, é fixe! ─ exclamou ─ pronunciando essa palavra de um modo especial. «Tem cuidado, não te vás encher de fumo», disse maliciosamente. ─ «Não tenho problemas de fumo. Já estou habituada. Costumo fumar semedão. Mas eu nunca tinha experimentado estes! É mais snobe. Aqui não vendem.» Jesus estava imensamente divertido. ─  «Se te portares bem comigo de certeza que te vou dar dois volumes.» ─ «Mas então tem de me dar três ─ replicou a rapariga. ─ Tenho de levar um para a aldeia, mostrar o meu snobismo.» ─ E tu o que me dás a mim? Perguntou Jesus. ─ Não sei. Eu sou muito meiguinha», disse a rapariga. ─ «Já vejo que és cá das minhas», riu o homem. ─ «Você é de fora?», prosseguiu com vivacidade a rapariga. E logo, perante a confirmação dele, comentou com segurança. ─ Os homens saloios são os melhores.» O seu cliente agradeceu o elogio e a rapariga nua, escancarada agora sobre o lençol, pôs-se a olhar para o ar enquanto encarava de novo a cigarrilha. Jesus perguntava a si mesmo que valera a pena vir ao Porto para comer um «peixinho assim.» «Então, senhor ─ começou ela com um grande à-vontade ─, não vamos fazer triquebrec?» ─ «Estou a despir-me não vês? ─ gritou Jesus. ─ É assim que se começa.» E, com grande agilidade, fez voar a roupa à volta da cabeça da rapariga. ─ «E é assim que se despe!», proclamou a rapariga na sua macia e firme voz. Ele não lhe prestou atenção, mas antes, olhando fixamente para ela, observou simplesmente. ─ Bom, parece-me que era altura de darmos ao motor.» A jovem inspecionou o fundo do preservativo e esticou o contracetivo novamente e, nessa altura, Jesus lançou uma observação sobre a beleza da rapariga. Começara a perceber-se de que a rapariga não estava minimamente atrapalhada. Seria talvez morna, talvez simples, talvez inclusivamente resguardada; porque era aparentemente assim ─ Jesus chegara já a essa conclusão ─ que a maioria das raparigas das casas de massagens «que mantém-se fechadas» agiam: chegavam e plantavam-se precisamente debaixo de um cliente e demonstravam quão rigidamente frias eram. Todavia, nem o mais leve esforço surgira na sua bela compleição física, pelo que se tornava evidente não se sentir ralada nem importunada por isso. Simplesmente, era programada ─ Jesus já anteriormente lidara exemplos desses ─ de encantadoras e belas miúdas que não se abriam entre si, que não se entregavam o mínimo, e embora fechasse os olhos quando ele lhe tocava nas partes sensíveis, e não parecesse ficar danificada por isso, isso era apenas o seu hábito, o seu estilo, o trabalho de não ter o mínimo conceito de «entregar-se.» Tendo Jesus brincado um pouco mais, tocando alguns dos seus pontos fracos, com o qual ela parecia totalmente aceitar, a rapariga começou a conceder-lhe um pouco mais de liberdade dos seus toques. Os seus olhos eram tão reluzentes quanto seria possível conceber, e a falar verdade, já de há muito que Jesus não via nada tão arisca como os vários traços daquela rapariga provinciana. «Diz-me lá, como é que te chamas, minha saloia?» perguntou ele curiosamente. Em resposta, a rapariga foi de uma espontaneidade total: ─ «Mafalda Carreto. E também lhe digo a minha alcunha, Reboque. Por uns momentos, Jesus supôs ter ouvido mal e mandou-a repetir. Aquela do Reboque deixou-o em sentido. A rapariga soltou um gemido, virando o seu corpo por cima do dele. Confidenciou: «Eu não gosto de rapazes novos» por um momento fez uma pausa; olhava para Jesus com todo o brilho dos seus olhos pequenos e vivos. «Sempre tive mais vida com homens de meia-idade.» O experiente Jesus estava divertido e surpreendido ─ acima de tudo estava admirado. A rapariga mostra-se espevitada. Toda ela é amorosa. Porque é que não lhe dou nova varada? ou prefiro que ela, antes de vir prás massagens venha ao motel ter comigo? Pensa Jesus para si mesmo. Aquela rapariga pôs-lhe tolo! Está num estado tal que ainda lhe faz uma proposta e toma conta dela um mês, tenha chulo ou não. «O que é que me vais dizer, se te convidar a vir ter comigo?» pergunta ele depois de lhe responder a todas as perguntas que ela se lembrou de fazer. «Ainda não decidi… Vou pensar nisso… Estou com uma certa curiosidade de ti…» A seguir resolve ir-se embora e sai antes que ele tenha resolvido bisá-la…

Começa a arrefecer quando Caseiro caminha e as pegas começam a aparecer no bar para o comércio do sexo. Caseiro diz a si mesmo que é preciso muita fome para comer uma pega a uma hora destas. Fodilhões, provavelmente… qualquer outra pessoa sabe que se engatar agora uma pega, tem de lhe pagar a corrida. Uma delas levanta-se na sua direção e canta-lhe o fado do traidor… «É tão bom como eu faço… e ninguém o reprova… Amigo freguês, talvez me queira pagar um copo traidor dos baratos…» Fisga-se a ela e percorre alguns metros atrás dela. Uma mesa junto à parede… deve ser uma mesa dos amantes, mas tem vista para a saída. Passados cinco minutos, Caseiro está com uma excitação diabólica só de olhar para aquelas mamas seminuas em formato meia-lua à sua frente e solta um ou dois chamamentos para chamar a atenção do empregado para lhe trazer a tal bebida. Ele trás a bebida. Caseiro é um ferrinho nisto… anda pelos bares atrás de uma gaja, como um galo atrás de uma galinha… e tem sempre hipótese de levar seja quem seja. O dinheiro mexe com tudo. Aquelas mamas saltitam como uma mola, levando ele a absorver goles de uísque. Lá está ele atrás de uma gaja que nunca possuiu… Uma dúzia de tipos ao balcão estão a filá-la ao mesmo tempo… enquanto aquelas molas continuam a balançar. A pega entra numa de roço e ele nem sabe por onde começar… mas ainda tem a excitação que se apoderou dele. Aguenta a ereção e muda o rumo da conversa. Segue o pensamento, um após outro, variando os sonhos à sua volta. Porra, já parece estar um pouco apanhado… Já está outra vez a beber golinhos… uma coisa que não lhe acontecera desde o primeiro instante em que chegou ao bar. A pega ainda não disse a Caseiro o preço que lhe cobra para ir com ele para a cama. Assim que lhe dá o número ao ouvido, ele dá um grito. «Bem, bem, bem… se insistes, dou já à sola daqui!» Ela dá-lhe um beliscão nas nádegas e aperta-lhe a mão… iam começar de novo a discutir o preço. A pega vê-se que se sente oscilante e confusa, mas mostra-lhe boa cara. Caseiro decide que é hoje o dia da paródia. «Sr. Empregado, traga um copo para cada um de nós», exclama. «O meu dia da paródia…» E adianta: «Como vamos ser amigos, o preço não está alto. Gostava de te dar duas» confessou vigorosamente, «mas tenho pouco dinheiro na minha carteira…» ─ «Ah, sim, também a minha, também a minha», diz ela a Caseiro. ─ Bem… vai indo para a pensão, enquanto eu fico aqui… Ainda tenho de pagar a conta. Mas já lá vou… já lá vou!» Ao levantar-se, soprou-lhe pelo canto da boca: «Vou-te pedir um favor, põem-me a cama quente!» ─ «Claro… A cama quente! Mas caraças, como é que eu ponho a cama quente se tu não a aqueceres também!» ─ «Eu é que te vou mostrar como é que se fica quente!» Quando uns minutos mais tarde, Caseiro entrou no quarto, pareceu ficar tão surpreso, quanto ela. Encontrou-a, então numa de visionar vídeos eróticos e quer que ele se dispa imediatamente. «Mas para que é que isso me interessa? Eu não preciso de ver isso para me excitar… Basta que tu me aqueças com mimos.» ─ «Vai correr tudo bem, filhote! Assim que te puser as mãos, isso cresce. O que é que se passa… tu não me queres comer?» ─ «Quero… quero… claro que te quero comer, rapariga, mas não me agrada a ideia de ver filmes pornográficos. És capaz de estragar tudo, se ficas com um speed cheio de imagens e cenas e essa macacada toda.» ─ «Não vou estragar nada… tu vais achar bestial, quando eu te puser as mãos em cima. Para começar, esfrega-me as mamas!» Ela esqueceu-se do vídeo e deixou-o esfregar-se com a boca ligeiramente aberta, na tentativa de chupar algum leite que andasse por ali… chegou ao ponto de lhe pôr a meia careca por baixo da peitaça dela, enquanto lhe cantava um fado em grego. Em troca, ela fez-lhe uns mimos… como sempre, sem pudor. A pega anima-se. Mais dois chupões nas mamas e já quer mudar de posição. Põem-se aos pinotes e vão experimentar novas posições. Por esta altura já Caseiro começa a sentir o efeito dos copos. Mais uma mudança, a pega não gosta daquela posição porque esta dá-lhe cãibras… O que se segue a esta, está cheia de cócegas. Depois numa outra bate com o cu na parede e ela não suporta a parede. Que paciência! Caseiro já desistiu de tentar dizer à pega onde é que poderiam foder… Limita-se a deixar a coisa andar. «É realmente o dia da paródia, rapariga!» exclama Caseiro. ─ «Se é o dia da tua paródia» decide a pega. «Tenho de lhe oferecer o meu orgasmo…» Lá saíram eles da cama e vão para o chão, e enroscam-se voltados para a porta, de modo a que ela não veja nada que a estorve… Não querem parar nem uns minutinhos daquele tempo precioso… Mas não estão ali há mais de dez minutos, quando surge o orgasmo… para Caseiro. 
 
O barman a quem chamavam Ratazana foi durante cerca de trinta anos dono do bar-club da Rua de António Cândido, no alto do Porto. Homem de meia-idade e de atenções simpáticas para os seus clientes, trabalhou muitos anos da sua carreira com empregados, com cozinha, no pequeno e aconchegado bar-club, à entrada da Rua de António Cândido. Apesar do aspeto espertalhão das suas feições, os seus olhos eram vivos, meigos e seguros; quando numa conversa de mesa, se abeirava sobre o futuro de uma jovem na má vida, parecia que o seu prognóstico vaticinava os prazeres da vida até aos terreiros da desgraça. Muitas jovens, que vinham vender o corpo, ficavam profundamente gratas pelo seu conselho. Tinha um discurso sobre a prostituição, ´o vício como um tigre que salta`, que usava em cada dia-a-dia, e era costume exceder-se sobre esse tema, tanto pela natureza crua da conversa quanto pelo ardor do seu comportamento ao público. As novatas ficavam alertadas ao ponto de terem formas de conhecimento e os principiantes pareciam mais silenciosos do que era normal e repetiam, ao longo da visita, aquelas insinuações de que Ratazana se lamentava. Ratazana passava doze horas ao balcão a trabalhar com frequência até ao fecho da casa, às vezes contava em voz alta as suas histórias do passado. Quando à noite, o bar se movimentava, os clientes menos práticos aventuravam-se, com o vício a roer-lhes a alma, a tentar sacar ´uma goela´ e atravessar aquele muro lendário a quem chamam ´Muro dos Prazeres´. Esta atmosfera do prazer, em torno de uma casa de meninas de bebidas e prazeres boémios, era motivo de festança e alvo de curiosidade por parte de muitos forasteiros que chegavam, por acaso ou em negócios, àquela paragem apetecível e falada. Quase trinta anos antes, quando o barman Ratazana chegou à Rua de António Cândido, ainda era um homem novo ─ um chavalo, diziam os clientes ─ cheio de conhecimentos do ofício e de grande dinamismo, como era natural numa pessoa da sua idade, com vária experiência relevante em termos de trato empresarial. Os novatos ficaram muito impressionados com a sua sabedoria e dom da lábia, e os mais velhos e mulheres, despreocupados e ansiosos, ficaram de tal modo admirados que elogiaram o chavalo, que consideravam cheio de ideias, e também o bar-club, que estaria dessa forma bem comandado. Isso aconteceu antes dos dias dos sistemas – Benditos sejam! Pois as coisas boas, são como as menos boas; ambas vêem devagar, devagarinho e passo a passo. Nessa época, havia até quem dissesse que Ratazana tinha criado um grupo de traidores do amor instantâneo à sua própria imagem e que os novatos que iam confraternizar com eles se sairiam melhor se estivessem sentados nas mesas deles, com as suas queridas favoritas, com uma garrafa de uísque e quatro copos entornados, e um espírito de trair o próximo. Seja como for, não havia dúvida de que o barman Ratazana tinha aprendido demasiadas coisas na universidade da vida. Era imaginativo e preocupava-se com muitas coisas, principalmente, com aquelas que eram importantes para o negócio. Tinha muitos projetos ─ mais do que alguns tinham sido vistos naquele estabelecimento ─ e muito trabalho dera aos artistas da restauração que os contratou. Eram obras de decoração, claro, ou assim se chamavam. Mas os clientes certos achavam que não havia necessidade de tanta decoração, já que toda a estrutura da casa se baseava na ponta de uma saia da rapariga. Fosse como fosse, o negócio aumentara de dia para a noite, e ainda por cima a rejuvenescer, o que era muito estimulante. Tinha dois empregados nas mesas a ajudá-lo, mas o aumento de serviço obrigou-o a meter um terceiro. Contratou então um homem do ramo do café ─ Coluna-Ao-Lado, chamava-lhe a clientela ─ e deixaram-no à-vontade de tal forma que depressa os convenceu. Tinha caído nas boas graças da clientela boa do bar-club. Há muito tempo, havia tido um desaguisado no trabalho anterior e havia dois meses que estava à procura de emprego. Fora um cliente do café que avisou Coluna-Ao-Lado que Ratazana procurava meter mais um empregado para as mesas e, naquele dia, foi logo apresentar-se, tendo sido admitido. Ele era um homem de poucas falas, normalmente, as meninas das saídas davam-lhe poucas abébias, enquanto ele as mordia pela calada, e não esperava que fossem elas as primeiras a dizer-lhe a boa-tarde. Mas quando lhe dava os azeites, fazia vista grossa às mesas e passava ao largo. Algumas das meninas comentavam, no dia seguinte, o fraco apoio dele nas suas mesas, que fazia de conta que era surdo. E precisamente, no momento mais quente da conversa, eis que aparece, para seu bem, o patrão. «Meninas» ─ disse com voz serena. «O que se passa aqui?» Coluna-Ao-Lado, aproximou-se na direção dele, estava profundamente vermelho de cara, e chegou-se ─ e rogou-lhe que o defendesse daquelas intriguistas; estas, por sua vez, contaram-lhe que ele só olhava para as mesas de umas e para outras não. «Isto é verdade?» perguntou ele. ─ «Juro-lhe, que eu caia já ao chão ─ respondeu ele ─ «como o que elas dizem é mentira. Excepto, quando não me chamam, é que eu não vou às mesas.» ─ «É isso?» ─ perguntou o barman Ratazana, ao mesmo tempo, que se virava para as outras meninas. «Ide para as vossas mesas e tratai dos clientes.» Deu um toque nas costas a Coluna-Ao-Lado, que trazia vestido a farda da casa: calça preta com colete, camisa branca e laço preto, e seguiram para a sala. Naquela noite, muitos forasteiros apareceram mais do que o normal, e ao fim da tarde, abriu-se uma conversa sobre a deficiência física Coluna-Ao-Lado, que vinha descendo pela sala, ninguém sabia dizer ─ com a coluna torcida e a cabeça inclinada para um lado, como tal um enforcado, e um rosto sem sorriso como o de um morto composto. Pouco a pouco, as pessoas foram-se habituando e, às vezes, em tom de brincadeira, perguntavam-lhe se aquilo era doença de nascença; ele só não comentava, como fazia um abanar de ombros, e pronto, a conversa morria ali. Entretanto, o tempo voou. Os mais malandros começaram a desligar-se mais daquele escuro assunto. O barman era tido em boa consideração; trabalhava sempre até tarde. Quanto a Coluna-Ao-Lado, lá ia andando, se antes falava pouco, não era de estranhar que agora falasse menos. Não incomodou ninguém, tinha um ar soturno e ninguém discutia com ele sobre os apoios às mesas. Em inícios de Maio, o tempo estava tão quente, como há muito não se tinha visto por aquelas zonas. Havia uma aragem quente e molengona. As pessoas não conseguiam sair de António Cândido sem irem bem pingados; as meninas das saídas estavam sempre com o taxímetro pronto para o tiro e queda; e ora faziam um freguês, ora enfrascavam-se de bebidas. Como se isso não bastasse, o barman Ratazana vivia a situação como poucos. Não conseguia deixar de pôr toda a gente a beber, como galvanizava todos com histórias e piadas do arco-da-velha. Quando não estava a servir no seu predileto local, palrava com as panelas como se estivesse a falar com alguém da cozinha. Um dia, quando servia ao balcão, viu primeiro uma, depois outra, e a seguir outra, três meninas das saídas, a serem levadas por Coluna-Ao-Lado para as mesas, sem o seu consentimento. Era sabido que o barman Ratazana é que sabia da sua rotina. Como não era homem para ser levado por trouxa, aproximou-se a contemplar as mesas. Na sala, encontrou Coluna-Ao-Lado, com a sua coluna torcida e não muito católico por vê-lo. «Você» perguntou-lhe. «É assim que se faz?» ─ «O que fiz?», retorquiu ele. «Você estava na cozinha, patrão. Não tive nenhum problema em colocar as meninas nas mesas.» Mas ele não falava claramente, entenda-se, antes desculpando-se, como uma criança depois de uma asneira. «Tretas!» disse ele. «Já devia já ter aprendido a regra da casa.» Então, o barman Ratazana foi para a cozinha repleta de tachos e panelas. Era uma divisão larga, baixa e iluminada, bastante quente no Verão e ainda um pouco vento, por estar próximo das centrais do ar condicionado. Pôs-se a fumar e ficou a pensar em tudo o que acontecera desde que empregara Coluna-Ao-Lado no seu bar e no burburinho que este arranjara com as meninas nas mesas. Foi então à outra parte do logradouro e aí ficou a contemplar o luar. Ratazana não queria fazer mau juízo de um homem apressado e aflito, que aquele emprego tinha-lhe vindo do céu. Pensou um pouco nos antecedentes e bebeu um pouco de uísque ─ pois o coração batia-lhe no peito ─ e, depois de beber, voltou para a sala. Foi uma noite que nunca foi esquecida no bar-club, a noite de 13 de Julho do ano 89. Nessa noite esteve mais calor do que nunca. O sol escondeu-se depressa entre as nuvens, sem uma estrela sequer, nem aragem, nem uma brisa; não se conseguia estar na sala sem ter um copo junto ao nariz; até os clientes escoaram as garrafas e ficaram sentados de cigarro na mão. No final da noite, Ratazana, sentiu uma orelha a aquecer, sentou-se na cadeira da cozinha e voltou a pensar no Coluna-Ao-Lado e nas meninas. Não sabia dizer como ─ talvez fosse pelo calor que sentia no corpo ─ mas acorreu-lhe que devia haver uma ligação qualquer entre eles e que um dos dois lados ou ambos eram cúmplices. E nesse preciso momento, na mesa do fundo, que ficava ao lado da parede, ouviu-se um ruído de vozes como se vários intervenientes quisessem pegar à luta e, em seguida, um copo rolou pelo chão. Uma algazarra dos diabos percorreu os quatro cantos da casa e logo tudo ficou silencioso como se nada tivesse passado. O barman Ratazana não tinha segredos para lidar bem com homens e mulheres. Pegou no isqueiro e acendeu um cigarro e deu meia dúzia de passos até à mesa das meninas. Estavam zangadas, e uma delas refugiou-se noutra mesa, e Ratazana aproximou-se dela e disse: «Que é que vocês andam a esconder de mim? Conta-me lá, miúda.» ─ «Bem, patrão, se não disser que fui eu a bufa, direi que tem cá um empregado que recebe comissões pelas saídas de certas meninas.» E olhou para ele com firmeza, de quem fala o que sente. «Quem é ele?» ─ «É esse Coluna-Ao-Lado.» Não quis ouvir mais nada. De repente, o pensamento do barman voou mais rápido e logo se imobilizou, um arrufo suave soprou uma rajada de aroma fresco, entre os seus cabelos. Não agradava nada a Ratazana que tão manobrador empregado sacasse com tanto à-vontade no bar-club de António Cândido. Além disso, tinha faltado ao serviço no dia anterior e nem um telefonema lhe fez. Ratazana, esperou por ele na hora da chegada e, por fim, um pouco preparado, como seria de esperar, levantou a mão esquerda e mandou-o parar. E, nesse instante, lembrou-se de que quando o viu pela primeira vez, com a sua coluna torcida, e não muito falador. «Você, infringiu a minha regra» falou com voz alterada. «A nossa relação terminou.» E naquele momento, a voz dos fatos, saindo de ambas as bocas, terminou aquele “caso” ali mesmo. Depois de alguns minutos, o rosto assombrado, olhando para baixo com a coluna torcida, nervoso e destravado do Coluna-Ao-Lado, explodiu como uma caixa de dinamite e desfez-se em argolas de mentiras. Uma tarde depois, o advogado sindical viu o empregado de mesa receber o cheque de indemnização, atravessar a sala do escritório e bazar para a saída. Desde então, a extorsão nunca mais voltou a incomodar no bar-club. Não obstante, foi uma má experiência para o barman; esteve sem menos um empregado durante algum tempo; e desde então até hoje, nunca mais deixou de impor a sua regra.