Seus inesquecíveis bares de
Club Stop a Club Lord, valeram-lhe rasgados elogios e simpatizantes.
FERNANDO
ABRAÃO
"RATAZANA" O
"MESTRE" DA RATICE
O JORNAL
DOS TRAIDORES
No ultimo ano da sua atividade, Fernando Abraão estava
se parecendo mais com a personagem de Rambo, quando imitou o seu isolamento, do
que com ele próprio. Tinha o cabelo esbranquiçado. Umas rugas pouco salientes,
faziam realçar seus olhos marotos mas vivos, que pareciam observar tudo aquilo
que o rodeava.
Esses olhos seguiram atentamente dezenas dos melhores
empregados hoteleiros, enquanto Abraão os teve como dirigentes em muitos dos
seus melhores anos. Em 1970, ele foi dirigido pelo boss J. Loureiro: ambos
protagonizaram momentos fantásticos na Boite Marta. Em 1972 chefiou a Boite
Electra Club - 4 anos depois - chefiou a Boite O Inferninho; essa passagem
valeu-lhe a experiência de tomar conta em horário diurno do café Cubango em
sociedade com um colega de trabalho.
Em Julho passado, aos 62 anos, Abraão aposentou-se,
esgotado de uma azáfama total, onze mese antes de ter estreado no ecrã do bar 28
Anos a sua 4ª curta-metragem.
Baseado num guião seu, e sob a realizaão
do filho Daniel Abraão. Era mais um hobbie dos muitos que foi acumulando à sua
função de barman, que o tornavam um homem de sete instrumentos.
Qual era a virtude de Abraão? «Persistência», diz o
empregado de mesa Belinha. «Nada o fazia retorcer uma ideia bem planeada. Ele
simplesmente não permitia que nós fôssemos maus profissionais.»
José Fernando
de Almeida Abraão ou Ratazana para outros, nasceu a 6 de Abril de 1948, num
lugar chamado Devesas, Vila Nova de Gaia, em Portugal. Filho de um salsicheiro
e de uma cozinheira de Miragaia, que exploravam uma casa de pasto perto da
estação ferroviária. Abraão era o quarto membro da família. e quando saíu da
escola aos 11 anos, passou a trabalhar num escritório de um despachante
alfandegário como paquete, era muitas vezes imcumbido de levar encomendas e
amostras aos armazéns de Vinho do Porto, pela Calçada das Freiras. Durante esse
período de vida, tornou-se um rebelde sonhador.
Em jovem praticou viola e canto na casa de pasto, e
agrupou vários conjuntos musicais e teve mais de sete ofícios variados. Durante
a guerra colonial, Abraão ofereceu-se como voluntário para prestar serviço
militar no Centro de Comandos e Serviços, no Cazenga, Angola. Foi artista de
cabarés na cidade Invicta, diretor do semanário O Jornal Dos Traidores, um
popular pasquim do Club Lord, autor e contista. Em 1987, casou-se com Maria
Manuela.
Nessa época dedicou-se a escrever às escondidas as
confidências que os clientes lhe contavam ao balcão nas suas aventuras amorosas
com as garotas, confidências essas, que mais viriam a chamar-se Contos
Traidores, cuja apresentação foi bastante discutida por ser uma obra´fofoqueira´.
«Foi aí talvez a mais importante experiência que um livro me deu. Abriram-se os
horizontes», recorda.
Desde criança, Abraão foi sempre um apaixonado pelas
lvros, cinema e música. Então
acrescentou à sua carreira: a de guionista. Foi guionista das suas
curtas-metragens Isto Vai de Mal a Pior e Os 4 Quatro Vícios da Noite.
Baseado nos seus contos, essas curtas é outro empreendimento caseiro: Martinik,
de 72 anos, é o cliente-realizador. O
guião de Um Gosto a Cheirar a Torrado (O Ébrio), valeu-lhe mais de um
milhar de visiulizações nas redes sociais. O prazer de Abraão pelo cinema
levou-o a fazer mais guiões. Selecionou A Nota de 10 Euros, baseado num
conto seu e dirigido pelo seu filho Daniel Abraão.
O Lançamento do Club Lord foi o coroar de uma carreira
ímpar e trabalhosa que Abraão teve de percorrer para chegar ao cume do
estrelato. Satisfeito com o seu trabalho, Abraão agradeceu a ajuda monetária a
José Oliveira , o empresário que ele sempre considerava como um verdadeiro amigo
acima de tudo. Com o Lord nasceu uma grande amizade entre Abraão e José
Oliveira, que iria durar toda a vida.
Abraão foi o primeiro dono da noite portuense a criar
o sistema do amor-instantâneo fora do local do trabalho. A sua técnica
adiquirida ao longo de mais de 30 anos, levou-o ao contato com filiais da
rapidinha do Norte a Sul.
Quando em 1983, fundou o semanário O Jornal Dos
Traidores com mais de 1000 membros com apelidos para não passar para o
exterior, foi o elo de ligação entre uma comunidade a favor do sexo-livre.
Quando em 2007, adoeceu que o levou para a cama do hospital, teve de fechar o bar
durante uma semana. Abraão, que acabou por recuperar bem, chegou a dizer, que
teve até medo de não sair vivo de lá. No fim desse pesadelo, chegou uma proposta
ao local do bar, para o trespasse, e Abraão, achou que era a hora certa de
findar um ciclo.
No Verão de 2011, quando Abraão estava compondo umas
músicas para editar um cd, num estúdio no Alto da Maia, soube que José Oliveira
adoecera. Passou a visitar o amigo todos as semanas, e divertia-o contando-lhe
as ratices com os seus clientes-traidores. Quando José Oliveira morreu, a ___
de _____ de ___20?? foi à supultura e pronunciou em voz baixa: «Adeus amigo. A
sua vida foi longa, foi rica e plena. Descance em paz.»
Entre o fim do ano 2009 e o princípio do ano 2010,
Abraão aceitou um partime para cobrador de uma agência morturária. Quando o
contrato acabou, Abraão a pedido dum empresário de carros de aluguer
habilitou-se a tirar um cap e foi para motorista de táxi. Pegou num
Mercedes e fixou-se na praça de táxis em Cete, junto à estação ferroviária. Ali
criou amizades e fez amigos. Saia de casa às 06 da manhã e regressava às 08 da
noite. «Esse meu novo ofício é óptimo», confessou-me Abraão. «Mas não me
parece que fique por aqui muito tempo.» E assim foi.
Abraão, passou a administrador de condomínios onde
reside, voltou aos fados pelas adegas e restaurantes, e reentregou o duo Os 2
do Norte, e ainda, passou a ser motorista-mordono do avô do seu filho Diogo.
Durante muitos anos, Abraão faz vários ganchos para
levar uma vida confortável, porque estar parado, não é com ele. «Estes
trabalhos fazem-me recordar quando era jovem: estava sempre em movimento e esse
movimento é que me faz sentir bem comigo próprio», recordou Abraão um dia
destes. E sorri feliz.
Abraão, continua a vida em pessoa. Lembra uma certa
frase que o seu amigo José Oliveira dissera 15 anos antes: «Fernando é uma das
boas almas que existem neste bar.»