Thursday, November 17, 2011


CONTOS DE RATAZANA
_________________


4º Episódio
_____


Eis como Very nice, um bom rapaz,
se tornou um involuntário transporte do vício

                              ~~~~

Para Catanada e Pascácio a vida corria sem ondas. De manhã, quando o sol testava na terra, quando o reluzente dia não é altura para pressas nem para azáfamas, os pensamentos são lentos, profundos e dourados. Pascácio e Catanada, um de calças de ganga e outro de calças de bombazina e camisas escuras de mangas curtas, iam, como dois companheiros, até à esquina situada ao fim da rua e, momentos depois, voltavam para se sentar ao sol no banco do jardim, ouvir as cornetas dos vendedores ambulantes nas ruas de Marco de Canavezes e falar, num tom pachorrento e irónico, dos acontecimentos dos bairros do Porto pois aí, em cada hora que passa, há milhares de excitantes eventos. No jardim estavam eles em paz. Só os dedos das mãos se mexiam sobre as quentes roupas quando as moscas nelas pousavam.

— Se todas as moscas que nos tocam fossem notas — disse Pascácio — muito ricos seríamos. Passávamos a vida entesuados.

Catanada, contudo, acrescentou:

— Toda a gente teria montes de moscas. Deixavam de ter interesse; mas o sexo custa sempre dinheiro. Se ao menos durante um dia oferecessem sexo e nós tivéssemos um harém para o pôr lá.
— Mas sexo de categoria — interrompeu Pascácio —, não daquele foleiro que tu arranjaste da última vez.
— Não o conquistei — retorquiu Catanada. — Alguém mo deu depois de sair do salão de baile. Que é que estás à esperas do sexo que se oferece?

Levantaram-se e sacudiram brandamente as moscas com as mãos.

— Ontem a Xanana Maluca deu com uma garrafa na cabeça do cigano, no pinta — observou Catanada.

Pascácio levantou os olhos, comedidamente interessado.

— Pancadaria? — perguntou.
— Não. O cigano não sabia que a Xanana ontem tinha orientado outro gajo e tentou forçar a porta; de modo que ela deu-lhe com uma garrafa.
— Devia ter-lhe dado com duas garrafas — julgou Pascácio, moralizador.
— Não. Ela só tinha uma garrafa na mão. Mas não estava zangada. O que ela queria era que ele não fosse bisbilhoteiro.
— O cigano é burro — julgou Pascácio. — Agora está de molho?
— Ela só fez uns arranhões na tola. Vá lá que ele tem muito cabelo á frente. O que ela queria era que ele não andasse para ali a cheirar.
— A Xanana não é uma mulher muito atinada — continuou Pascácio. — Mas ainda manda pensos com borato para aliviar as dores do cigano, que já está de choco há três dias.
— E ele bem precisa deles — observou Catanada. — É um bom malvado e no entanto nunca lhe acertaram uma. Xanana disse-me uma vez que o cigano era mais mafarrico que o burro quando saiu com ele pela primeira vez. Mais tarde, ela afirmou que só aceitava metade dele por causa do cheiro que ele botava.

Pascácio num movimento de cão, mijou numa parede esquinada que se deparara à sua frente.

— O cigano sempre foi assim — disse. — Muita garrafa aquele diabo vai levar. Mas achas que uma mocada de uma garrafa faz efeito quando o dinheiro para ela sai dos bolsos dos cabritos que dormem borrachos em casa de Xanana?
— Uma garrafa é uma garrafa — respondeu Catanada. — Ao vendedor que te vende a garrafa está-se borrifando donde tu vens com o pilim. O bêbedo também não quer saber donde vêm as garrafas. Gosta delas, assim como tu gostas de beber. O bêbado Arcanjo costumava passar a vida nos tascos e, semanas a fio, a primeira gota sabia a lixívia, mas isso não a fazia menos gota. Os bêbedos é que têm de explicar essas coisas. Não somos nós que temos de nos preocupar com explicações. Gostava era de saber onde é que a gente pode arranjar umas boas bifanas. Uma boa bifana agora vinha a calhar.

Pascácio puxou os óculos do sol para cima da nuca para que o longe se tornasse perto.

— O Carlos Matos contou-me que o Pipocas está com a morena, a filha dos Cabaços.

Pasmado, Catanada sentou-se em frente.

— Talvez a cachopa queira casar com o Pipocas. Esses Cabaços andam sempre a querer casar, gostam mais de dinheiro do que eu de chocolate. Depois de casado, o Pipocas é capaz de nos cortar o hábito de usarmos o apartamento. Essa tal morena vai querer vestidos novos, jóias; todas querem, eu conheço-as.

Pascácio também parecia aborrecido.

— E se a gente fosse falar com o Pipocas, talvez pudéssemos… — sugeriu.
— Pode ser que ele queira ir comer uma bifana — disse Catanada. — As bifanas da Conga, são picantes.

Enfiaram-se dentro do carro e dirigiram-se velozmente para o apartamento de Pipocas. Catanada abaixou-se e evitou levar com uma ponta de um cigarro ainda acesa na cara; depois, atirou-a fora com um palavrão.

— Foi algum cabeçudo que a mandou para aqui para nos assustar.
— A tarde passada fui eu que levei com uma — disse Pascácio.

Foram encontrar Pipocas no apartamento, sentado na cadeira de baloiço, atrás da mesa, atirando as fumaças da cigarrilha para afugentar as teias de aranha.

— Ei, companheiros! — saudou-os ele, com moleza.

Puxaram das cadeiras e sentaram-se ao lado de Pipocas e Pascácio atirou com a pasta para um canto. Pipocas puxou de uma caixa de pastilhas e algumas cigarrilhas e passou-as a Catanada. Este pareceu um pouco assolapado, mas não fez qualquer restrição.

— A Xanana Maluca deu com uma garrafa no cigano branco — disse.
— Já ouvi dizer — retorquiu Pipocas.

Pascácio interveio com mau humor.

— Essas mulheres não têm problemas de espécie alguma.
— É perigoso um homem fazer amor com elas — disse Catanada. — Disseram-me que há cá no Marco de Canavezes, uma rapariga, uma Cabaços, capaz de pôr um homem levado da breca para toda a vida se ele se meter na ilusão de querer saber o que é.

Pascácio deu alguns estalidos provocados pela pastilha com a língua. Abriu as mãos puxando os dedos.

— Como é que um homem há-de saber? — perguntou. — Pode lá ter-se confiança em alguma?

Olharam o rosto de Pipocas e viram que este não revelava sinais de inquietação.

— A rapariga é conhecida pela morena — disse Catanada. — Agora o resto não é preciso.
— Oh, estás a referir-te à Maria Morena — observou Pipocas muito pouco entusiasmado. — Bom, o que é que se pode esperar de uma Cabaços?

Pascácio e Catanada respiraram aliviados.

— Então que tal irmos comer uma bifana à Conga? — perguntou Catanada como por instinto.

Pipocas abanou rapidamente a cabeça.

— Nem pensar. Comi agora um prato de feijões que me encheram e fiquei como um sapo.
— Como vão agora os teus borrachos? — interveio Pascácio na mudança da conversa.

Pipocas agitou um dedo para a frente e para trás em sinal de reflexão.

— Telefonou-me a Senhora do Porto para ir lá ver os borrachos que chegaram dos bairros, que ia ficar babado por dentro e por fora.
— É alguém que eu conheço? — quis saber Pascácio.
— Sei lá. Acho que os borrachos devem ser todos novos.
— Já lá abriste uma garrafa de uísque, não? — sugeriu Catanada.

Pipocas sorriu-lhe cinicamente.

— Ofereceu-me a Senhora do Porto quando eu fui lá a casa ontem à noite. É uma boa mulher em certos aspectos e também não é lá nenhuma carcaça.

Pascácio e Catanada voltaram a ficar alarmados.

— Um nosso amigo diz que ela tem mais de 50 anos — disse Catanada com alvoroço.

Pipocas estendeu os pés.

— É letra. Poucos mais têm de 40 anos. E que impedimento tem ser quarentona? — afirmou filosoficamente. — É uma mulher cheia de fúria. Tem um apartamento e uma dúzia de gajas a atacar. — Depois ficou um tanto baralhado. — Gostava de lhe dar uma foda.

Catanada e Pascácio puseram-se a olhar para o chão e tentaram sacar da cabeça uma ideia mais flutuante, mas os seus esforços não deram nenhum efeito.

— Se eu tivesse uns patacos agora — disse Pipocas — levava a ela e às suas meninas a dar um passeio de barco pelo Douro abaixo. — Olhou os seus companheiros das andanças com uma expressão significativa, mas nenhum deles se pronunciou. — Só precisava de uns cinco ou dez contos — sugeriu.
— O meu cliente do banco anda na observação das acções — observou Catanada. — Pode ser que tu orientes no advogado por um dia.

Pipocas retorquiu com azedume.

— Parecia mal que um homem que é proprietário de duas casas fosse pedir emprestado. Agora se me pagassem umas continhas que andam por aí…

Catanada ergue-se com estrebucho.

— Sempre as continhas — exclamou. — Tu atiravas connosco para dentro das grades… para a cadeia, enquanto gozas como um barão. Anda, Pascácio — disse irritadíssimo. — Vamos desandar daqui, senão ainda nos cobra a permanência, este miserável, este semítico.

Saíram ambos.

— Onde é que a gente vai agora? — perguntou Pascácio.
— Vamos indo — retorquiu Catanada. — Talvez ele nos volte a chamar.

A maneira exigida, tinha, contudo, entrado a fundo no espírito dos dois homens.

— Quando o apanharmos vamos chamá-lo «Gordo semítico» — disse Catanada. — Há anos que somos amigos dele. Quando ele teve dificuldades, demos-lhe de cobertura; quando ele teve solidão, demos-lhes companhia.
— Há quanto tempo foi isso? — perguntou Pascácio.
— Bom, isto é o que a gente teria feito se ele necessitasse de alguma coisa e nós tivéssemos para lha dar. É este o grau da amizade que tivemos por ele. E ele agora, para levar numa viagem de barco pelo Rio Douro acima ou abaixo uma velha histérica, chuta-a fora?
— Deixa lá. As viagens ao rio só fazem enjoos.

Catanada ficou cansado de tanta emoção. Sentou-se numa entrada alta ao lado dum velho prédio e pousou o queixo entre as mãos, abatido. Pascácio sentou-se também, mas para fumar, pois a sua amizade para com Pipocas não era tão antiga e forte com a de Catanada. O fundo da rua estava atafulhada de circulação de carros e de pessoas, Catanada, ao olhar para o fundo, triste e aborrecido, viu um carro ligeiro familiar surgir de um cruzamento. Catanada agarrou o braço de Pascácio e apontou. Pascácio fechou o olho direito e olhou fixamente.

— É capaz de ser quem nós pensámos…

O carro aproximou-se, afrouxou devagar e ladeou o passeio contrário, aparecendo o rosto sorridente e o cabelo grande e despenteado de Very nice.
— Ó, Catanada. Ó, Pascácio — disse, perturbante. — Que fazeis aqui?

Catanada e Pascácio ergueram-se e passaram para o pé dele.

— Amigo, Very nice! Tu não estás sóbrio.

Very nice sorriu docemente.

— Alegre, é só — murmurou. — Vamos ao café, amigos. Hoje entro eu.

Entraram no café e sentaram-se. Catanada pediu um Martini com gingar ale e Pascácio foi num Vinho do Porto Reserva. Very nice pediu uma amostra ao empregado de Favaios e cheirou o vinho. Sorveu primeiramente dois ou três goles e emborcou um copo traçado de vinho com groselha para familiarizar. Por fim exclamou:

My God, que mistura!

Catanada encarou o seu amigo Very nice com uma expressão simpática e admirativa.

— Descobristes alguma mina para estes lados? — perguntou. — Ou foi alguma viúva rica que se prendeu a ti no pub, meu amigo?

Very nice era um simplório e a manobra nunca o abandonava. Tossicou para pôr a garganta limpa e chamou o empregado:

— Dê-me daí outro igual — disse. — Tenho a garganta a reclamar. Já vos conto como a minha vida anda.

Bebeu uma boa dose, o olhar sonhador como o de um homem que tem tanto apetite que pode gastar todo o seu tempo a apreciá-lo e até mesmo a fazer uma dieta um dia sem problema.

— Estava na ressaca em casa há quase uma semana — disse. — Em casa ao pé do gato. Durante a noite a vizinha do lado bateu-me à porta. Era uma bonita figura e trazia umas velas de aniversário para iluminar. Fui com ela para sua casa e festejei até às tantas. Meti-me a beber à vontade, mas apareceram os amigos e só me deram para trás.

— Arranjastes problemas? — perguntou Catanada, sobressaltado.
— Estou a contar-te as coisas por partes — retorquiu Very nice com certo respeito. — Dancei as duas primeiras danças e levei-a para um canto da sala; depois dei-lhe uns beijos pelo pescoço abaixo que ela gostou muito, tão ternos e tão doces que eles eram. Dei-lhe também um ferrão numa mama; passado um bocado, porém, entraram uns moinantes e ela foi com eles.

— Ai os filhos da mãe, roubar assim a vizinha de um homem carinhoso! — exclamou Catanada, apavorado.
— Não é bem assim — disse Very nice, fantasista. — De todas as maneiras era altura dela se pirar. Depois, vim por aqui atrás dela e perdi-me no caminho.
— Então já não tens mulher?
— Não sei — respondeu Very nice. — Ora deixa-me ver. — Rebuscou os bolsos e tirou um papel amarrotado com um número de telefone e uma direcção de uma morada. — Esta noite vou levá-la a ver um daqueles filmes de pôr a cabeça assim à roda.
— É um filme daqueles da gente se agarrar a uma amiga, não é?
— Yá! — respondeu Very nice —, mas não é assim tão picante como tu julgas.

Tossicou mais uma vez. Catanada encheu-se logo de atenção.

— É restos da ressaca — afirmou. — Não faz bem senão apanhares outra. Que dizes, Pascácio, vamos convidá-lo para o nosso apartamento e levamos a sua vizinha. A vizinha já está bastante coçada, mas a gente põe-na fina.
— Que é que vocês estão para aí a tramar? — indagou Very nice. — Eu estou de olho vivo.
— Isso vimos nós — retorquiu Catanada. — Não te esqueças que te apresentamos a Joaquina Racha, faz agora um mês que andas com ela. A Maria Carola também foi no grupo e deixaste-a a semana passada.

Very nice ficou sereno.

— Que é que vocês querem que eu faça?
— Uma parodiazinha — respondeu Catanada, com rapidez. — A tua vizinha vai gostar de nos conhecer.

Very nice envolveu a nota grande numa grande enroscada, de tal modo que qualquer cliente que passasse teria ficado sem saber que nota seria aquela. Pagou a conta e meteu o troco no bolso do casaco. Catanada e Pascácio seguiram o carro de Very nice, tocando de vez em quando na buzina para lhe lembrar que o seguiam na traseira. Entraram na casa dele e deixaram-se cair numas cadeiras almofadadas; depois, embora a manhã estivesse amornar, abriram a janela da sala. Very nice apareceu de dentro com meio galão de uísque enxertado em cima dum carrinho de bar ao lado duma bandeja com copos. A partir daí começaram a fumar e a beber. Pascácio, divertido, falou das pobres criaturas a quem a falta de sexo fazia passar momentos insuportáveis. Depois, foi a vez de Catanada pôr na sua voz um toque de meiguice e falar com reverência da alegria que era viver numa independência. Manhã soalheira, quando já a conversa se esvaziara e o uísque tinha batido no fundo da garrafa e, lá fora, os bafos quentes se infiltravam na sala como nuvens voadoras, Very nice foi baixar as cortinas. E foi no retorno que espreitou pela frincha da porta a chegada da vizinha. Catanada e Pascácio tiveram de puxá-lo para o lado para espreitarem também. Depois Catanada falou enternecido das borgas em que se ficava consolado na cama até a noite ir chegando. No apartamento de Pipocas, ninguém precisava de andar vestido de um lado para o outro a fugir dos olhos da vizinhança e a fechar as cortinas para não ser visto.

Por fim, Catanada e Pascácio acercaram-no de Very nice como dois cães de fila prontos a ferrá-lo. Deixavam que ele se servisse da vizinha em primeiro. Very nice aceitou sorridente. Houve palmadinhas nas costas. O meio galão foi substituído por uma garrafa. Catanada bebeu um longo trago, pois sabia que tinha diante de si a mais difícil manobra. Então, enquanto Very nice estava a desenrolar a rolha, exclamou:

— E agora só a trazes aqui para a gente ver.

Very nice deixou a garrafa e olhou para ele, horrorizado.

— Não! — explodiu. — Prometi à vizinha que lhe levava um filme daqueles. Trago a mulher mas é quando chegar a altura.

Catanada viu que tinha falado demais.

— Quando estavas a dançar lá nos anos, ela mandou os amigos entrar e tu lerpaste. Achas que ela fez isso para que tu comprasses filmes tarados aí numa lojita de gays? Não, meu menino! Ela procedeu assim por que tu não alinhaste num grupo de cavalaria. Achas que ela está interessada nos filmes de roço? E, além demais, aceitamos que atires primeiro — continuou. — Podes comprar os filmes que quiseres que, nós para levantar o pau, só precisamos dela a fazer-nos umas meiguices.

Mesmo assim Very nice reclamou.

— Vou dizer-te uma coisa — continuou Catanada. — Se não apresentarmos a vizinha ao Pipocas somos todos prejudicados e és tu quem aguenta com a maior fatia. Que a gente depois te deite o ganilho, é coisa que a tua alma há-de levar para sempre.

Sob tantas conversas, vinda de vários lados, Very nice aceitou. Passou por Catanada e fechou a porta. Depois, instalou-se o sossego e uma atmosfera calma entrou na sala. Catanada descontraiu. Pascácio levou o copo para o seu lado e a conversa restabeleceu-se.

— Temos de apresentar a vizinha ao Pipocas.

Catanada tornou-se mais falador. As suas mãos puseram-se a brincar com a beira do copo como se estivessem a tocar castanholas.

— O Pipocas, o nosso bom amigo Pipocas, anda a piscar o olho à Senhora do Porto. Não julgues que Pipocas é burro. A Senhora do Porto tem quase cem gajas a atacar para ela. Pipocas quer viajar com ela num bonito cruzeiro pelo Douro para a paparicar.
— Os cruzeiros são coisas chatas — observou Pascácio —, fazem dores de barriga.
— Isso é lá com ele e com ela — disse Catanada. — Se fizerem dores de barriga a ambos, que se tratem.

De repente, uma onda reveladora iluminara o rosto dele.

— Mas, se o nosso amigo Pipocas fizer bem a paparica à Senhora do Porto, come também algumas meninas e, portanto, seremos nós que as comeremos a seguir.

Pascácio abanou a cabeça, irrequieto.

— Seria bom que o passeio de barco de Pipocas não lhe causasse enjoos.

A conversa foi interrompida pela entrada na sala de Very nice, que saltou imediatamente para a brecha.

— Já tratei o assunto com a vizinha que vai arranjar umas amigas. Uma boa farra é o melhor programa para o Pipocas — sugeriu num tom divertido.

Catanada e Pascácio ficaram abismados com a ideia.

— Podemos dizer ao Pipocas que para as contas dele as nossas contas estão arrumadas — apontou Pascácio.
— Mas Pipocas na altura é capaz de não ligar ao que a gente diz. Quem lhe der um pito fica logo a saber o amigo que ele é. De qualquer forma pode viajar no cruzeiro, e lá se oriente, que nós cá esperamos.

Tinham aproveitado de Very nice, a chave de resoluções difíceis.

— Se nós levarmos as raparigas e as oferecermos ao Pipocas, talvez haja festa grande.
— Ora aí está — exclamou Catanada —, é isso tudo!

Very nice sorriu modestamente ao sentir que o crédito pelas suas palavras tinha sido valorizado. Pascácio dividiu os últimos goles de uísque dentro dos copos e todos, fatigados, embutiram após o seu esforço. Orgulhava-os terem chegado a um consenso geral.

— Agora estou com fome — disse Pascácio.

Catanada, levantou-se, dirigiu-se à janela e olhou para o sol.

— Já passa do meio-dia — disse. — Pascácio e eu vamos preparar o terreno, enquanto tu, Very nice, vais a casa da vizinha e das amigas buscá-las, e vê se lá apanhas alguma coisa para comer. Talvez no frigorífico as raparigas te dêem uns enlatados. Talvez consigas sacar umas tantas frutas.
— Não, eu vou convosco — disse Very nice, pois suspeitava que uma manobra, tão normal como inevitável por parte das raparigas, estava a começar a formar-se na sua cabeça.
— Não, Very nice — retorquiu Catanada, firmemente. — É uma hora menos um quarto. Dentro de meia hora estamos lá os três. Encontramo-nos então e desenrasca-se qualquer coisa. Talvez na dispensa haja qualquer coisa que entretenha os dentes.

Very nice pôs-se a caminho da casa da vizinha com alguma relutância, mas Catanada e Pascácio entraram no carro e seguiram, felizes, a rua direitos ao apartamento das Antas.