Thursday, August 12, 2010




CONTOS DE RATAZANA
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OS HOBBIES DE RIBEIRINHO…


Ribeirinho pensa que eu devo usar a minha influência sobre uma gaja boa, alguém com quem pudesse fazer uma parceria no bar. Há um sistema a mudar, garante-me, sistema para todos os que estiverem por dentro e, tanto ele como eu podíamos ganhar uns trocos somente por angariarmos uns quantos clientes.

Ribeirinha já anda a explorar tanta gente há tantos anos que já nem realmente se dá conta de que o faz… acha-se um especialista a apanhar incautos caídos de pára-quedas. Ribeirinho cansa-se muito para viver sem cansaço…

É um pacifista, Ribeirinho é pacifista e acredita nas soluções. De que outro modo é que alguém como ele conseguiria ganhar a vida? pergunta ele. É o que resta dos anos que passou nas explorações do bar. Entregaram-lhe, mas tiraram-lhe a privacidade dos hobbies… deixaram-no sem tratar dos cães, dos carros, do jardim, e a TV/Internet, o JN/ Grande Porto… tudo motivado concretamente pela falta de gente habilidosa que vegeta na boémia da Invicta, onde frequentam os locais mais rascas da cidade…

De qualquer maneira Ribeirinho pensa que eu tenho a vantagem da influência − ou da proximidade, pelo menos, sobre as gajas boas…

«Mas que diabo andas tu por aí a fazer quando visitas as capelinhas?», pergunto eu. «Não tens mesmo uma ideia? Olha que vagabundam por aí gajas que valem ouro… há uma resma delas… uma resma de aproveitares a ganhar dinheiro. Olha, tu até podias dar umas percentagens dos clientes que elas levam… elas não se iam importar por ganhar um pouco mais… c´os diabos, se calhar nem se importavam mesmo…

Somos interrompidos por Paula, que diz que tem uma história gira para me contar. Tem uma colaboradora na sua casa de arranjinhos, cujo nome não quis divulgar, que lhe pregou uma partida que a deixou arrasada…

«Ela era apenas uma colaboradora… vocês sabem, uma colaboradora muito íntima e eu apresentei-lhe os meus fregueses e ensinei-lhe todos aqueles truques de foda rápida que uma mulher de meia-idade certamente devia saber. Depois ela foi-me à carteira… e eu mandei-a de frosque. É para ver os sentimentos que estas putas têm por quem lhes deita a mão. Mas passadas duas semanas ela regressou. O meu freguês tinha a mulher em férias e queria uma completa… bem, o que se passou é que ela viu-me fora de portas… vai daí, levou uma mão cheia de fregueses para a cama e voltou a roubar-me…

«Roubou-a? Ordinária!». E o meu amigo olha muito admirado… Até que lhe resolve perguntar. «Como é que ela lhe roubou? Foi outra vez à carteira? Apanhou-a em flagrante?»

«Sim… tinha uma máquina de vídeo camuflada num candeeiro. À noite, liguei o televisor e passei a cassete atrás… e lá estava a puta c´os fregueses na minha cama a malhar… E quanto a mim, ponto final com a puta! Que é que vocês acham disto?»

Como nem Ribeirinho nem eu achamos muita graça à história, Paula encaminha a conversa para a mesa de uns clientes. Agora que eu ia pedir-lhe para mudar de conversa, diz ele… é que ela se foi, mas eu hei-de ter uma conversa de a levar para o bar. Entretanto ele gostaria de conhecer uma trintona atraente, alguém com quem pudesse praticar uma parceria. Mas uma que quisesse ganhar dinheiro, apresse-se ele a acrescentar. Uma que ganhasse a sua vida, seria óptimo, e então uma puta seria melhor, diz ele… Digo-lhe que já conheço poucas trintonas atraentes, mas talvez Tina faça uma vaquinha ou tenha uma ou duas que queiram… Vou informar-me. Ribeirinho fica muito agradecido… ofereço-lhe um café e uma bebida. Qualquer gaja serve, insiste em que qualquer uma servirá, absolutamente, desde que não tenha piolhos e tenha os dentes todos da frente…

Mais tarde, depois de ter falado com Tina e Ribeirinho tê-la levado para o bar, acabo o meu serviço e redigo uma página para os cibernautas da internet, (1) até ir ao encontro de Ribeirinho. Sente-se extraordinariamente bem-disposto, e só fala de Tina.

Que mulher! Oh, que mulher e cheia de olho! Não quero saber, se tem uma casa de meninas, só quero que chegue ao bar às nove da noite! É claro que teve de entrar no sistema para trabalhar com Tina… assim, disse-lhe que tinha de fazer o jogo dela… se ela lhe fizer alguma observação, o melhor é dizer-lhe que estão juntos nessa jogatana de cabritos. Além disso encontra-se tão animado a falar de Tina que quase não ouve nada do que eu estou a dizer.

«Ela sabe como se deve sacar», diz-me ele. «Ó, pá, ela sabe tudo a respeito de sacar. Ratazana, tu ainda não tinhas entrado há meia hora, e já nós estávamos nas manobras! Podes crer! Bolas, sabes como esta coisas se fazem… agora fala-se pouco e bebe-se menos, e no minuto a seguir mete-se-lhe a conta ao freguês e está no ir pró quarto…

Detemo-nos enquanto Tina bate o pé no chão para acordar um freguês que está a ressonar numa mesa dos fundos, perturbando a música que sai das colunas, e lhe dá cinco minutos para se pôr fino. Empurra uma mulher que aparece nas escadas, chorona, um seio de fora do vestido, falando ao telemóvel histericamente.

«É melhor sair, disse ela», continua Ribeirinho, «portanto, lá fui para o meu escritório… mesmo assim, pus-me à cuca! Não é o raio de uma manobra, que me atrapalha… queria estar ali a ver como é que ela actuava, naquele sistema com a mulher da idade da tia e também ir com a quarentona para a mesa do freguês! Primeiro a mulher da idade da tia, depois com a quarentona… oh, my God! E deixa-me contar-te uma coisa… lembras-te do que te contei acerca da mulher da idade da tia? Que ela me fez ir buscá-la a casa a cerca de quinze quilómetros do Porto e queria que a levasse de volta? Bom, a quarentona, idem, aspas… Sim senhor, a primeira vez que veio para o trabalho, não teve pejo nenhuma em me solicitar para a levar a casa! Pela tua saúde, Ratazana, já não sei se quero continuar com este sistema ou não… quando existem gimbras como estas nos cabritos. O maior problema, agora, é a mudança… não sei se deva voltar aos alternes, ou ir por aí…

Ribeirinho teima em relatar o assunto durante alguns minutos, mas volta a falar de Tina e das gajas monstruosas que ela acompanha. Ela contou-lhe histórias nas folgas, diz-me ele, e quer que eu adivinhe quantas fodas ela deu.

«Um milhão!», exclamou velozmente. «Oh, talvez hoje essa marca já tenha ultrapassado, mas deixa ver… deixa ver até ela atingir a idade do caruncho e então vais ver. Principalmente se ela se mantiver nessa vida, todos os dias e noites a malhar. Há quem foda uma mulher destas sessenta vezes por mês, quando se é cliente há dez, quinze anos… Ora uma mulher destas chega a ter mais de uma centena de cabritos-mês… Histórias de fodas dadas… e também de fodas levadas… sabias que ela vem-se por simpatia? Pois vem-se… bom, pelo menos disse que era constante acordar molhada… Mas porque diabo é que não vim para os alternes quando tomei conta do bar? O que é que se passou comigo numa altura dessas? Mas talvez fosse bom não ter vindo... Não o teria experimentado… tal como tu ainda não te cansaste. Que idade tens, cerca de cinquenta? Ó, pá, aceita o meu conselho, vai para a reforma e arranja duas centenas de milhar de euros, depois vem para o rio Douro e vive para o resto da tua vida… Mas não te estabeleças… não te estabeleças, faças lá o que fizeres, porque tens sempre oportunidade de conhecer uma gaja manobradora como esta Tina para te contar histórias e te fazer umas cócegas, se tiveres duas centenas de milhar de euros…»

É um bom conselho, mas Ribeirinho não pensa em me dizer onde é que eu vou arranjar as centenas de euros. A sua cabeça preocupa-se com assuntos mais importantes.

«Nunca hei-de esquecer o aspecto dela quando se amarfanhou e ficou ali no sofá, exibindo o latim e desafiando o freguês pró chegadinho. Ela também não era tão acanhada a falar… só que contava muita história. Que raio de paleio para se falar acerca de engate! Preferia que não gastasse tanto latim… pelo menos evitava que eu perdesse tanto tempo.»

«Penso», disse Ribeirinho, mais tarde, quando estávamos no bar, «que devia esperar que ela fosse assim. Afinal, se as amigas eram tão rascas, ela também não devia fugir à regra... está-lhe na veia. Mas escuta, Ratazana, a partir de agora vou deixar de pensar em Tina e nas suas acompanhantes… portanto, sempre que eu venha cá e me apresentes alguém interessado no negócio, já sabes que estou sempre disponível. Vou fechar uns dias para obras e quero que me auxilies. Não estou mais interessado em meter-me em aventuras.»

«Olha Ribeirinho, não vejo muitas hipóteses sobre o assunto…»

«É o que te parece. Vai correr tudo bem, quem to diz sou eu. Tudo o que tenho a fazer é fechar uns dias e abrir com novas caras para trabalhar nos alternes. Oh, Ratazana, vim até aqui para me experimentar… não me vais dizer que fiz mal, pois não?»

«Não, claro que não Ribeirinho, mas continua a pensar que…»

«Bem, c´os diabos, cada um pensa à sua maneira, tubo bem… Julgo que te devo uns favores...»

«Não, deixa lá isso Ribeirinho, não quero o teu mal… eu só quero que tu vás em frente… eu só…»

«Então põe aí outro igual a este, e não se fala mais nisso, ou preferes que peça isto como deve ser… Garçon! La même chose! Que tal?»

Ribeirinho está a ficar informatizado… já aprendeu a atender o cliente curvando-se à mordomo… a servir um pedido de uma ponta a outra do bar sem dar a impressão de estar a servir labregos… até a sua paciência está mais calma, pelo menos para atender os fornecedores…


- 1 - O autor encaminha a sua obra para o Google,
através do email: bardotraidor@gmail.com

Thursday, August 5, 2010


CONTOS DE RATAZANA
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O Pub do Cacá…





No Pub do Cacá… o empregado fazendo o melhor que é capaz com o seu inglês de bar!

«Nós não temos o Crime, mister. Temos o Jornal de Notícias e o Jogo.»
«Não», diz o mister. «Eu quero o Crime, tem um bom título. Só fala sobre o delito, não é?»
«É sim, mister.»
«Gosto do título; quero esse jornal. Compre-mo logo.»

Vai-se o empregado, com a gorjeta no bolso, e aparece o barman João a cumprimentar-nos. O barman João, é imensamente reconhecido, e está bastante firme de poder controlar a situação.

«Desculpe-me, mister. O empregado disse-me que o Senhor desejava o Crime. Não vai gostar do jornal, mister. Posso sugerir-lhe O Primeiro de Janeiro?»
«Não, quero o Crime. Gosto do nome. Os Portugueses são um povo fantástico, um grande povo aventureiro… Vim cá porque admiro o seu espírito bairrista. Quero arranjar esse jornal sobre o delito.»

O barman, de sobrolho levantado, distancia o olhar em torno da sala, firmamento. Impossível dizer o que está a imaginar sobre o mister, mas sei que as suas opiniões sobre mim e sobre Paulo, são meramente favoráveis.

«Já vão seis pró maneta, mister, mas não é sobre o delito… é sobre homicídios. É para leitores.»
«Bem, eu leio, tu lês… compre-o. Compre-o hoje.»
«Mister!», grita o barman João, preocupado, «não está a entender! É o jornal dos ´crimes`!»

Isto podia durar uma tarde inteira, mas Paulo descobre uma mesa onde está Cacá, o proprietário do pub, e é para lá que nos dirigimos. Cacá não faz cerimónia e convida-nos a sentar-nos. Segundo o que Cacá nos disse, alimenta vários romances, secretos e abrasadores. Através de mim, Paulo tem andado a frequentar o pub, farejando um esquema qualquer e Cacá ignora-o. Paulo sempre em toda a vida desejou entrar num desses romances, esquemas abrasadores de fazer tesão, sobre os quais se ouvem vagos comentários nos pubes da Invicta. Cacá é, realmente, o tipo de homem que Paulo gostaria de ser. Calças feitas por medida, uma bela cabeleira preta, uma carteira repleta de Visa-Visa, e um cordão de ouro ao pescoço para o embelezar, o ar sadio de quem come e bebe bem, e abastece de energias no ginásio do Dragão praticando boxe. Ele e Paulo passaram quinze minutos a confessar-se, abrindo-se um ao outro… eram como dois amigos falando, abertamente, decidir se num futuro próximo, deviam engatar A ou B, para gozar um fim-de-semana em qualquer lugar ou apenas irem para a pensão de Paulo para darem uma rápida… Talvez estivessem a representar um para o outro. De qualquer forma eles são completamente a favor de jogos quando se trata de conjugar planos com saias. Paulo, que ouviu o final da conversa do mister com o barman João, começa a falar das últimas novelas. A Patrulha de Segurança e dois guardas à paisana foram chamados, diz ele a Cacá.

«A velha táctica do Grande Reinaldo(1)… atrair as miúdas com os provincianos e fazer arrotar os labregos pelas miúdas. Oh, os nocturnos são sábios nos seus métodos, como também o são os galegos com a sua conquista muito simples. Regra geral uma tentativa do golpe de baú é suficiente para acalmar os nocturnos. China e Pedro(2) quase levaram as gémeas a entrar no manicómio…
…O saque das seis latas de moedas de vinte foi inteligentemente levado a cabo para que as gémeas não mais se esquecessem de ambos. Mas agora… as pessoas começam a aperceber-se de que China não era o único explorador na Invicta, era somente o mais exibicionista. E os nocturnos, como todos os machistas, têm a paixão do sexo… quando estão michos uma mulher da viela, éguas de luxo quando estão endinheirados.»

Após este resumo muito breve, Cacá, o barman João e Paulo estão na mesma onda quanto à venalidade dos factos nocturnos, e o entusiasmo do barman João começa a revelar-se.

«A questão é esta», diz o barman João, «hoje em dia toda a gente quer explorar toda a gente… é por isso que o delito nunca terá sossego. Porém, os nocturnos são o único grupo que se dedica a estudar a maneira de perder dinheiro na noite. Aqui não há nenhum jornal que não foque um artigo dedicado a assuntos da noite, e existem uma mão cheia de cronistas que dia e noite dão notícias e informações sobre a noite. Mas olhe para os pancadas… são loucos por sexo aberto…
«Até nos bares se fazem babados», interrompe Paulo, cansado de estar calado. Faz valer os seus conhecimentos, e agora percebo por que é anda sempre a falar para os porteiros, e sendo assim, sabe tudo.
«Ouve-se falar nalguns, poucos bares», continua o barman João, «artistas a fazer dois e três por noite, mas quem não sabe disso?» Os otários dos tipos que pagam os alternos, caríssimos, e um número escasso de clientes que visitam duas ou três vezes por semana. Na Invicta, as notícias sobre assuntos nocturnos são correntes no dia-a-dia.»
«Você comete um erro em relação aos bares por exploração», observa Cacá. «Esquece-se de que não são donos nem responsáveis que estão à frente do negócio… se fossem, tinham outras regras, obviamente. Digo-lhes que eles são gananciosos. Quando se houve o explorador de um bar dizer a forma como vai ganhar cinquenta euros em cinco minutos com uma prostituta de dez euros por um broche no reservado, vê-se logo que pertence à raça de Feliciano(3). É minha ideia que as pessoas são exploradas por abutres do negócio.»
«Não compartilho dessa opinião. Se fossem gananciosos não se lhes conseguia sacar sequer um chavo, e nós não estaríamos agora aqui a gastar saliva. Se não fossem especuladores, de que é que viveriam para pagar rendas tão altas? Mas como eu ia dizendo, os exploradores nocturnos, na Invicta, têm qualquer fêmea, boa ou não, passam logo a mensagem a dizer a estreia… em qualquer dos casos a publicidade produzirá uma alteração no aumento do negócio, e ele pode muito bem aproveitar-se no início, e safar-se antes de vir o desgaste. Há uns patos que vão ser chupados, pensam eles, mas eu não, que sou ganancioso e não vou gastar algum… É um sentimento anarquista, como vê…»

O barman João faz um gesto assentimento. Podia-se imaginar que era um ex-esperto nestas coisas… Tem a sala repleta à sua frente e olha à procura do casal chegado da rua…

«O meu último ponto de vista», continua Cacá, «baseia-se na facilidade com que o sistema das casas funciona em relação aos preços. Estabelecem aumentos altos, com um aumento de mais de cem por cento… inventam, sacam, maltratam, fazem tudo o que é preciso para receber e não ter que resolver o problema à solha.»
«E a bófia?», pergunta Paulo.

«A bófia faz aquilo que lhe compete, isso não se discute. O importante é não haver tiros e ninguém se aleijar entre os clientes.»

«Bom, a única coisa de que precisam é de um porteiro. Um bom porteiro, fardado, com classe, espalha a publicidade pelos bares de boa nota e pelos cafés da baixa que tem a frequência dos trabalhadores da zona Centro e tem garantido casa cheia. Só tem de lançar o programa… Os outros porteiros, ao divulgarem as suas informações, dão-lhe publicidade.»

O barman João concentra-se no seu espaço para analisar o trabalho que o espera. O rosto ilumina-se ao mero pensamento da conversa e isso torna-o quase eléctrico. Talvez esperasse que Cacá corresse para ir buscar uma matrona, e Paulo fosse chamar os porteiros, pois mostra-se desapontado quando a conversa termina, sem que daí nada resulte. Eu e Cacá prometemo-nos encontrar mais tarde, e Cacá vai sozinho no carro até ao Brasília Club. Paulo apeia-se uma zona mais em baixo. Então eu tomo a direcção da discoteca de Cacá… Cacá não deve ter chegado lá, mas deve estar alguém para dar à língua, o que é uma boa oportunidade para passar um bocado do tempo. Passo a sala a pente fino, mas está visto que gente não falta para dar cavaco. Cacá não se encontra ainda. A discoteca está meia apinhada de pessoal ávido para dançar e esperar pela meia-noite para ouvir uma de fado. Carlos Alberto, antigo vendedor da Ricard, encontra-se à beira do balcão e chama-me para lhe fazer companhia. Se tivesse um foguete, diz ele, deitava-o agora mesmo ao ar… O rosto de Carlos Alberto ilumina-se assim que me aproximo. Não esperava encontrar-me por aquelas paragens. Fica a palrar, como um papagaio quando exibe o falatório e não se pode dizer que o seu repertório seja curto. Eu imediatamente começo a escutar a ele.

«Ouve lá, tu estás fixe!», exclamo assim que ele faz uma paragem. «Nunca me disseste o que fazes para te conservares assim. Diz-me cá, só para os dois, há alguma hipótese de me dares essa receita?»

Já não tenho pedal em permanecer num ambiente destes, mas quero ficar a par das últimas novidades antes de deixar Carlos Alberto sozinho com ele próprio. Depois de algum tempo passado a contar as nossas asneiras, consigo ficar uns momentos a observar a sala. O espectáculo está no início com a música pimba a aquecer os corações destroçados… e não quero perder uma pitada do mesmo.

«Gostaria de durante uns tempos voltar a ser rapaz», diz, empurrando-me com um chega para lá, retirando-me do espaço onde estava pousado. «E não iria tão vazio para a outra vida… é melhor bebermos mais uma bebida.»
«A outra vida não se importa que vás vazio quando partires se, também levares um garrafão no caixão contigo», respondo-lhe eu. «Ela tem-te na lista.»

Carlos Alberto deixa-se emborcar na bebida e fazemos prognósticos enquanto ele saboreia, é chegado o momento do fado… A fadista do Brasília Club é tão graciosa como o fado que interpreta! Ah sim, ela parece que leu o meu pensamento. A fadista dá um ar da sua graça, e o público sente-se atraído pela sua voz. E para terminar… até canta um fado para a dor de corno… Lá vou eu para uma mesa para falar com Cacá que já regressou. Estive a falar com a Tesouro do Bairro, uma cliente da música salsa, digo-lhe eu. Estive a sondá-la para lhe dares uma foda, e acho que ela só se aninha por dinheiro… gosta tanto de money, como tu gostas dele no banco. Portanto… tudo o que ela quer é uma foda por cabrito e receber na hora. A minha opinião, como tenho certo conhecimento, é que não a fodas por dinheiro… Cacá acha que a minha opinião é muito relativa. Tudo isso é tão ocasional, diz ele… nem imaginas as gajas incríveis que eu tenho atrás de mim. Um dia destes apanho-a à medida para a levar a ter uma aventura, não acreditas? E há mais como esta. Claro que o diz com toda a naturalidade. Cacá deseja foder bem a Tesouro do Bairro, e tem uma lista de perguntas do tamanho de uma perna. Onde é que ela gosta de levar? Onde é que a vou encabar? Qual é a melhor altura para fazer isto ou aquilo? E durante os primeiros quinze minutos que trocamos de conversa, fica sentado a beber Licor Beirão e armazenar tudo na sua box cerebral. Ainda há muito dela que tem de ser explorado antes de a levar para a cama, exclama, e quer conhecê-la sobre todos os ângulos. Informo-o do local onde pode ver uma seta seguida de uma tatuagem que vai da cintura dela até baixo… Se bem que não saiba muito bem onde é que, mora o fim da tatuagem. Depois quer saber se é realmente o tal canal como pensa… ou é, apenas… rasteira? Não era a primeira, é claro… Depois disto apetece-me contar-lhe esta. ´Uma margarida qualquer, depois de umas apalpadelas convence o parceiro que está próxima a menstruação e põe-se disposta a tudo… pelo menos é o que ela disse. Uma vez enfiada na cama, foram favas contadas. Abriu-se como uma lapa e deixou que a manobrasse sem a menor dificuldade. E a cabra realmente deixou-se penetrar pelo espírito das loucuras… estava tão em brasa que não conseguia falar direito… e o prazer parecia uma alucinação.` Suspira, olha de relance para mim e desaperta o colarinho. Bebe uns goles de licor.

Talvez ela preferisse que eu lhe fizesse um telefonema para a levar a passear? pergunta-me. Pensou nisso quando estava a ouvir-me, mas acha tão banal usar esse pedido e, além disso, não se sente excitadíssimo… Contudo, se ela achar que eu não uso a nota para a comprar, vai ter que decidir daqui para a frente. Estou curioso como ela é… aquele seu pequeno cu arrebitado chega para me dar tesão, com tatuagem ou sem tatuagem. Como a como só com os olhos, o cu parece ficar mais arrebitado... Cacá puxa a camisa para baixo e entretém-se com as suas mensagens. Oh, aquela gaja! Passa o tempo a convidar-me para tomar café e levar uma queca! Quando é que alguma vez vou ter tempo! exclama ele. E eu sei o que é que aquilo o leva a querer fazer? Fá-lo querer perder a cabeça… sim, perder tudo... Mas depois de me revelar isto, faz-se atrevido. Por fim tenho de o elogiar e contar-lhe uma anedota dos nocturnos. Uhuh, graceja ele… mas é uma anedota ordinária, acrescenta logo a seguir... Estou certo de que a tatuagem de Tesouro do Bairro fazendo sessenta e nove com os clientes ficaram gravados na mente de Cacá, mas ele fecha-se em copas, ou mesmo de pensar em lhe comer o pacote. Raio, suponho que a podia conquistar por dá cá aquela palha… Qualquer prostituta, desde que esteja a ser paga, não é difícil convencê-la a umas brincadeiras extras. Umas cócegas no grelo e está pronta a tudo… mas ele quer que a iniciativa parta dela… ou pelo menos que ela assim o assuma. Conto-lhe aquela da vendedora ambulante que, depois de experimentar levar no cu, andou meio século até descobrir uma pissa que a satisfizesse… Riu-se assim que acabo de contar. Estas prostitutas! O que elas gostam de apanhar alguns patacos em troca de uns serviços! Do que a Tesouro do Bairro mais gostaria, agora, exclama ele, era que eu lhe metesse uma nota graúda na mão e a fodesse até ficar paralisada, mas não se quer familiarizar com a minha atitude mais do que o fez até à data… Mas eu posso ser tão teimoso quanto ela… Lanço-lhe as minhas pestanas, mordo-a à distância, com a língua aguço-lhe o desejo. Quando me aproximo muito dela murmura baixinho… eh… é hoje… por que é que não a levo agora… Oh, devemos ser iguais àquelas mulas matreiras das feiras, não devemos? Sim, estamos a fazer quase o mesmo papel que elas… Abana a cabeça quando lhe digo que lhe lance um repto. Da primeira vez esteve quase… depois passou. O que é que queres que eu faça? pergunta. Como se o desconhecesse, como se não tivesse um pequeno gesto de lhe oferecer um ramo de cravos, um saco de bombons, algo do que ela não estava à espera! Quero que ela mo chupe e também me foda. É isso? Fá-lo-á, se eu lhe pagar. Mas eu não pago.

Um tipo aguenta certas merdas até um ponto. Imagine-se uma mulher com uma vontade do tamanho do elevador dos Guindais, uma prostituta com os anos da putaria que a Tesouro do Bairro já tem, e a tentar convencer-me que não entende que quero que me dê uma goela! Decido dar-lhe só mais uma chance… depois, se não toma a iniciativa ao mesmo tempo que me conhece, ponho o seu nome na minha lista de espera e o caso arruma. Durante uns brevíssimos dias tudo se modifica. A Tesouro do Bairro aparece no meu bar… dá a impressão de se sentir realmente só e pede-me para lhe chamar um táxi. Digo-lhe para aguardar e Cacá subitamente aí vem, e ela está ainda a saborear o café da noite. Torno a pô-los lado a lado e ela também entra na conversa… pede-lhe uma boleia para casa. Assim que se encontram a sós a Tesouro do Bairro diz que não vai voltar com a palavra atrás. Não, desta vez perdeu a oportunidade… perdeu mesmo. Não faço ideia o que ela pensa de mim e por que me quer extorquir a nota? Tem de pensar que sou um amigo! Oh, uma prostituta tem que ter ética! O tempo para estas aventuras já pertence ao passado... Uma rapariga na sua idade e nas suas condições, tem de ter bom senso para tolerar certas coisas… etc., etc.… Quer engordar a boleia, mas eu tenho um encontro. Persuado-a a beber uma taça de champanhe, depois mais tarde. Torno a olhar para a seta. Aquela em que a Tesouro do Bairro exibe junto ao rabo atraindo os clientes enquanto lhe fazem namoro, parece exercer uma atracção sexual… Certamente que ela nunca teria feito aquilo se não tivesse um sentido intencional… Asseguro-lhe que nos veremos… e logo se ela viesse até ao pub numa de beneficência… ou prefere o cachet? Pensa que o cachet é mais agradável, mas realmente, não devia… e deixa-se ir de sorriso ardente e gravita no breu da noite como um tesouro apetitoso...
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- 1 - Antigo boss da noite
- 2 - China e Pedro: capangas do Porto, cujos saques provocaram a desgraça das suas vítimas...
- 3 - Personagem nocturna dos anos 80.