Saturday, November 21, 2015




         Quando Ratazana me convidou para o ir visitar na sua casa em Arca d´ Água, na Praça 9 de Abril, no Porto, em fins dos anos 96, tive ocasião de olhar para os seus inúmeros álbuns fotográficos. O que me saltou à vista não era a quantidade de fotos, tiradas de várias épocas, mas o facto de mostrarem várias facetas das suas multiplicas funções.
         As funções de Ratazana eram sortidas, e havia quem dissesse que era o barman dos sete instrumentos. Dom Oliveirinha recordou:
         ─ Na boate Electra Club, com 35 camareiras na sala, Ratazana quase nunca se dava por ele e era ele que punha tudo em funcionamento.   
         Já em 1970, o violista Mário Reis, que fazia parte do duo Os 2 do Norte relembra que, quando estavam a actuar na boate Tamariz, Ratazana usava um vocabulário de camareira, típico e bairrista, apesar da intromissão insistente dos empregados, antes de entrar em palco.
         Na verdade, muito dessas conversas eram calões. «Chama-se zé-das-notas», disse-me Ratazana, um zé-das-notas tão volumoso que parece banqueiro. Todos os calões tinham um tom de originalidade, fazendo jus à fama do barman como homem versátil.
         Outra faceta digna de realçar no vocabulário era o facto de haver muitas alcunhas diferentes. – Estas pessoas têm todas as minhas alcunhas – disse. – Se o meu dicionário aumentar, tenho sempre alternativas. 
         Quis saber como conseguia inventar tantas alcunhas, algumas mesmo a condizer com as respectivas personagens. Ratazana informou que estavam todas registadas com fotografias e coladas nos álbuns: homens e mulheres, alcunhas. Por cima de cada fotografia havia um número a preto numa etiqueta e cada alcunha seguia por ordem numérica.
         ─ Não gosto de baldaria, quando gosto de pôr tudo por ordem.       
         Depois, num tom mais humorado, acrescentou:
         ─ Nunca consegui imaginar chegar até aqui e tenho orgulho no grupo da minha obra. É algo fabuloso, único e belo. 
         Eng.º Carlos Artaloytia, o secretário-geral do Grupo de Traidores, congratulou-se quando fora nomeado por Ratazana para o cargo, no Restaurante Trave-Negra, no Porto. Alguns minutos antes, a eleição de Artaloytia gerou um banzé de comentários e piadas, que galvanizaram freneticamente o grupo. Durante o jantar, Ratazana e Artaloytia falaram dos tempos de Ratazana: dos tempos iniciais e dos tempos que fizeram parte do passado de Ratazana.
         ─ Uma ocasião, tive um bar à exploração ─ disse Ratazana ─ que gostava de transformar num bar-citadino. Era perto da baixa do Porto. A empregada estava ao balcão. Estava a contar o conto da camareira a um cliente para lhe sacar uma garrafa de champanhe e tinha os peitos sobressaídos. Olha, lá no alto da parede, o relógio a badalar próximo da meia-noite, o fecho do bar, num segundo saca uma garrafa de champanhe e logo outra e pede a conta. A empregada segreda ao ouvido do cliente qualquer coisa e a seguir desaparece. É a fuga mais rápida que alguma vez fez e livra-se de apanhar uma valente ensaboadela.
         Ratazana parecia ter embalado para um intervalo.
         ─ E o que aconteceu depois? ─ Artaloytia debruçou-se para a frente da mesa.
         Ratazana voltou-se e sinalizou o cliente ao seu lado direito, Novais, que era alcunhado de Baixinho e que mais conhecia as suas histórias.
         ─ Pergunte a Baixinho. O resto é com ele.
         ─ Estou a lestes ─ replicou Novais.
         ─ Também quis fazer parte do engodo ─ prosseguiu Ratazana. ─ Quando ouvi os desabafos dele, à porta do bar, percebi de imediato que aquele era um cliente ainda verde, em especial em barretes, e sem o sangue na guelra.
         «E preparei outra manobra, à espera de outro engodo: levei os dois para dentro do meu carro e fui até Espinho. Enquanto o carro se movia ao largo da estrada 109, os dois iam a falar das suas combinações: uma rapidinha com ele, o pagamento dos espumantes, e outras questões de somenos. Mal o carro pára no local marcado, é quando a empregada se esgueira pela outra porta, e o cliente fica dentro do carro. Perguntei-lhe se ele não ia com ela, ele respondeu que o barrete só se enfia uma vez. Pensei: que homem inteligente! Um inteligente num campo minado. Uma vez qualquer um cai duas só cai quem quer.
         «A verdade é que ele não caiu, pelo menos que eu saiba.»
         ─ Só não sei onde vai buscar tanta malandrice para as suas histórias ─ disse Artaloytia.
         ─ São rasteiras ─ explicou Ratazana. ─ As rasteiras são o meu entretenimento. Sempre me interessei pelas rasteiras porque delas subtraio algo de muito hilariante que contadas depois são histórias do arco-da-velha.
         «A manobra na noite é normal, todos nós sabemos que ela há. Mas dominar a manobra no escuro, isso é uma coisa que requer pesquisa.
         «A manobra nem é tão difícil de desvendar. Afinal, todos nós fizemos manobras quando éramos putos. Nada que espante. Só a ratice é diferente. Esse predicado de esperteza está enraizado em todas as pessoas.
         «É aquilo que nos atrai que nos seduz, aquilo que a nossa natureza suspira, já que no contexto, o apetecível é mais cobiçado do que o comível. A novidade é sempre bem-vinda. Nunca fui adepto da cara incapaz de encher gavetas e de outros monos. Gosto de uma coisa mais «chamariz». Qualquer coisa bela que aparece num quotidiano palpitante. O quotidiano chamariz é uma ocasião única para o sucesso e engrandecimento.
         «Pessoalmente, sempre me despertou reunir as pessoas fora do vulgar.
         «Resumindo, tudo se conclui a despachar o mono. O nosso próprio mono e o de algumas pessoas. Não é só aquilo que nos livramos. É também aquilo que toda a gente se quer livrar e procura livrar-se.
         Ratazana estava sentado em frente de Artaloytia, durante a comezaina do Grupo dos Traidores, na Adega dos Abraões em Vila Nova de Gaia. Este engenheiro amante da dolce vita criara à sua própria volta uma onda de simpatia, levando os traidores a terem um respeito recíproco pela sua personagem vincada.
         Ratazana perguntou:
         ─ Como veio parar até nós?
         Artaloytia respondeu:
         ─ Quando me convidaram disseram ‘Venha connosco!’ Não quis dizer que não… só para os não contrariar.
         ─ Foi uma boa atitude da sua parte ─ comentou Ratazana. ─ Não podia ter escolhido melhor hora.
         ─ Não foi boa nem má ─ prosseguiu Artaloytia. ─ Só quis conhecer a casa e conhecer outros amigos. Não contava conhecer assim tantos.
         ─ Não confiar em todos os amigos é uma boa precaução durante a vida ─ disse Ratazana. ─ Sabe, no festejo do 6º Aniversário do bar, fiz um acordo pré-assinado com os traidores para evitar a confusão dos cravanços de amizade. Praga. Era mais praga de que qualquer praga de ilusão. Nessa altura, ninguém deixou de assinar. Era confortante. Mas ficou-me na ideia durante todos estes anos.
         ─ Acho que há poucos clientes que venham verdadeiramente para cravar, seja no bar ou num estabelecimento similar. Só tem de disfarçar, porque cravanço é uma coisa que toda a gente procura esquivar e pôr-se a francos. O cravanço pode ser mais horrível de que qualquer coisa que nós possamos imaginar.
         ─ Tentar ajudar os amigos quando se puder também requer algum simbolismo de amizade ─ observou Novais.
         ─ Ouvi falar de um cravanço que o senhor anda a querer receber há uns meses mas … ─ disse Ratazana.
        ─ Mico ─ interveio Novais. ─ Teria sido um empréstimo sem importância mas abafaram-no para que ninguém desse ao lamiré. Mas não estão zangados.
         ─ O meu coração é muito sensível aos amigos ─ explicou Artaloytia. ─ Mas quando as pessoas não sabem comportar-se como deve ser ou não tentam, fico três vezes mais sentido que o próprio.»
         ─ Mudemos de tema ─ disse Ratazana. ─ Desde os meus tempos de miúdo que sou um ferrenho de livros de todos os géneros. Quando comecei a interessar-me pelo mundo da noite passei a sentir mais atracção pelas histórias, e em especial, às histórias nocturnas, que poderiam ser a base para uma carreira.
         «Há uma história que li num livro qualquer, não me lembro qual, e de que nunca mais me esqueci. Não é por aí uma história de grande monta, mas merece ser contada.
         «Era uma história sobre uma prostituta veterana que gozava ao sexo. Era tão boa na matéria que atraía os clientes-broncos à conquista por blá-blá-blá para seduzi-la. Não é difícil de entender que uma cantada mal cantada e fora de tom deve ser extremamente desconsolada quando as peles não aumentam.
         «Um lambido cabeludo que se atirava ao barrote pôs-se a fazer olhinhos e, habilmente, a tal prostituta usou a técnica de levantar o músculo com a maior descontracção mas nada resultou.
         «O lambido disse: ´És boa demais.`
         «A prostituta respondeu: ´E tu mau de menos.`
         «O cabeludo saiu de cabeça cabisbaixa. Que frustração!
         «Não sei a história era assim ou não, acrescentou Ratazana, mas é tão rocambolesca que talvez fosse.
         A nossa conversa era à roda do mundo da noite, um tema que apaixonava Ratazana e, Artaloitya não se cansava de o ouvir. Artaloitya era muito mais velho do que Ratazana.
         ─ Penso que as pessoas que gostam de beber ─ disse Ratazana ─ têm menos interesse pelo sexo.
         «Quando era miúdo, eu era muito ardido e sexualmente descomplexado. Era trintão quando casei.
         Notando na expressão de malandro no rosto de Novais, riu-se momentaneamente e, logo, prosseguiu.
         ─ Penso que demasiada bebida quando se está desocupado aniquila o sexo. Por isso, tem de se parar de beber para se libertar o sexo. Acho que isso ajudou a criar um ambiente de sexo no meu ofício. 
         «Tal como o engasgo, experimentar uma tossidela faz-nos sentir atrapalhados. Na noite, podemos experimentar estes sintomas dispersos, sem ter culpa disso.»
         No fim do jantar, Ratazana tomara a sua bebida preferida na juventude: um pingo de café com leite. Tanto Ratazana como Artaloitya comiam muito devagar. Já que ambos pareciam apreciar as histórias e estar interessados em ouvi-las.
         As moças que andavam a servir às mesas não passavam de camareiras de bar que Ratazana trouxera para ajudar a servir o jantar. Uma das moças trouxe a cabeça do galo em cru e sorriu abertamente, de fila de dentes cerrados e saia muitíssimo curta. O seu olhar resplandecia malícia ao informar a Artaloitya, que o pica-no-chão, era uma oferta ganha a leilão pelo Engenheiro Campos, acrescentando em seguida, num acto de meia-galisse para Artaloitya, que sentia uma enorme atracção física pela sua pessoa e que a noite era ainda uma criança. Como que entusiasmada da sua própria lata, afastou-se vagarosamente para a sua cadeira. Artaloitya, que a cortejava á bastante tempo, olhou-a e distribui-lho um olhar não menos malicioso.
        Então, voltou-se para Ratazana e disse:
         ─ As suas camareiras não são marotas, são maroteiras.
         Disse que lhe fazia lembrar a primeira namorada que deveria ter sido a última. Deveria ter sido o seu primeiro amor mas não o foi.
         ─ A minha namorada favorita conquistei-a num luxuoso bar de hotel, onde o barman me estava a servir um bourbon. A jovem vinha de penteado aos caracóis e trazia um saco floreado da moda e estava a dar uns pequenos retoques ao cabelo através do espelho da sala. Depois, a jovem dirige-me um olhar deveras cativante, enquanto caminha. Está muito compenetrada no seu olhar. Saboreia-o mentalmente. 
         «Mas todos nós sabemos o que acontece quando alguém pensa numa conquista. A ilusão irá criar um balão cheio de oxigénio e naturalmente os intervenientes também. Quem sabe como esta jovem que acabei de referir.
         Um cliente perguntou a Ratazana se o grupo quando saísse dali iria para algum lado especial. Ratazana disse que não e acrescentou que todos os presentes, incluindo ele, seguiriam em directo para o bar, excepto alguma excepção à última hora.
         ─ Há uma coisa que gostaria de lhe perguntar ─ disse Artaloitya. ─ Como foi passar assim tão repentinamente de um bar de alternos para um bar de saídas?
         ─ Não foi tão diferente como esperava ─ explicou Ratazana. ─ Com clientes melhores e bom grupo feminino, todas as possibilidades eram atraentes. Por outro lado, na cidade do Porto tudo parecia muito igual e, logicamente, mais saturador por causa dos sistemas rotativos e da necessidade de um projecto mais aliciante. Além demais, a cidade do Porto está cheio de bares das mesmas características.
         «Loureiro, o meu primeiro boss da noite, queria implantar num velho bar da baixa que servia de bar cervejaria para uma casa de passe com quartos. Queria explorá-lo numa casa de prostituição mas, acabou por isso, ir parar à prisão.
         ─ Que coisa feia ─ disse Artaloitya ─ porque a prostituição é ilícita. Foi brilhante não se ter misturado numa coisa dessas. Não podia ter feito melhor opção.     
         Enquanto Artaloitya se serviu de novo uísque, Ratazana acabou de fumar um cigarro e propôs uma malandrice.
         ─ Vamos jogar o jogo da pitarrela ─ disse. ─ Escolhemos uma rapariga e, depois, vamos tentar descobrir a pitarrela.
         Deu uma olhada em volta e decidiu-se por uma rapariga de aspecto desconsolado, branca e de lábios finos. ─ Num bar cheio de clientes bem consolados, essa rapariga salientava-se por estar extremamente desconsolada. ─ Uma desconsolada é como um bife sem sal, porque ninguém a quer comer de cebolada ─ explicou Ratazana.
         Um cliente que se encontrava aos fundos da mesa do nosso lado direito, profundamente entretido em estilhaçar os palitos, chamou a atenção de Ratazana. Os dedos do cliente tornavam-se num alicate. Olhando o homem, Ratazana salientou que o homem não se sentia à vontade. ─ Vê-se que ele está nervoso com os palitos, caso contrário não teria feito um monte de pauzinhos, que estavam a ornar a taça de champanhe.
         «Estão a ver o homem? Tem uma pele muito fina. Pode ficar-se a saber muita coisa acerca de um homem, olhando-lhe para a pele, ─ disse Ratazana.
         Artaloitya bebeu um gole duma golada só.
         ─ Acredita que, quando era menino e moço ─ disse Artaloitya «era tão corpulento que as namoradas, a minha mãe, as criadas, estavam sempre a tentar dar-me uma dieta? Comia de tudo que viesse para a mesa e bebia de tudo um pouco que estava numa mesa. Pensava que tinha a bicha-solitária. Nesse tempo, só vivia para o estudo.
         ─ Eu era ao inverso ─ disse Ratazana. ─ Sempre fui leve mas era forte. Acho que nunca perdi a sorte porque não tenho aspecto de não ir a todas. Não tenho aspecto de quem desiste à primeira, só por ver aquela palha.
         ─ Há-de ganhar muitas sortes ─ observou Artaloitya. ─ Dê tempo ao tempo.
         Artaloitya perguntou a Ratazana se gostaria de ser magro e meio gordo.
         ─ Gostaria. Mas gostaria pensar que não corro à balda. Corro o essencial. É a minha disciplina prioritária.
         Enquanto a conversa decorria, Novais mantinham-se contador de anedotas, um homem baixo, simpático, que conversava muito. Ratazana olhava de lado para ele, para ver a sua reacção quando o picava.
         ─ Sabem como é que este senhor se deu comigo? ─ perguntou Ratazana, olhando de sobrolho para Novais. ─ Acompanha-me sempre nos espectáculos. Tem dom, mas para eu aturar as suas embirres, só preciso de tapar mais os ouvidos. E depois manda-me àquela parte. Não posso enervá-lo por muito tempo, senão Baixinho chama-me ranhoso certamente. 
         ─ É um homem calmo ─ comentou Artaloitya.
         ─ Fomos feito um para o outro ─ disse Novais. ─ Os nossos estilos centralizaram-se.
         ─ O Novais já era cliente de bares quando o conheci mas não sabia tanto como eu ─ prosseguiu Ratazana. ─ Fui eu quem o ensinou. Por isso é que ele me aturou tanto.
         Novais soltou uma risada envolvida com o fumo do tabaco. ─ Porque gosto de ranhosos como você.
         ─ Que boa piada ─ observou Artaloitya.
         Ratazana acenou.
         ─ Sim, já a conheço.
         ─ Vocês são um ponto ─ disse Artaloitya olhando fixamente para Ratazana.
        ─ Ouvi dizer que, depois de acabar o serviço, você consegue saber o movimento todo ─ disse Artaloitya. 
         ─ É verdade, sim senhor.
         ─ Já conseguia fazer isso, quando começou a iniciar a sua carreira, no início dos anos 70?
         ─ Sim. A minha mente funciona às maravilhas, tal como a mente de um contabilista, pensando por números. Tenho armazenado boas lembranças da minha infância, dos tempos do tasco de meu pai. Posso é não ter a certeza de me lembrar de todas. 
        Ratazana fez uma pause para o cigarro, prosseguindo:
         ─ Aprendi a fazer isso com ele. Agora não sou capaz de passar um dia sem revisar todas as mesas, todos os clientes da sala, todas as despesas dos clientes. Demoro é às vezes um tempito a mais. 
         Ratazana rematou:
         ─ A minha vida é um livro. Se assim não fosse, não sei do que estaríamos agora para aqui a falar?       
         Perguntei a Ratazana se era verdade que não esperava pelo total da máquina registadora no fim do serviço.
         ─ Não e explico-lhe porquê – respondeu.
         ─ «Aí por volta de 1971, depois de acabarmos os trabalhos juntos, o patrão Loureiro, chamou-me para assistir com ele à soma do apuro do dia. Como já não estava ninguém na sala, fui à casa de banho, tirei o bloco de notas do bolso das calças, somei parcela por parcela e, quando cheguei ao balcão, depositei o dinheiro e disse-lhe: ´Este é o meu apuro. Agora, desconte os créditos que fez aos seus amigos.´ A partir desse momento, estabelecemos uma regra como fazer em termos de créditos e, por isso, nunca mais tive de utilizar o bloco de notas. Agora, só preciso de estar atento ao movimento para saber exactamente qual a parte que me cabe.»
         Artaloitya relembrou o slogan de Ratazana no certame para a eleição da Miss do Bar, todos os anos eleita, de que «as raparigas dos arranjinhos merecem esse tributo.»
         ─ Fui elogiado de dizer isso ─ confessou Ratazana ─ mas acho que o que faço não passa de uma simples brincadeira. É evidente que gosto de tudo o que é festas e as raparigas não me levam a mal por isso. 
         «Sempre estive de braços abertos para dar uma boa festa às raparigas que colaboravam comigo.»
        Enquanto falávamos, aproximou-se um cliente, a pedir uma boleia para casa a Ratazana e ele prontificou-se a levá-lo. Depois do cliente se afastar, Artaloitya virou-se.
         ─  Estão sempre a chateá-los estes tipos.
         ─ Nunca me chateiam – replicou Ratazana. – Numa família têm de haver sempre um ´Cristo.´ E porque não ´eu?.`
         Dava-lhe enorme prazer que os clientes ou as raparigas do bar requisitassem os seus serviços e contribuíssem com a mesma moeda.
         ─ A moeda tem duas faces e a face é incógnita. Por isso mesmo, para mim, prestar serviço e fazer com que ele angarie mais público é a principal função de um servidor. Caso contrário, é melhor mudar de ofício.
         Ratazana deitou o cigarro fora.
         ─ E é uma boa maneira de não andarmos para aqui a estorvar-nos uns aos outros. Engenheiro Luís V. de Almeida tem a resposta certa. Quando não gosta dos seus empregados, despacha-os.
         ─ Há alguns colegas com que gostasse de ter trabalhado?
         ─ Claro que sim. Hamilton da Tentativa. Sabia que conseguia ter três amantes juntas na boate? Gostava de ter traba-lhado com Reinaldo Teles. A Taberna do Infante é uma casa soberba, uma das melhores. E gostava de ter trabalhado com Aurora, mas tal nunca acabou por acontecer.
         Intervim que tanto Hamilton, como Reinaldo Teles e Aurora estavam fora do ofício.
        ─ Invejo-os – disse Ratazana. – São todas umas grandes personagens da noite. Eles sabem que eu me entusiasmava com os seus efeitos. Eu próprio lhos disse numa certa ocasião. É verdade. Penso que, na realidade, comandar mulheres é somente uma questão de começar por escolher as melhores camareiras. Depois, tem-se uma táctica para elas.
         Quando estávamos a levantar da mesa, Artaloitya disse: ─ Tem uma folha de serviços de que pode orgulhar-se muito, mister, nem sei o seu nome verdadeiro. 
         ─ Trate-me por Ratazana. É a minha alcunha traidora. Orgulho-me sim, mas tive alguma sorte. A parte principal é saber aproveitar.
         «Algumas vezes, sentia que ia bacilar. A meta que separa o êxito do malogro é muito rente. Consegui equilibrar-me no trapézio, apesar de não ter tido vocação para trapezista.»

         Quando saíamos do tasco, Novais disse-me: ─ Em todos estes anos que lidámos juntos, este maduro, desculpe o termo, nunca me aborreceu por completo. Não há muitos clientes que possam dizer o mesmo.