Sunday, March 30, 2014


FERNANDO ABRAÃO
E RATAZANA
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O
MUNDO
DA
NOITE
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Por volta dos anos 83 aguardava-se que um serralheiro da construção civil mostrasse a sua virilidade de machão. António Glória vinha fodendo as raparigas dos bares, desde meados dos anos 80, com os seus gestos excêntricos de atirar as notas para cima da mesa. Quando iniciou a tarefa de trabalhar por conta própria, em 1983, trouxe com ele, para Sines, um grupo recrutado de homens, começando logo a trabalhar com eles. Embora fosse um homem casado, passava a maior parte do tempo fora de casa, altura em que o seu nome estava ligado a várias prostitutas. Era frequente a forma como tratavas as prostitutas com tal rigor que mesmo um proxeneta teve-o de o aconselhar a ter mais calma e serenidade (isto é, ser menos bruto). Depois de ter subido na carreira profissional, por empreendimentos de maior dimensão, em 1987, uma empregada da noite de

um cabaré contou como Glória a tinha feito sua amante, quatro anos atrás. Antes de formar uma firma individual, Glória contou ao barman do bar que frequentava assiduamente que tinha levado para a cama quase mil raparigas. Um livro publicado após a sua aposentação, Escritos Traidores, conta que em noites de sangue quente, ia até um bar da sua preferência, fosse em Lisboa ou no Porto, e sacava uma rapariga e levava-a para o seu apartamento privado. Mesmo durante a sua passagem, ninguém levava a mal com engates deste género; eram de esperar de um homem cheio de notas e cheio de speed.

Toninho Alves, o terrível «Gungunhana do sexo», dos anos 85, tentou decidir exceder Glória ao engatar duas ou mais raparigas no bar, havendo alturas em que parecia que estava louco por relações sexuais. Muitas vezes, acabava a sua relação batendo com a cabeça do pénis na cabeça da acompanhante, e uma ocasião pô-la coberta de chocolate-baunilha. Rodeado permanentemente por «grupos», Alves era capaz de «servir-se das raparigas como algumas pessoas comem tremoços». A sua virilidade era manifestamente extraordinária. Duas cabriteiras fizeram uma aposta interessante a ver quem dos clientes mantinha a gaita de pé depois de uma relação; um deles provocava a ereção pelo sexo oral. Alves foi um dos raros clientes que conseguiu ser capaz de manter a sua gaita de pé até elas se cansarem, mas também, aquele a quem as cabriteiras não conseguiram acompanhá-lo, porque a sua gaita se recusava a murchar. Em 1985, com trinta e cinco anos, Alves contratou numa noite um grupo de raparigas de ballet para animar os amigos na sua vivenda e bebeu demasiados uísques para gozar que a seguir desmaiou ao aspirar o próprio vomitado. Foi reanimado tão rápido e tão espontâneo que não deixou de fazer amor como todas elas, como nos bons velhos tempos do ano 83. Ficou célebre a sua fórmula. ´Se me foderes primeiro, apresento-te o melhor de mim`.


O acontecimento mais relevante do cabeçalho de O Jornal Dos Traidores do ano 83 foi o título que anunciava a morte de João Cesário, também conhecido pelo Galileu, e mais a sua acompanhante, em 7 de Junho de 1984. Galileu, o professor biológico e a acompanhante empregada de um bingo da cidade de nome Elsa, divertiam-se num fim-de-semana, num apartamento em Mérida, em Espanha, quando o amante de Elsa com a sua cumplicidade, entrou de sorrateiro na sala, munido de uma lanterna e de uma faca. Cesário não deu por nada e foi roubado e depois deixado ao abandono — Galileu, que continuava a dormir, assim ficou. Abraão, dono de O Bar do Traidor, encontrava-se no café quando recebeu a triste notícia. Imediatamente a seguir vieram os boatos. Um mau-olhado de O Jornal Dos Traidores escreveu: «Durante meia semana os boateiros sobre a desgraça de O Mundo da Noite falavam de comprimidos, droga e exibicionismos sexuais. O primeiro boato referia-se que as mortes foram cometidas por excesso de velocidade e especulava-se que tinha havido falha mecânica. Falava-se também de comprimidos relaxantes e perversão sexual. Na noite seguinte às mortes de Galileu e Elsa, o próprio Abraão foi com uns amigos, ao restaurante onde o Galileu tinha jantado e conhecido a jovem Elsa — conquistada ao acaso —, onde combinaram seguir para o apartamento em Espanha, depois de tudo acertado entre ambos. Dois dias mais tarde, no bar, uma prostituta chamada Teresa, sentada à mesa de um grupo de clientes, admitiu perante uma companheira de mesa que estivera quase para se envolver nessa viagem e a companheira contou que também fora convidada. Desabafou. «Olhai, onde é que eu tinha ido parar? Debaixo dos torrões». Depois de um dos casos mais chocantes e arrebatadoras das histórias dos bares do Porto, Abraão reuniu-se com os seus traidores (como chamava ao grupo), para receber nessa tarde, no bar, o famigerado morto-vivo. Tornou-se evidente, durante a receção ao Galileu, que a sua morte fora praticamente um lapso — o seu corpo tinha sido confundido, porque no seu carro e no seu lugar seguiam o amante e Elsa. O carro embateu contra um camião na autovia de Vigo, tendo-se incendiado de seguida, e os corpos ficaram carbonizados. Depois de Galileu ter sido recebido com estupefação por parte de toda a gente que enchia o bar, estes ofereceram-lhe de beber e deixaram-no contar a sua façanha. Após ter narrado a sua história, o Galileu retirou-se e juntou-se às raparigas da rapidinha. Depois embrulhou-se e, após alguns mimos, mandou vir umas bebidas para elas, para o sofá. «Não restam dúvidas sobre como escapei», diz o Galileu no seu comentário final. «Abri o coração à aventura e quase me ia lixando com ela. Não estava para morrer. Quando regressei a casa e perguntei à minha patroa se ainda gostava de mim, recorreu à sua expressão atual. «Sim, morto-vivo». Cinco anos depois, a história do morto-vivo tinha fascinado todo o cliente do bar. Em 1990, é recebido com saudade — um gesto, sem dúvida, mais salutar. Um ano depois, o Galileu veria publicada a sua história no livro de Ratazana ´Escritos Traidores`, com uma narrativa fabulosa, falando com alguma verdade das diversas mulheres que foram com ele para a cama e contando toda a história que o obrigou a afastar-se dos bares e da «nait» (noite). O livro conta tudo. (Não só dele como dos outros clientes-traidores) Descreve, por exemplo, a tuléria da sua tentativa de bater o recorde dos traidores ao levar cinco mulheres para a cama e fazer amor com todas elas, e o que aconteceu depois da sua vinda de Espanha. Uma artista de sexo feminino, levou-o para um cubículo, onde dois sofás ao comprido estavam transformados numa casa improvisada.