A
HISTÓRIA DO MORTO-VIVO
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O ACONTECIMENTO mais relevante do cabeçalho de O
Jornal Dos Traidores do ano 83 foi o título que anunciava a morte de João
Cesário, também conhecido pelo Galileu, e mais a sua acompanhante, em 7
de Junho de 1984.
Galileu,
o professor biológico e a acompanhante empregada de um bingo da cidade de nome
Elsa, divertiam-se num fim-de-semana, num apartamento em Mérida, em Espanha,
quando o amante de Elsa com a sua cumplicidade, entrou de sorrateiro na sala,
munido de uma lanterna e de uma faca. Cesário não deu por nada e foi roubado e
depois deixado ao abandono — Galileu, que continuava a dormir, assim
ficou. Abraão, dono de O Bar do Traidor, encontrava-se no café quando
recebeu a triste notícia. Imediatamente a seguir vieram os boatos. Um
mau-olhado de O Jornal Dos Traidores escreveu: «Durante meia semana os
boateiros sobre a desgraça de O Mundo da Noite falavam de comprimidos, droga e
exibicionismos sexuais. O primeiro boato referia-se que as mortes foram
cometidas por excesso de velocidade e especulava-se que tinha havido falha
mecânica. Falava-se também de comprimidos relaxantes e perversão sexual. Na
noite seguinte às mortes de Galileu e Elsa, o próprio Abraão foi com uns
amigos, ao restaurante onde o Galileu tinha jantado e conhecido a jovem
Elsa — conquistada ao acaso —, onde combinaram seguir para o apartamento em
Espanha, depois de tudo acertado entre ambos. Dois dias mais tarde, no bar, uma
prostituta chamada Teresa, sentada à mesa de um grupo de clientes, admitiu
perante uma companheira de mesa que estivera quase para se envolver nessa
viagem e a companheira contou que também fora convidada. Desabafou. «Olhai,
onde é que eu tinha ido parar? Debaixo dos torrões.» Depois de um dos casos
mais chocantes e arrebatadoras das histórias dos bares do Porto, Abraão
reuniu-se com os seus traidores (como chamava ao grupo), para receber nessa
tarde, no bar, o famigerado morto-vivo. Tornou-se evidente, durante a receção
ao Galileu, que a sua morte fora praticamente um lapso — o seu corpo
tinha sido confundido, porque no seu carro e no seu lugar seguiam o amante e
Elsa. O carro embateu contra um camião na autovia de Vigo, tendo-se incendiado
de seguida, e os corpos ficaram carbonizados. Depois de Galileu ter sido
recebido com estupefação por parte de toda a gente que enchia o bar, estes
ofereceram-lhe de beber e deixaram-no contar a sua façanha. Após ter narrado a
sua história, o Galileu retirou-se e juntou-se às raparigas da
rapidinha.
Depois embrulhou-se e, após alguns mimos, mandou vir umas bebidas para
elas, para o sofá. «Não restam dúvidas sobre como escapei», diz o Galileu
no seu comentário final. «Abri o coração à aventura e quase me ia lixando com
ela. Não estava para morrer. Quando regressei a casa e perguntei à minha patroa
se ainda gostava de mim, recorreu à sua expressão atual. «Sim, morto-vivo».
Cinco anos depois, a história do morto-vivo tinha fascinado todo o cliente do
bar. Em 1990, é recebido com saudade — um gesto, sem dúvida, mais salutar. Um
ano depois, o Galileu veria publicada a sua história no livro de Ratazana ´Escritos
Traidores`, com uma narrativa fabulosa, falando com alguma verdade das
diversas mulheres que foram com ele para a cama e contando toda a história que
o obrigou a afastar-se dos bares e da «nait» (noite). O livro
conta tudo. (Não só dele como dos outros clientes-traidores) Descreve, por
exemplo, a tuléria da sua tentativa de bater o recorde dos traidores ao
levar cinco mulheres para a cama e fazer amor com todas elas, e o que aconteceu
depois da sua vinda de Espanha. Uma artista de sexo feminino, levou-o para um
cubículo, onde dois sofás ao comprido estavam transformados numa casa
improvisada.
Extraído do livro: O Mundo da Noite, Porto.
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