Saturday, February 28, 2015


 
                                                         Os Pipis
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Enquanto eu me debatia com o balcão às moscas, vazio, sem ter uma alma viva, eis que a chegada de Pipi da Tabela trouxe os rumores de uma história dos tempos da carqueja do meu avô! E uns minutos depois, na presença de alguns clientes, desafiei-o a contar uma história diferente por ele vivida em terras estrangeiras. E começou… ─ Sou um imigrante no Luxemburgo. Quando lá cheguei fiz de tudo um pouco até tomar conta de um café. Um dia tive a feliz sorte de ver uma mulher da terra depositar nos contentores do lixo umas sacas que atraíram o meu faro de imigrante. Depois dela desaparecer, fui vasculhar as sacas e deparei com um conteúdo valioso que me fez despertar uma ideia genial ─ fez uma pausa para beber um ginger ale. ─ Levei o conteúdo das sacas para o café e pus o tacho no fogão a aquecer com um pouco de azeite. Quando terminei, depositei o material em cima do balcão e coloquei um cartaz que dizia assim: «VENDE-SE PIPIS.» E ele fez nova paragem para saciar a sua sede. ─ Mais tarde, quando se constou na vila, as pessoas apareciam aos magotes no café para provarem os tais «pipis». Faziam inchar as bochechas como quem sopra num balão. E o negócio entre Março e Dezembro transformou-se num autêntico negócio da China. Foi a minha melhor época até eles descobrirem o meu preparo e aí acabou-se o negócio, os miúdos de frango foram para o galheiro!...

                                                                                                                              Abraão, em Escritos Traidores. 


ÀS DEZ E CINQUENTA desta manhã dou comigo dentro de um bar e depois de me sentar a uma mesa do canto ouço uma estação de rádio. Rádio Instantâneo. Se aquilo que o locutor disse é mesmo a sério tenho que me habilitar. Mesmo que para isso tenha que escutar a noite inteira. Lálálá… Lálálá… Desde os fados que adoro os versos. Não há muitas letras que me façam confusão. O homem foi apanhado na marmelada com a sua companheira junto ao mar por um peixe-piranha que saltou da água e mordeu parte da gaita. Pobre coitado. E agora teve que ser socorrido nas urgências hospitalares, para lhe fazerem um excerto de pele tirada dos tomates, afim de encher a parte faltosa. Eu cá é que não gostava nada que me enfiasse na minha ferramenta um bocado dos meus tomates. Mas o pobre coitado também não tinha muito por onde escolher. Que raio de sorte. Há dias em que um homem não deve sair de casa. Discuti o assunto comigo mesmo. A história da ferramenta era um assunto muito grave e cauteloso. Não vale a pena estar aqui a explicar tudo ao pormenor, penso eu. Para que é que deu ao peixe a maldita ideia de vir apanhar ar fora de água, mas as técnicas da medicina remediaram a situação… E mais à frente o locutor anunciou: ─ Não há marmelada p´ra ningém.


                                                                                                                               Abraão, em Escritos Traidores.

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