Sunday, October 24, 2010




  CONTOS DE RATAZANA
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Correia, Gouveia e os Futebolistas…


Correia e Gouveia, são donos da Barbearia Copacabana, nesta semana de Outubro, têm dito montanhas de coisas a respeito dos Futebolistas. Toda essa história acerca da má vontade preguiçosa dos Futebolistas é uma mentira, diz Correia. Quanto à preguiça está de acordo… mas em relação à má vontade há muito a falar.

«Hora e meia para o golo», rezinga ele… «Costumava pensar que uma equipa que jogava desta maneira tinha de ser uma equipa francamente boa… até que descobri como é que essa hora e meia é passada. Com pontapés, em passes diagonais… queres realmente saber por que é que levam hora e meia a meter golo? Porque pensam que num descuido a bola está lá dentro, que não se sentirão tentados a marcar nem mais um golo da táctica que a si próprios planearam. Se ficarem na retranca há sempre a possibilidade de aparecer alguém a enfiar-lhes com um peru para a divisão de pontos. Em resumos largos, é assim que a coisa se processa… arrepiam-se com a ideia de fazer penáltis, porque fazer penáltis custa sempre qualquer coisa. Olha, Gouveia, vê, tenho aqui uma coisa para te dar a ler…» Mete a mão ao bolso e tira um bocado de papel que põe em cima da cadeira. «Isso é um escrito, que li esta manhã, de um escrutínio desportivo, aparentemente bem conceituado. Estás a ler o que diz… as profecias de um bruxo. Para os Futebolistas, fazer a coisa funcionar é isto.»

E por aí adiante. Arranja mil soluções para deitar abaixo os Futebolistas, mas o verdadeiro rebuçado da discórdia é que o clube de Gouveia sofreu uma certa perturbação desde que iniciou a época. Não ligo muita atenção a tudo isto, contanto que ele não ameace deixar de me cortar o cabelo. Ele que diga tudo o que bem lhe apetecer… desde que eu saia com cabelo em cima da cabeça e ele não faça sangrar nenhuma das orelhas, por mim pode fazer todos os prognósticos que quiser. Não que eu não goste deles… se olharmos todos estes trinta anos que passei na Rua António Cândido a ser barbeado e penteado por ambos, nós damo-nos bem. Eles contam-me tudo o que se passa ao redor do quarteirão; eu retribuo-lhes com as minhas histórias de clientes e colaboradoras do bar. É uma ligação que funciona lindamente.

Algo de novo está a acontecer ao Porto… pelo menos, é o que Correia me diz. O Porto ainda me excita, por isso não tenho qualquer motivo para acreditar que Correia me esteja a querer adormecer logo pela manhã… O argumento que Correia me conta é a de que o Porto se anda a fazer a ganhar tudo… e os adversários devem entender essas intenções, suponho eu. Bate-me aos olhos uma notícia passada, vinda de um cronista reconhecido, onde diz que o Porto está a coleccionar vitórias e termina revelando que este Porto está interessante. Gouveia mostra-se ao lado da notícia, mas penso que também está de acordo. Vistas bem as coisas, Correia e Gouveia são uns tipos porreiros e se bem que Gouveia se mostre mais vítima da conversa, em geral, não me custa nada a acreditar que gostem de pintar a manta de vez em quando. Acrescenta Gouveia, o seu clube quer experimentar novas contratações; contratou-os como craques, embora sem nomes sonantes, e praticamente sem ritmo europeu. A princípio Gouveia pensou que se tratassem somente de reservistas, mas agora está convencido de que o seu clube enfiou barrete com eles. Quer saber a minha opinião… não que lhe interesse muito, ao fim e ao cabo. Bem, por que não? O clube de Gouveia provavelmente considera que já se estampou de tal maneira em contratá-los, que agora não fazia sentido perder a oportunidade de levá-los no próximo torneio para os próprios empresários fazerem negócio. Se quiserem vender o que é comprar gato por lebre, é agora ou nunca. Gouveia concorda, risonho, porque é isso mesmo o que ele quer ouvir. Que tal este ano? Quem vai ser o novo campeão? Quer ele saber. O seu clube ou o meu? Quer que eu lhe dê o meu prognóstico, como se eu fosse um adivinho. Atira uma tesoura para cima do balcão, pedindo-me para eu me ver ao espelho por trás, e atira-me mais perguntas.

«Por favor, importa-se de pôr a cabeça mais para baixo?», por fim acaba o serviço e levanto-me da cadeira. «Há quatro candidatos para o título.»

Gouveia mostra-se comedido. Todo ele é simpatia. Por que é que não o disse mais cedo? ou prefiro que ele, quando chegar ao fim, diga que afinal, eu estava certo? Este barbeiro! Se não tem existido tinha de ser inventado… Estou ainda a sacudir alguns cabelos, olho-me ao espelho e passo-lhe uma nota para a mão.

«O que vai fazer a respeito do seu clube não resgatar os bilhetes?», pergunto, depois de meter algumas moedas ao bolso.»
«Ainda não pensei… Vou decidir isso na altura… Estou com uma curiosidade em ver o que isto vai dar.»

Depois resolve ir ao café antes que eu tenha resolvido voltar ao assunto…

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