Friday, November 12, 2010




CONTOS DE RATAZANA
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FERNANDO, MARLENE E FREITAS…



Freitas sempre acabou por tramar o encontro de Marlene. Conheço alguns pormenores do caso, mas Fernando já nos vê a todos a gozar às pazadas.

«Não sei o que se passa com ela, sabe», queixa-se ele embalado por um copo de uísque Famous Grouse, que pareceu ser a sua expressão de desolação face a uma vida de pecado, «deve ser do níquel… Mas, c´um raio, não me sinto culpado de os ter apresentado; na verdade, também dei à tal rapariga um certo empurrão…»

Por que motivo, belos pecados, teria Marlene faltado ao encontro com ele? Eis uma coisa que Fernando não entende. Se isso não se tivesse dado, tudo teria sido legal… teria passado uma tarde em nice com ela, e as preocupações quanto aos negócios que fossem pela ribeira abaixo. Mas, assim… assim, sente-se realmente partido.

«Marlene zangar-se-ia se eu tivesse comido uma amiga», diz-me ele. «Ela tem miolos suficientemente espertos para compreender que coisas como essas acontecem; que, de quando em quando, um homem necessita de descarregar baterias. Mas c´um caraças lá ia eu saber que ela não vinha à festa… uma festa com tantas vistas a baterem-se a mim? E o dramático disto tudo é que eu dei uma má foda! Agora, aqui para nós que ninguém nos ouve, veja na posição em que fiquei sozinho diante daquele arsenal todo… não sabia quem devia escolher para me satisfazer totalmente, ou se devia armar-me em parvo para que elas me escolhessem a mim.»Freitas deve ter-lhe assobiado aos ouvidos – ou então limitou-se a estar na sombra e deixou-o perfumar a sala toda, pois Fernando é um vicioso fumador de charutos cubanos.

«Marlene, mostrava-se tão certinha a respeito de compromissos… andava sempre colada a mim, era uma coisa que se metia por mim dentro. E, no entanto, deixou-me colado ao sofá, desejosa de fazer não importa o quê para agradar a quem… era uma rapariga perdida no vício…»

No estado em que ele se encontra, tudo aquilo que eu pudesse dizer só ia contribuir para o enfurecer mais. Das duas, uma: Ou pensava que eu estava a encobrir uma boa colaboradora cobiçada, ou entendia que eu o tinha deixado fazer figura de morcão. Opto por me deixar estar calado atrás do balcão e faço votos para que quando o leão vier para o Palácio de Cristal eu esteja lá com a minha máquina fotográfica para lhe tirar um boneco. Deixo Fernando desabafar… tenho ouvido histórias mais bizarras só para vender uns copos a mais…

«Não creio que ela fosse com outro», diz, com ar apreensivo. «Se o fosse, não me tinha telefonado passado duas horas a dizer que se tinha esquecido… Calculo que se embebedou nalgum bar ou coisa parecida. Mas foi malfeito um tipo sentar-se à espera da sua miúda, e ficar a ver navios. Mas, quando estiver com ela na próxima, vou comê-la e, obrigá-la a fazer tudo em câmara lenta… Meu Santo Pau! Que rica foda… e eu consolo-me… e não consigo esquecer a ela… Que raio de vício, pá, você, conhece-a bem, o que é que ela é capaz de fazer durante o dia, se não faz nada? Acha que vai fazer uns cabritos? Minha Sorte. Quem lhas vai cantar sou eu, quando estiver com ela…»

Tem sido com casos deste género que Fernando se tem deliciado a passar o tempo. Quanto a Marlene, a história é outra, mas é também uma boa história. Por qualquer razão quer levar-me a crer que anda envolvida em saltos de trapézio sem rede… talvez julgue que eu me vou chibar a Fernando e ele sinta dor de corno… Não se esquece do tal jogo do pau de dois bicos…

Trata-se de dois certos tipos… tão certos que Marlene nem se preocupa com os demais. E segundo se consta, aqui há umas tardes, esses tipos já lhe fizeram uma proposta a dar para o arrocho, no atelier de Marlene. De acordo com a história que Marlene me conta, ela apresentou-lhes uma estimativa mensal para que eles a lessem, um de cada vez, que os deixou assustados. Então, quando se deram conta que ela não regulava pela boa, ficaram calados, telefonavam-lhe para a convidar para a cama e gozavam com ela…

Se ela ao menos tivesse feito uma redução! Se esses melros fossem gente rasca, por exemplo, eu ainda a podia acreditar… Mas estas personagens eram de peso… talvez cofres… e toda a exorbitância soma de números corresponde à montagem de uma matemática que só existiu na sua cabeça.

«A forma como se esquivaram!», exclama Marlene, fingindo um assopro. «As coisas que fui obrigada a ensinar! Não há palavras que as descrevam… nem quero pensar nisso! Agarrada a um telefone! De pernas abertas, e à disposição de homens sempre prontos a malhar! O que eles não fariam se algum dia eu viesse a faltar!»

Marlene, a não ser que tenha juízo, está sujeita a afundar-se. Em Portugal, quando uma mulher começa com espertezas deste género, vai a um charlatão para lhe darem sugestões. No Porto é mais provável que acabe numa cama de pensão com uma amiga e um chulo munido de uma faca de algibeira…

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