O Marmorista Baril
A opinião de Baril, um marmorista que
passava o seu tempo no cemitério de Santa Marinha, em Vila Nova de Gaia, a
compor lápides para o bom embelezamento das campas, era uma opinião bastante
controversa.
− Medição por comprimento do morto, −
disse uma vez o Chefe dos coveiros − deve ser burro quem o diz, porque o morto,
depois de morto; dá sempre o último suspiro e aí cresce uns pós acima da
tabela.
Contra o marmorista e o Chefe dos coveiros
estava também a família dos Minúsculos, que viu o seu filho-anão de vinte anos
morrer com um osso engasgado na garganta e reclamava que tinha direito a um
caixão de meio metro, pois assim pagava menos enterro e tinha direito a
subsídio para flores, lápida e velas nos dias de fiéis.
Para o pai Minúsculo, todos estavam
errados uma vez que o anão é descendente do bebé e devia ter os mesmos direitos
iguais na hora da partida sem retorno.
− Que leis
estas! − Dissera ele, quando o funeral se pôs em marcha a caminho do cemitério
de Santa Marinha. − Tanto aparato para quê? Para os gananciosos das casas
funerárias sacarem um balúrdio, os coveiros fazerem um buraco medonho, os marmoristas
porem uma pedra de cascalho (dizem que é mármore) fazerem uns sarrabiscos e
pedirem uma fortuna e nós os pais, ficamos com um encargo às costas.
O Chefe dos
coveiros, quando ouviu esta reclamação, nem lhe deu troco e virou as costas ao
funeral.
−
Outro que tal! − Resmungou o chefe a caminho da guarita. − Pensa que o
cemitério é a Leitaria Suil, já vem para aqui choramingar.
À mesma hora, no mesmo local, enquanto o
funeral se dirigia para a capela do cemitério, Baril, o marmorista, dava um
retoque final na lapida destinada ao recém-
chegado e
estava de cócoras, de martelo e pincel junto à cova, quando a presença, ao
lado, de uma viúva a enfeitar uma campa lhe despertou a curiosidade.
− Meu Santíssimo! Mas que coxa gorda!
Murmurou ele, chegando para trás e pondo-se deitado sobre o monte de terra que
destapava a campa do próximo cliente.
− Por aquela febra não me importava nada
de ir prós anjin…!
Ele chegou-se mais para trás e os pés
escorregaram na terra húmida, indo estatelar-se no fundo da campa e ficando
inconsciente por uns momentos.
Assim que acordou, agarrou com as mãos a
terra como se a quisesse devorar. Os olhos saíam-lhe das órbitas e fazia
lembrar um extraterrestre. Sonhara que tinha ido às profundezas de Saturno e
assustou-se tanto que até se babava da boca com soluços, dizendo cá para fora
tanta asneira que nem sabia o que dizia.
Era uma espécie de praga, em que o culpado
eram as medidas. “Odeio as covas e detesto estas medidas que não dão para um
tipo se virar à vontade de um lado para o outro. E digo mais: Detesto estes
coveiros que são todos uns cagões de merda.”
Depois deste lamento inflamado, Baril
pegou na sua ferramenta e, nem sequer olhou para a visitante, pôs-se na alheta
antes que se fizesse tarde. “Que susto, disse ele, passando o lenço pela testa
suada, até me mijei nas cuecas com aquele maldito buraco.”
E desapareceu pelo cemitério a correr,
feito maluquinho, nervoso e queixoso, sem olhar sequer uma única vez para
trás.
No comments:
Post a Comment