O Motorista de Táxi
Era uma vez um motorista de táxi, sexagenário e atrevido, empregador de
um carro com imensos quilómetros em cidades e vilas, que partira a trabalhar
por terras distantes, deixando abandonada e triste a sua mulher e três filhos,
que ainda viviam na sua casa, em Gondomar.
A estrela Norte que o vira abalar, levado no seu sonho de aventura e de
dinheiro, começava a ruir — quando uma das suas conquistas amorosas apareceu,
com a barriga cheia, grávida do calor ardente e de uma cena tórrida, trazendo a
boa nova de um bem abençoado e do nascimento do rebento, alcançado por muito
amor à flor da pele, à volta dos pinhais.
A mulher chorou desoladamente a perda de casa do marido, que era jeitoso
e alegre. Mas, sobretudo, chora ansiosamente o pai que assim deixava os filhos
desconsolados, no meio de tantos problemas das suas difíceis situações e do
futuro que seria incerto, sem uns braços fortes que os defendessem, e os
encorajassem para a vida.
Desses problemas o mais penoso era a outra, amante jovem do marido,
rapariga leviana e fraca, consumida de vícios novos, desejando só a boa vida
por causa do seu tesouro, e que havia meses vivia numa casa sobre os pinhais,
com um desarranjo de trapos, à maneira de uma loba que, dentro do seu poiso,
guarda o tesouro.
Ai! O tesouro agora era aquele bebé, dono da mama, senhor de tantos
nadas, e que dormia no seu berço com o seu ursinho de plástico agarrado na mão!
O menino dormia num berço de verga, filho da modesta e robusta mãe
doméstica de dezoito anos que amamentava o seu tesouro. Tinha nascido num dia
de Primavera. A mãe antes de adormecer, vinha fazer festas ao menino, que tinha
o cabelo preto e fino. Os seus olhos reluziam como pedras brilhantes.
Naquela terra pequena de Cete, onde o motorista de táxi alugara uma casa, ela tinha a ilusão, a realização dos seus sonhos. Nenhum idílio correra mais depressa do que o seu pelo motorista de táxi à volta dos pinhais. O motorista de táxi, seu amante, estava agora a trabalhar numa outra postura, para lá da cidade, circulando também em aldeias e vilas. O seu carro de trabalho, um Mercedes de 1981, estava ainda aí para as curvas. Os novos clientes, que fosse angariando, prontamente iriam nessas aldeolas voltar a chamá-lo e a ouvir os seus maliciosos ditos. E ela por seu lado, não desejaria mais de que ver a luz a raiar na casa do seu homem, e tomar conta do menino, e ligar a televisão nos seus programas preferidos; era as novelas como os filmes, e ficava feliz na sua servidão.
No entanto uma grande confusão reinava na casa, onde agora a despesa
aumentara mais do dobro. O amante, o taxista passava de cavalo para burro viera
para a aldeia com a sua experiência, e já através de alguns contactos ia vendo
uma praça fraca de clientes assíduos e passageiros. Os comboios da vila tinham
sido demasiados gulosos com os clientes. Nas posturas andavam menos
passageiros. Um táxi não rola sem um passageiro. Toda a postura parecia um
stand de carros abandonados. E a rapariga preguiçosa apenas sabia correr a cada
momento ao encontro dos seus vizinhos e mostrar a eles a sua fraqueza de mãe
solteira. E às vezes, parecia insegura — como se o serviço que estava debaixo
da sua alçada fosse tarefas grandiosas que nenhuma coragem pode transpor.
Ora uma noite, noite de trovão e chuvisco, vindo ele a chegar do
trabalho, já exausto, entre os dois houve um chispe, maior que um
curto-circuito e de briga, à entrada do quarto de banho. Enraivados um com o
outro, atirando cá para fora tudo o que lhes saía pela boca, a relação estourou
rotundamente. Depois houve um «vê se te mexes», e cada um foi para o seu lado.
Puxou violentamente os cobertores da cama. E, lá no fundo do quarto, o bebé
dormia, num sonho que o fazia iluminar, toda a face entre os seus cabelos
negros.
Num relance, a mãe então, sem
uma vacilação, tirou o tesouro do seu berço de verga — e embrulhou-o à pressa
num xaile negro, entre um esgar de olhos desesperados, abalou velozmente.
O taxista dormia no seu sono pesado. A cama ficara fria no silêncio e no
escuro. Mas sinais de alarme de repente tremeram a sua cabeça. Pela mente
trespassou o curto vibrar das pulsações. Os suores ressoavam com o bater do
coração. E desgrenhado, quase nu, o taxista invadiu a casa, entre os móveis,
gritando pelo seu filho. Ao avistar o berço de verga, sem roupas, vazio, caiu
num choro, destroçado.
Depois mais frio, mais calmo, ele
compreendeu — a casa vazia, a rapariga doida indo embora, roubar o seu menino!
Então, rapidamente, correu à cadeira onde as calças estacionavam, sacou o
telemóvel, como se saca uma carteira, e falando com alguém no telemóvel, o
taxista partiu à descoberta de seu filho...
Também ele sofria pelo menino! Quantas vezes, com o bebé agarrado ao colo, ele pensava na sua fragilidade, no seu longo crescimento, nos anos lentos que seriam antes que ele fosse ao menos do tamanho de chegar com os pés aos pedais, e naquela mãe imatura, de temperamento mais frio que o lavado e coração mais insosso que o temperamento, faminta do repouso, e residente com os pais acima da sua antiga casa uns metros adiante! Pobre bebezinho de sua alma! Com uma ternura grande o imaginava entre os seus braços.
O taxista lá ia, irrequieto, remexido, devorando quilómetro a
quilómetro, num pensamento que o fazia sorrir, lhe molhando todo o rosto, entre
os seus cabelos desalinhados. Bruscamente, se acercou da porta da casa da
rapariga e recuou, como que adivinhando ir armar grande banzé. Sabia
perfeitamente que ia! Então voltou para trás.
E passados momentos, a rapariga
chegou a casa dos pais. Bateu à porta com um alívio, como cai um fardo de cima.
Um choro abalou o chão de pedra. Era o bebé a chorar, o seu choro madrugador.
Nos seus choros havia, porém, mais sono que fome. O bebé então parara de
chorar! Tocado, ao sentir, entre o mimo e a chupeta, embalado, pela mão forte
da mãe, acordara, ele e o seu olhar maroto… — quando a mãe da rapariga,
deslumbrada, com os olhos bem abertos, olhou o menino que despertara.
Foi um espanto, uma alegria, quando a mãe da rapariga ergueu o menino
nos braços, manifestando a sua força hilariante, abraçou apaixonadamente o neto
abençoado, e o beijou, e lhe chamou netinho do seu coração…. E entre aquela
caloria que se soltava ali, veio uma boa, desejada alegria, com promessas de
que fosse ajudada, relativamente, a filha regressada para alimentar o seu bebé.
Senão como podia ela sustentar um filho? Se não tinha um emprego? Então o velho
pai lembrou que ela fosse levada ao tribunal de menores, e dissesse de entre
outras coisas, que era uma mãe solteira, desempregada, e que esperava receber
todos os subsídios que a lei confere…
A rapariga tomou o caminho do pai. E sem que o seu rosto de branca
perdesse a rigidez, com um andar de defunta, como num sonho, ela foi assim
apresentar-se ao tribunal de menores.
Pais solteiros, mães solteiras, familiares, rode ganapada, lá estavam entre aquela multidão que se apertava na entrada. As altas portas do tribunal abriram lentamente. E, quando um funcionário, se assumiu à porta, de face vermelha, com montes de papelada, e chamou a rapariga e o motorista de táxi, todos os demais se remeteram ao silêncio durante segundos. Um grande «Ah!» voou da boca do taxista que respondera. Depois houve uma pausa, curta. E no meio da sala, envolta na mudez preciosa, a rapariga não dizia uma…. Apenas os seus olhos, reluzentes e firmes, se tinham erguido para aquele funcionário que, além dos processos em suas mãos, era portador de determinações e decisões.
Era lá, nesses processos de foro conjugal que estava agora o destino do
seu menino!... Então a rapariga sorriu e estendeu a mão a uma caneta. Todos
seguiam, sem articular uma palavra, aquele lento movimento da sua mão a assinar
o documento. Que assinatura grandiosa, que punhado de papeis, estava ela a
assinar?
O funcionário lia o processo — e a seguir ao ponto final parágrafo,
entre uma recolha de testemunhos, revelou a decisão. Era uma decisão assinada
pelo juiz a que conferia à mãe a tutela do bebé, a título provisório.
O motorista de táxi deixara de ouvir o fim da leitura, e com o semblante
carregado de revolta, apontou para a parede, onde um quadro de uma velha
balança, com dois pratos carregados de vários símbolos, e que simbolizavam os
valores da lei, encarou a rapariga, o funcionário, e gritou:
— Dei-te o meu filho, e agora vou pagar-te o seu sustento e fico sem ele!...
E cavou as solas no chão.
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