Friday, March 30, 2018




                                             
                                            BIOGRAFIA
                        1970 – 2014

                                      OS 2 DO NORTE_______
ENDEREÇO
Praça 9 de Abril, 139 / Amial
4.200-422 - Porto
CONTATO
Fernando - 966762381

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LIVROS – de - Fernando Abraão
A Música Que Eu Dou / Escritos Traidores

FERNANDO ABRAÃO fundou o duo
Os 2 do Norte em 1970.
Rufino e Mário foram os elementos  do duo.
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Depois de uma carreira artística auspiciosa pela passagem por alguns conjuntos de música variada, Abraão formou com Rufino o duo em 1970, estreando-se na Boite Roma.______________________________

Não negarei que, nos princípios dos anos 70, fomos ensaiados ali na Confeitaria Miami, em Cimo de Vila, na rua dos comes e bebes. O nosso ensaiador era o grande fadista Neca Rafael. Durante um ensaio, a meio da cantiga, Neca explodiu: ─ Vocês não vão lá? Mas quem é que disse que vocês não vão lá? ─ Saímos do ensaio e fomos ao tasco mais próximo comer um pão com presunto e beber uns negos de vinho. Na nossa frente estava uma sala repleta de comedores e bebedores que só falavam em voz grossa. Depois de satisfazermos as necessidades dos nossos estômagos, voltamos ao ensaio. Fizemos muitas versões diferentes de alguns trechos populares à nossa moda. E aproveitamos para levar ─ os originais ─ ao máximo para fugir ao demasiado banal. Ao fim de dois meses de ensaios, o segundo teste depois da Boite Roma, foi no nigth club A Candeia e fomos classificados de “vulgaríssimo” por alguns especialistas na matéria: estão ainda muito verdes e o que vem a ser um dueto Além demais, acrescentam, se ainda querem melhor prova de que se trata de uma treta, ouçam bem: não faz sentido cantarem em espanhol a não ser que acredite que o grande Neca já esteja cheio do fado e pô-los a cantar galego. ─ Para que se saiba, nós estamos em 1970, ─ zombam os cronistas ─ E, até esta data, o Papa já tinha ouvido desde há muito falar da grande Amália e do fado português.
Em 1972, foi a vez de Mário Reis integrar o duo ─ Os 2 do Norte ─ por troca com Rufino, e o duo, prosseguiu uma carreira aumentada pela gravação do seu primeiro disco.___________________________
Mas, nesses tempos, no Porto, o lançamento de um artista estava na primeira infância. Não havia T.V. a levar os novatos ao colo, os empresários só se ralavam com as vedetas puras. Além disso, as maiores casas de variedades estavam proibidas de apresentar estreantes do tirolês franciscano, tendiam para os catedráticos do Passeio da Fama ou a música da Emissora de Carcavelinhos. A imprensa era também parola. Não me lembro de ver nenhuma fotografia de um artista do pé rapado em revista de especialidade, quanto mais nos jornais diários. E esse foi também o ano de Ó Tomás, Ora Chega Lá P´ra Trás e Troquei Porquê, de autoria de Neca Rafael, que nos lançou na rampa do sucesso, um tema classificado “Só para ouvir a dormir”. Contudo, um cronista assegurou que nunca ouvira falar no Duo Os 2 do Norte, nem visto os seus retratos até àquele dia por aí espalhados pelos jardins da Cordoaria. Sempre assegurou que o seu único dueto fora ele e a sua sogra, quando estavam com visível bebedeira a discutirem com quem ia dormir a filha…
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O que é uma “dor de corno”? Vejamos no dicionário: “dor de cotovelo”. Um ato motivado pelo ciúme, e é tudo: uma experiência amorosa mal conduzida que se torna uma praga. A maioria de nós contenta-se em, debruçar-se sobre uma garrafa de vinho e chama a isso sina: e até nos babamos quando embriagados dessa «desgraça». Como se fôssemos uns coitados que votam a favor da infelicidade. Uma das maneiras de entender a história dos “cornudos” é realmente pertencer à classe deles. A maior parte de nós tira uma rifa quando escolhe a sua parceira: para toda a vida, para um momento de tédio sexual, para companheira das horas vagas, para criada de todo o serviço, tudo é mais alguma coisa. Mas os infelizes exigem para si mesmo aquilo que se pode chamar desgraça alheia. E o fado, o fado da dor de cotovelo, é o sedativo que abre as portas da solidão para eles; a porta do desanuviamento total.

Em Portugal é voz corrente que o fado a que me refiro é precisamente um daqueles tónicos com que todo o guitarrista, cantadeira e fadista tem no abecedário do seu repertório, para abrilhantar os serões noturnos de qualquer casa de fados, ou locais de romantismo puro, contra o qual todos os amantes sentem o respirar das suas mágoas. Nenhum portugês se esqueceu das suas raízes e de uma cultura como o fado, que passou a fazer parte dos nossos jovens.
Era uma ideia fixe: cantarmos fados de dor do cotovelo que batessem fundo na alma dos desesperados. E foi assim que sucedeu. Depois de termos passado «a nossa dor» pela sala do ensaio da Miami ou pela Candeia ou pelo Roma. E foi Neca o primeiro a ouvir-nos cantar o fado e a dizer-nos que o fado atravessava todas as classes sociais, que pertencia a toda a gente por igual ─ e que fazia parte da minha geração, ─ porque amadureceu a nossa inquietude quando nós éramos chavalos, passou a sua dor durante a nossa cavalgada pela aventura, tornou-se o nosso fardo e está a ficar barrigudo à custa das nossas lágrimas. Assim, de acordo com a versão de Neca, fortalecemos a nossa alternativa no repertório e nós, o duo, começamos de facto a entoar fados da dor de corno, sempre que algum cliente precisava de aconchego à alma. Tal como dizia Neca, “Fado of Oporto” ou então “Made in Portugal” e não “produto enlatado”.
Depois do sucesso Ó Tomás, ora chega lá p´ra trás, Abraão e Mário, empreenderam novas carreiras profissionais e cada um seguiu a sua vida. Por esse motivo, Os 2 do Norte atuaram em alguns espetáculos ao longo dos anos seguintes.
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Nigth-clubs (Outros)                      Grandes Palcos
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Roma                                                                 Coliseu do Porto
Candeia                                                             Casino de Espinho
242                                                                     Festas da Aldeia
Porto à Noite                                                    Feira Popular
Severa                                                               Mutamba
Tamariz                                                             Clube das Devesas
Gato Negro                                                       Estrela Vigorosa           
Japoneza                                                           Circo Arrayolos
Club Lord                                                         Circo Maravilhas
Casa da Mariquinhas                                      Estalagem Santiago
Adegas do Norte                                              O Braseiro      
                                                                                                                                                    
            O porquê de Os 2 do Norte, no Café Tropical. Alcunha surgida na
             conversa de café, por um empresário ao chamar Abraão à mesa:
                                               “ Ó tu, que és do Norte?”_______________

·         2 Discos gravados
·         6 CD musical (FA)
·         Mais de 100 músicas originais
·         Com resenhas em vários livros do autor.
                                              Os 2 do Norte (1973)
                             “O fado? ─ Todos o trazemos dentro de nós.”
                                                 Neca, O Humorista
Ser Artista
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Embora eu sonhasse, em certa medida, vir um dia a tornar-me num artista de carreira, tenho de confessar, por instantes, que a tarefa não era nada fácil. Para que o leitor possa compreender melhor como isto chegou ao que chegou, vou levá-lo até onde o pai do humor fadista, Neca, então nos seus cinquenta e tais, sentado à mesa do café Tropical, de olhar perdido no horizonte, com um copo de água e uma chávena de café ao lado, pensando… Sempre que pensava, pensava com a manobra da vida ou o fado. O fado como ele adorava, era quadra ou sextilha sempre a rimar, aritmeticamente numerado, com um sentido p´rá galhofa e a condizer com o seu estilo inconfundível de humorista de primeira água. Era um fadista constantemente chamado para os melhores espetáculos da cidade. E levava sempre com ele os guitarristas habituais, além da fadista que fazia parte dos seus ─ humorísticos ─ e donde saíam os momentos de charadas mais interessantes e pitorescos da sua veia narrativa com que fazia uma letra de fado alegre.
Circo Danzer
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Nos tempos dos circos, quando Neca ia lá cantar uns faduchos e o público delirava com a sua forma de cantar com a boca de lado e os escarros enviados para o chão. A minha lembrança fez-me recordar uma vez, quando Neca, que estivera com gripe e não pudera comparecer ao programa circense. O dono do circo, um indivíduo de nacionalidade romena cognominado Don Manolo, tão danado ficara que não conseguira aguentar o ímpeto do público em pé nas cadeiras aos berros: Queremos o Neca ou Restitui a massa. Esses berros estridentes representavam para Don Manolo a ruína e o descalabro da companhia e pôs a imaginação e o engenho unidos a funcionar. Pegara nu microfone e falara de uma só vez. - Ustedes, tenham calma, - disse ele abanando a cabeça com respeito – O fadista Neca não pôde aparecer por estar engripado mas, em seu lugar, eu tenho uma estreia internacional. Senhoras e Senhores convosco: O Senhor Camelo!... Tal como Don Manolo previa , o público ficou irritado e teria deitado o circo abaixo não fosse a rápida intervenção da polícia chamada de urgência ao lugar. A juventude fadista admira-o e procura seguir-lhe os passos. Por consequência, esperam-se represálias por parte do fadista quando soube da afronta em que o seu nome foi envolvido. -Fazer de ti um camelo, nem faz lembrar o diabo! – Fez notar o amigo. – Precisava mesmo de levar uma lição. Mais tarde, debaixo do desespero, o fadista Neca, fora de controle, foi ao café Palladium e, no meio da discussão com Don Manolo, disse-lhe que não admitia o insulto e mandou-lhe com uma cadeira à cabeça. – Se estás a pensar que sou algum camelo estás enganado. Eu não vou consentir em ser tratado com esse vexame por um badameco como tu.
Quando eu digo que sonhava ser um dia ─ um artista ─ não me queria referir incluir no seu grupo, porque o fadista Neca foi o maior artista popular de sempre. Aquele cujas letras do seu repertório traduziam à letra os problemas do quotidiano, aquele cujos rivais nunca conseguiram superar, estou certo que o mais difícil dos meus leitores vai concordar com os meus escritos. Ele era o maior da família fadista, cujas letras faziam os rádios da cidade andarem numa constante fona à procura de inundar as ondas locais. Ele mesmo dizia, era melhor pôr um disco ou uma cassete das suas músicas no rádio e ouvir atentamente, do que ir ao dentista, ou então, dar uma ´braitada` mal dada. Desde o princípio comentou que o fado faz parte da vida de um bom português.    
Resenha Literária

Um mês e um dia, por acaso, uma exceção, coincidiu com o abandono de Rufino à música, e o novo duo fez a sua apresentação na Boite Tamariz. Após os primeiros espetáculos, Mário Reis, um rapaz tecnicamente bem dotado da mão para ritmos sul-americanos e para o dedilhar abafado de cordas para o fado, mostrou ser um praticante à altura das exigências profissionais. No intervalo de uma atuação, enquanto nós afinávamos as violas, Mário pôs-se a olhar de pestaninha para a artista de variedades que teve um grande à-vontade de despir-se totalmente à nossa frente. - Ora bolas, Mário - disse eu, irritado - desce o mi grave dois tons abaixo e deixa-te de estar p´ra aí a olhar, ainda partes a corda. Mas os olhos dele brilharam de novo. - Como é que se pode afinar um instrumento de madeira com um instrumento de pêlo aqui ao nosso lado? ─ Sim, claro que se pode – disse eu, franzindo o nariz – se estiveres concentrado. Cinco minutos depois, o processo de afinação estava concluído.
Na Casa dos Discos

Na casa dos discos, fui indagar sobre a venda de discos do duo e dirigi-me ao balcão para falar com o gerente da loja. – Então, as nossas vendas vão bem? – disse eu, dando uma vista de olhos às últimas novidades discográficas. – Suponho que irá ter saída – desafio eu, a trautear uma frase da primeira canção da segunda faixa Lá Vem o Comboio. – Quando o duo alcançar o top, senhor Abraão – disse o gerente muito baixo, estendendo-me a mão para me cumprimentar – vai ter que ter mais juizinho nessa ânsia de beber. – E, dizendo isto, as suas feições alteraram-se e riu-se na minha cara. Eu saí da loja dos discos, fazendo ouvidos moucos ao dito do baixinho e segui na direção da rua dos tascos, onde fiz uma paragem de emergência para embutir um traçado de tinto com branco.      

Na Casa de Fados____________                                                         

No Outubro de 1972, fiz finalmente a minha estreia no casino de Espinho, com que sonhava há vários anos, integrando o duo, ao lado de Mário Reis. Nesses últimos tempos, tanto Mário como eu, retomamos os ensaios e preparamo-nos afincadamente para uma rampa de lançamento a sério. Uma nova geração de empresários da noite, incluindo casas de fado e divertimentos turísticos, dedicava-se agora a lançar e promover novos talentos em troca dos consagrados artistas vindos da grande Lisboa. Na sua maneira de falar à malandro, Mário tentou contagiar o dono da casa de fados com o seu entusiasmo por esta nova linha de orientação que tão útil fora para os desempregados: “força”, “assim é que é”, “maravilha”. E, depois desta surpreende-nte troca de impressões, o dono da casa de fados mandou-nos ir aquecer as vozes para entrarmos em cena. E foi assim que fizemos. No camarim, Mário começou a afinar lentamente a nota de dó pelo lamiré e depois, mais calmo, disse; - Apostas que já temos aqui trabalho para um mês?
Deus te ouça – respondi eu. – Se preciso de ganhar umas massas, é neste preciso momento. ─ Pois, então, prepara-te para encher os bolsos – disse Mário, pondo a mão nos bolsos. ─ Cuidado! Nunca ouviste dizer, - repliquei eu, - que nunca se deve deitar foguetes antes da festa? ─ Não baralhes, pá. – Murmurou Mário. – Espera para veres. ─ Ótimo – disse eu, e fui procurar dois copos. – Vamos brindar. Mário soltou uma gargalhada e bebeu de chimpam uma rodada de verde branco, agarrando o copo c´as duas mãos e, depois, rosnou: - Põe aqui mais um bocado. À terceira vez, foi de vez. O tom de dó ficou afinadíssimo, e ambos começamos a cantarolar. Fez-se na sala uma chiadeira de vozes que até o dono veio ver se algum de nós tinha adoecido. Mário suava abundantemente, tinha a viola colada à barriga, bem como o copo ao pé dele. Depois do dono ter saído da sala, voltamos a falar. – Vamos ensaiar o folclore, - disse Mário e bebeu o resto da bebida. À quinta vez, estávamos afinados e ensaiados. Mário foi ter com o dono e mostrou-lhe uns versos que tinha composto para ele mandar encaixilhar e colocar na sala de jantar. Leu devagar em pose:
Entre tu e ela, entre a cortina e a janela, entre o homem e o amante, entre a paixão e a traição, entre o pensamento e o sentimento, mora… ???
O dono da casa de fados ficou tão fascinado com o poema de Mário que lhe pediu para o autografar e deu ordem ao empregado para ir arranjar um quadro onde o pudesse meter. Passaram algumas semanas. Mário tivera razão, pois trabalho não nos faltava.
                                                                                            
O TIROLÊS
Aí vai mais uma. Foi o dia em que me pediram para cantar o tirolês. Fui cantar a solo uma: Cowboyada, nem mais nem menos. A música rancheira estava em voga no Porto e eu sabia fazer o tirolês com a perícia de um guardador de cabras quando chama o rebanho. A única lembrança que tenho desse momento foi ver-me a cantar numa carroça atrelada a uma pileca, num espaço aberto. A zona estava cercada de gente, na sua maioria, moradores de ilhas e bairros das redondezas; fiquei desapontado quando vi os guitarristas com a cantadeira a cantar o fado, porque o ambiente pedia música mais alegre e desgarrada. Depois, agarrei no sombreiro e cantei. Mexicano tradicional. Eu gostava, de vez em quando, confesso. E cantei à minha maneira.  
      Pelos prados do belo Arizona / Vou montado no meu alazão
     A meu lado uma bela amazona / Que é dona do meu coração…

E depois: ─ veio o tirolês. ─ O público ficou assombrado com o jeito que eu dava à minha garganta, juro. Mas a pileca, pelo jeito, não tinha a mesma opinião e desatou aos pinotes, distribuindo coices à carroça que acabou por se soltar e fugiu dali para fora, que mais ninguém a conseguiu apanhar. Este concerto ao ar livre em cima da carroça com a pileca ficou famoso pelo que aconteceu, um espetáculo que pôs todos em alvoroço. Assim que os aplausos, um tanto vibrantes, acabaram, o locutor anunciou música para bailar. – Oh! Que coisa mais estúpida, - berrei eu e saltei para o chão atrás do locutor. – Não tapaste os ouvidos ao burro, - sorri para ele, indo ao seu encontro. A minha maneira de cantar o tirolês era sem dúvida atrativa, mas o som saía-me da garganta aos tropeções, era um som soluçante, tentando passar por um carneiro aos berros, mas não fazia mal a ninguém, porque eu era o protótipo do cow-boy solitário. Mal o espetáculo findou, a multidão começou a dispersar. Mas eu fiquei agarrado à minha viola, rindo-me da cena do burro a fugir pela calçada abaixo.                                                                                               
O Guitarrista Caspa e o Viola Caguinchas                                                              
E outra mais: o viola Caguinchas nunca gostou daquele guitarrista o Caspa, como era alcunhado no meio fadista. Uma ocasião, dei com eles a discutir: «Ouve o que te digo, o tom é si bemol e não mi menor.» - Dizia o Caspa. Contrariado, o Caguinchas viria a não aceitar aquele raspanço e não tem outra alternativa senão responder-lhe: «Não digas asneiras! Eu é que sei qual é o tom.» - O Caspa preferiu não responder. Nunca cheguei a entender porque era que eles passavam o tempo do ensaio a discutir.
«Já está melhor assim?» interrogava o Caguinchas em frente de Caspa. «Vê lá se esta combinação de tons não te soa melhor aos ouvidos!» - O guitarrista esteve quase a zangar-se. «És teimoso e burro!», - disse. – Só tu é que tens a mania que sabes tudo e só fazes cagadas em palco.» - Agora foi a vez de Caguinchas não lhe dar resposta. E os momentos mais interessantes eram quando haviam espetáculos com os dois a intervir no programa. E eles eram promovidos à categoria de estrelas profissionais, conduzindo os outros artistas na programação do show. Na hora de irem embora, depois do programa acabado, eles nunca perdoariam a si próprios senão molhassem a goela com uns bons negos de verde tinto ou branco (não interessa a cor) da região. «Não acreditas que já toquei dentro duma pipa de vinho?» - disse Caspa, entornando mais copos pela goela abaixo. - «Já estás bêbado!» responde Caguinchas, limpando a boca à manga do casaco. «Eu também te podia dizer que já pus uma garrafa de vinho a tocar música.» - O guitarrista engasgou-se a beber e tossiu… e depois respondeu-lhe: «Olha para ele!» disse Caspa com a voz estrangulada. «Tu nem com as cordas te safas quanto mais com as garrafas.» - «Vamos mas é embora antes que me chateie.» - Gritou ele. E ambos, um pouco grossos, tiraram a rolha duma garrafa de tintol maduro, e encheram mais dois copos para a despedida e taparam o gargalo com a palma da mão. E, com a outra mão, pegaram nos copos.
                                     
«À partida», bradou o Caguinchas. ─ «À saída», responde o Caspa. Lá vão eles para o Fiat. Caguinchas abre a porta e entra no carro; a seguir entra o Caspa. Dirigem-se para o Norte, mais propriamente dito para o norte da cidade tripeira. Pela estrada de Famalicão, passam junto de uma ponte velha. Ao longo do caminho, há uma junta de bois a pastar nos campos e lavradores a cultivar centeio. De repente, ouve-se um estrondo! Caspa mandar parar o carro: «MATASTE A VACA!» - O carro pára mais à frente e descem ambos. Ficam diante de um campo silvestre, junto de uma lomba, de pé; a brisa do ar refresca-lhes os rostos; Caguinchas põe-se em bicos de pés olhando para cima e para baixo e volta-se para trás: «Eras tu a sonhar ou quê?» diz ele de ar sisudo. «Vês alguma vaca?» - «Ali abaixo» diz Caspa, apontando. «Eu vi a vaca a voar por cima de nós.» - Caguinchas voltou a pôr-se em bicos de pés e olhou pela ravina. «Ali» volta a dizer Caspa. «O que é que vês?» - «Nada» responde Caguinchas desorientado. ─ «Tu deves estar é c´os copos.» - «Não é ali, é acolá», insiste o Caspa e Caguinchas vê o dedo do outro a apontar para o fundo do campo. «Ali! Acolá? Acolá! Ali?» pergunta. «O que é que tu tens? Uma vaca a voar pelo ar? Deves estar cá com uma visão como eu ver um elefante andar por baixo das asas dum jato a voar no espaço…» - Caspa, vermelho como um chouriço, dá em filosofar: «És teimoso como um burro! Eu bem te avisei que tivesses cuidado. Eu vi a vaca a voar à minha frente e agora? Foi-se!...» - Desorientado, Caguinchas berra: «Vai-te lá comer com a vaca ou com o boi; burro sou eu em estar para aqui armado em elefante a aturar-te.» - E correu para o carro. Caspa seguiu atrás dele. Instantes depois, lançou-se ao encontro da estrada, seguindo em marcha mais lenta. Talvez por recear que aquele estoiro de há momentos atrás estivesse relacionado com a história que Caspa referiu, ou talvez porque o outro estivesse mesmo um pouco pingado do álcool. E foi com a visão da vaca a voar no ar que chegou ao local do regresso e deixou ficar Caspa, seguindo depois para casa. Quando desceu, olhou com uma vista mais acentuada para a chaparia do carro e viu à frente uma grande amolgadela!...


Coisas que acontecem; Depois de Caguinchas se deitar no choco, embora tentasse dormir o mais rápido possível, o corpo sentia arrepios de frio. No momento, com os dedos gelados de raiva, ele não suportou durante muito tempo aquelas visões de uma nuvem passageira coberta de uma manada de vacas em perseguição dele pela estrada adiante…  

   OS 2 DO NORTE____________2012/2014

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