Thursday, January 10, 2013





FERNANDO ABRAÃO
E RATAZANA
___________________

(2)


O
MUNDO
DA
NOITE
~~~~


                                                                                                                                                  
A desgraça de O Mundo da Noite a que se deu mais destaque nos anos 70 foi a separação de Elisa Alex do serralheiro mecânico José Bom-pastor. Alex era de uma beleza melancólica, de olhar estrábico, que a fazia passar vulnerável. As aparências enganam: o seu livro Confissão revelou que era uma mulher que gozava loucamente o sexo. O livro foi encontrado no fundo de uma gaveta da secretaria, e quando o serralheiro Bom-pastor o abriu, o olhar caiu sobre estas palavras: «...impressionante encaixe de contenção; não sei como o consegue». O homem a quem se referiu era o vendedor da Johnson, António, Toni (Para os amigos). A Confissão de Alex contava como «se derreteu toda» quando encontrou Toni pela primeira vez. Este beijou-a pela primeira vez na carrinha da firma, ao levá-la a casa, e no fim da viagem «a minha mão não estava no meu colo. Há anos que não tocava num homem dentro de um carro, mas fiquei excitada». Depois os dois apressaram-se a ir até um quarto alugado numa residencial, e fizeram amor durante toda a noite... «Quando Toni tira os óculos, fica um homem totalmente tresloucado. O seu poder de agarrar tudo o que é fofo, pôs-me louca, e fizemos amor durante toda a noite... resultou maravilhosamente e partilhámos o quinto orgasmo ao chegar o amanhecer. Contava como «fomos frequentemente à Rua de Antero de Quental, 728 (Xangô), onde fazíamos amor até cairmos da cama ao chão, sem forças». Quando Alex veio para o Stop, Toni apressou-se a ir visitá-la ao quarto da residencial. «Beijou-me de fato e atirámo-nos para os braços um do outro, como se fôssemos um foguete. Ficou excitado num segundo e em poucos instantes foi como nos velhos tempos... tirou o fato e nunca fui descascada tão depressa em toda a minha vida... Era um espetáculo continuar a foder toda a tarde». E quando fomos juntos para o Algarve, ela escrevia: «Oh, que prazer! Noite silenciosa com o corpo do Toni a enrolar no meu, nus sob o luar». A reação do serralheiro Bom-pastor foi pedir à mulher que não o abandonasse; com o desespero no coração, disse-lhe que aceitava tudo. A reação de Alex foi de impaciência; estava decidida a ver até onde ia o poder de resistência de Toni durante o tempo da sua permanência no bar Stop. Mudou-se para um quarto com banho privado numa casa particular e o serralheiro Bom-pastor tratou de arrumar as suas mágoas. No reencontro entre os dois, em Julho de 1978, o serralheiro Bom-pastor aceitou permitir que Alex gozasse dessa experiência, mas que prometesse um dia voltar. Por um tempo, parecia que a vida profissional de Alex estava a oscilar, mas os seus fiéis clientes, achavam-na cada vez mais picante e mais atraente. Alex continuava a cativar mais clientela, e as propostas à sua volta, subiam de tom e som. Não se sabe o efeito que teve a paciência do serralheiro Bom-pastor, mas as recomendações de Alex não prejudicaram a sua vida sentimental.

No final de 1979, O Mundo da Noite assistiu a outro aparecimento de uma jovem ainda em fase menor que recompensava o desaparecimento dos velhos. A encantadora Paula Zi foi na aventura de sair de casa. Deixou um emprego de vendedora de cosméticos para se decidir em O Mundo da Noite, e, na devida altura, mostrou a sua destreza de «caça-copos» ao lado da companheira do patrão do Bata clã, e mais tarde, no Lord. Em 1982 juntou os trapos com um gerente noturno chamado Fernando Cabide, indo viver para um andar perto da ponte D. Luís I, em Vila Nova de Gaia. A um dia de sexta-feira, depois de um dia de trabalho terem chegado a casa de madrugada alta, houve uma discussão violenta; as vizinhas ouviram-nos atirar com coisas para o chão e gritarem obscenidades um ao outro. Um transeunte, juntamente com uma vizinha, observaram de fora do prédio, quando Cabide pegou em Zi, sem etiqueta, elevando-a ao ar para fora da janela e levantando-lhe as pernas para cima da cabeça. Tinha gritado a Zi que desta vez era um aviso, mas para a próxima, que a deixava cair. Pouco tempo depois, as vizinhas juntaram-se e subiram ao andar, e bateram à porta com força: «Zi, você está bem?» e Zi aparecendo, esbranquiçada e de cabelos eriçados à porta, replicou: «Estou, vizinhas». A vizinha à frente retorquiu: «Ó senhor, deixe a rapariga em paz e mande-se daqui, antes que chame a polícia...» Mandaram o Cabide sair da casa, completamente arrasado, depois que as vizinhas tentaram confortar Zi. A vizinha à frente, explicou: «Mandamos o seu homem sair, porque queríamos que você ganhe cor». Dois anos mais tarde, Zi e Cabide separaram-se. Em 1985, decidiu desistir do alterne e meter-se num negócio de sapatos e roupas com uma amiga das lides, gerindo ambas o negócio a meias. Zi vivia para o negócio, embora este já tivesse suplantado muitas das suas expetativas. A um sábado, Zi, já sem companhia da amiga, deu uma festa na abertura da sua loja de sapatos e roupas, na zona central da Maia. Mais de cem pessoas foram visitá-la no seu atelier de moda, e não deixaram de lhe dar as maiores felicitações. Conclui-se que possa lá ter estado os seus queridos amigos até para a cumprimentar e ligações ao negócio. Dois anos mais tarde, Zi, tomara já conta de uma loja por baixo do Centro Comercial Parque-Itália à beira da Rotunda da Boavista para venda de artigos mais baratos; ela aumentava as suas vendas. Uma teoria sobre o seu sucesso, apontado por Ratazana, na sua agradável, mas fofoqueira O Jornal Dos Traidores, é que ela foi bafejada pela sorte, que já estava a tirar proveito devido a antigas amizades ligadas ao mercado. Segundo esta teoria, Zi convenceu um amigo a levá-la à feira de Itália e lá estabeleceu contatos para trazer gravatas e vestidos a preços apreciados, enquanto por cá, via o seu negócio florir e as vendas a aumentar. A própria Zi nunca fez assomo disso depois do seu crescimento económico e desistiu da outra loja, negativa, em 1983. Quer tenha tido sorte pelo destino, ou por qualquer dom que a levou ao estrelato, deixando a sua estrela brilhar, parece restar poucas dúvidas de que Zi foi das poucas mulheres que passaram pelos alternes e saiu triunfadora. A sua loja continua a ser um sucesso.           
                                                         
Durante os finais dos anos 70, O Mundo da Noite tentou manter-se a lestes dos grandes sarilhos. Os tubarões achavam difícil habituar-se à ideia de que a bronca não significava necessariamente injúria pública ou propaganda de sexo. Tiveram uma notícia chocante quando, em 1970, o empresário (O seu apelido noturno era) Zequinha foi condenado a dois anos de cadeia com pena suspensa por fomentador da prostituição. Zequinha tornara-se famoso utilizando as alternadeiras no bota-abaixo no Moinho Vermelho, em 1968. O seu advogado insistiu que tinha sido a brigada da esquadra, que lhe armara a ratoeira, por Zequinha os ter corrido do bar; ele recusou dar bebidas pró teto. Mas acerca disso, o proxeneta Manuel da Chibata conta uma versão bem diferente do caso. Depois de ter sido corrida do bar, a brigada pensou em vingar-se. Um amigo da brigada mandou a sua «namorada», que não passava de uma bonita puta de dezassete anos ir ao bar pedir trabalho, com um filme contado à sua maneira. Zequinha mal viu a rapariga levou-a para a cozinha, sem ondas, pô-la no sofá e levantando-lhe as saias, fez amor durante uma hora. Ele próprio admite aos amigos íntimos que era sexualmente insatisfeito. O copeiro Benjamim sentia que Zequinha tinha um desejo rudimentar em foder as mulheres e conta que o boss andou mais de um mês atrás de duas viúvas para as foder. Quando lhe perguntou como conseguia ter paciência para esperar tanto tempo, Zequinha explicou: «Eu nunca as deixo aquecer, só a vê-las trabalhar, quando lhes pego pelos cabelos e ponho-me em cima delas, é até elas dizerem, chega...» A 23 de Junho de 1972, noite de S. João, Zequinha foi apanhado de surpresa. Ao escurecer, entrou no bar um grupo com uma meia dúzia de foliões. Entre eles, estava um cliente da casa, chamado Mata-Lobos e a sua parceira, de vinte e sete anos, chamada Maria Lucília. Lucília bebeu demais e a dada altura atirou-se aos braços de Zequinha, dizendo que a deixasse fazer um striptease. Zequinha acedeu, mas só quando a sala estivesse vazia. Enquanto isso continuavam a falar e a beber. Ao final da noite, teve de sair da sala, a correr, para ir à casa de banho, porque estava quase a vomitar. Depois Zequinha deu-lhe uns sais de frutos; e disse-lhe que achava que ela devia beber menos. Segundo Lucília, deitou-se a fazer o striptease e Zequinha começou a tirar-lhe a roupa toda, exceto as botas. Ela explicou que achava que ele a ia vestir de novo. Depois Zequinha sem mais nem menos, atirou-se a ela, e fizeram amor durante hora e meia. Uma das mulheres que havia acompanhado Lucília na rusga, esperou na rua por ela; nessa altura, Lucília tinha arranjado a toilete e estava a abrir a porta. No dia seguinte Lucília contou à amiga que Zequinha a tinha embebedado, e tivera relações sexuais com os dois homens na sala; Zequinha e o cliente Mata-Lobos. No balcão do bar, Zequinha negou tudo. Na outra noite, a outra amiga, chamada Tonia Tonta, (nome artístico) apresentou-se à porta do bar e anunciou-se como uma artista de striptease. Zequinha não se deixou enganar e ofereceu-lhe uma bebida espirituosa, mas agradava-lhe o descaramento dela. Depois disto, Tonta tinha ido preparar-se à casa de banho e saíra de sutiã e cuecas para fazer uma exibição de striptease, só para ele, e no fim, como Zequinha se atirara a ela, tiveram relações sexuais. Pouco tempo depois, Tonta entrou em casa e deu um grito: «Lucília, vem rápido!», e a amiga veio num foguete. Tonta contou toda, excitada: «Deixei toda a gente ir embora, porque queria um bocadinho daquela língua para mim». Esta facilidade de caras com o prazer parece ter proporcionado a Zequinha as vantagens de ter relações sem precisar de pedir autorização às mulheres. Na altura em que Zequinha lutava com as suas finanças em baixo, travou conhecimento com uma graciosa viúva que explorava uma tabacaria, junto ao jardim da Cordoaria. Chamava-se Lurdes e era viúva há dois anos. Zequinha convenceu-a a levá-la a um salão de chã e descobriu que era uma viúva rica que dizia estar a precisar de um homem que a amasse. Ora Zequinha era um solteirão. Tinha-se envolvido num negócio de uma boite que dera para o torto e necessitava de dinheiro fresco para desbloquear a situação. Assim esperou o momento propício, saiu na sua companhia e tentou algumas vezes, sem êxito, pedir-lhe o empréstimo. Numa noite, depois de ter jantado em casa dela e bebido bastante, levou-a para dentro do quarto e despiu-a toda. Em seguida tiveram sexo até a viúva desfalecer. Ela confessou a uma amiga: «Não sabia o que estava a acontecer, estava farta de comida e sob brasas. De repente estava a meter-se dentro de mim... Parecia uma draga... Havia ruído por todo o lado». Em seguida Zequinha parou e pediu-lhe desculpa. A viúva emprestou-lhe cento e noventa contos, mas quando soube que este era homem para todas as mulheres, esqueceu-o. Constou que Zequinha partiu para o café, depois de ter saído de casa da viúva e vinha com as orelhas a sangrar, e trazia vestido um sobretudo novo. A carreira de Zequinha entrou em mudança nos anos 80, altura que iniciou um ciclo novo na atividade de imobiliário, que transformou a sua vida, outrora rasca, numa vida equilibrava e bem renumerada. Morreu em 2005, de uma doença prolongada.

Em meados de 1973, chegou à noite o novo empresário hoteleiro, Santos, também conhecido por Gago, e depois de passar a Primavera corriam rumores insistentes pela cidade de que estava a fazer obras numa adega baseadas no estilo de uma boite-do-pobre. Era provável ser um rumor, embora ninguém soubesse a certeza (visto que só existia um projeto e o Gago dormia com ele debaixo da almofada). O Gago negou perentoriamente a quem o interpelou que a boite-do-pobre fosse oposição à concorrência. Mas quando convidou alguns rivais para uma visita particular do ABC, estes viram-na com crescente apreensão. Não era uma questão de «semelhança parecida» com as outras casas de diversão; tratava-se de uma casa de entretenimento simples, preparada para acolher uma clientela sem etiquetas. «Não vais longe com a boite», disse um rival. «Queres apostar?», propôs o Gago. Ao abrir o ABC, o Gago tinha toda a intenção de provocar o negócio da concorrência. Construíra, de certo modo, a sua carreira à volta dos entretenimentos e esse facto, até agora, só o beneficiara. A sua carreira como empresário começou há uns anos, com uma sociedade barulhenta. Abriu a porta do café em Serpa Pinto, no Porto, e fez uma sociedade de três. Mais tarde, não se deixou enganar totalmente por um dos sócios, e acabou por os correr a todos, e mais tarde, abriu o Café Administrador, no mesmo local. Em Julho de 1975, o Gago teve oportunidade de mostrar o seu rasgo para abrir negócios e também para escolher nomes. O projeto de um novo bar fazia jus ao estilo do bar-americano, Gôndola, da Rua do Bonjardim, no Porto, um projeto modesto numa adaptação de um velho tasco. À última hora, o Governo Civil proibiu a abertura. Não era tarde, quando isso aconteceu, que havia interessados em tomar conta do bar e concluir as obras. Na semana seguinte, O Gago foi assediado por ofertas de outros empresários da noite para vender o Gôndola. Por fim, um guarda-livros que fazia escritas pelas casas noturnas, tratou de apresentar números e condições, que podia tomar bem conta do negócio. O Gago aceitou a oferta do guarda-livros e fechou ali mesmo, o negócio. No ano seguinte, o Gago apresentou ao público o seu novo projeto; para a quarta casa escolheu o nome O Jagunço, na Rua de João das Regras. Ao ouvir a reação do público, o Gago achou que o espaço era curto e que a única maneira de o aumentar era utilizar a cave e torná-la mais «ardente», introduzindo-lhe uma pista de dança para momentos relaxantes. Após a modificação, um cliente disse que a pista de dança dava mais calor e emoção e tornava o divertimento melhor. O sucesso que o Gago imaginou em O Jagunço, teve de facto, brilhantismo; ombreando com as demais casas da cidade, como ponto de encontro obrigatório para o cliente citadino. O Gago afastou-se dos meandros noturnos, indo juntar-se aos seus filhos no Café Administrador tão pacatamente como qualquer empresário idoso, aos setenta e picos anos, em meados do ano 2.000. Juntando à história uma nota de ironia, o ABC e o Jagunço, foram um êxito de dinheiro.

O ano de 1983 assistiu ao desaparecimento da alternadeira Manela (como era tratada), de Espinho, uma mulher determinada que dizia com frequência que a única coisa de que gostava em O Mundo da Noite era o dinheiro. Ganhou relevo a sua minissaia, quando era ainda menor; quando veio ao Porto, nos inícios dos anos 70, trabalhou na Boite Pérola Antiga, trabalhou também na boite O Inferninho, que com uma irmã mais nova, puseram os clientes de olhos em bica. Algumas décadas mais tarde, adaptou-se perfeitamente ao Bar Stop, e a seguir, ao Lord, mas a sua irmã mais velha levou-a a fazer parte de um bar da família que se chamava Can-Can, em Espinho. Nos anos 90, era uma mulher sem encanto. O seu desespero crescente com a banalidade dos clientes no ofício, fizeram-na aliar-se de «veteranas» como Nicha e começou a beber em excesso. Em Agosto de 1981, foi detida por excesso de lotação, numa rusga da Brigada de Trânsito, na ponte de Espinho, e foi perdoado por um tal «Piolho», agente de trânsito seu conhecido, que salvou os outros seis ocupantes do mini. Ao voltar ao trabalho novamente, por não querer entornar o champanhe para o balde quando as irmãs rogaram, apanhou grande pifo que tiveram que a tirar da casa de banho, nua, pelas irmãs. Nas mesas dos clientes, apresentou a sua profissão como «chupadora de bebidas». Um deles, interrogou-a sobre os pifos e ela gritou: «Oiçam, oferecem-me de beber uísque, cerveja, gim e champanhe, à tarde e à noite. Que querem que faça — que vos diga que não?» o cliente levantou-se, e deu uma grande gargalhada. Ela voltou a gritar: «Já alguma vez tiveram o porta-moedas vazio?» Depois atirou um tremoço à cabeça do cliente, dizendo: «Oh, Nelinho! És tão bom homem quando estás calado!» A sua irmã contou aos amigos que esta atitude fazia parte do seu caráter, no entanto, achou-a bebedora demais e rogou a Todos os Santos para que fosse responsável. Na generalidade, O Mundo da Noite estava satisfeito com o seu desaparecimento. O boss Abraão comentou: «A melhor coisa que posso dizer sobre a Manela é que é fora-de-série». Tornou-se mudada ao abrir uma casa de flores ao lado do Hospital do Conde Ferreira, no Porto. Passou a grande parte do final dos anos 90 numa loja de Tarô e santinhos e, embora tenha feito um corte radical ao fumo e ao álcool, nunca conseguiu fazer uma reaparição. Dedicou-se ao negócio das ciências ocultas, na zona da Areosa, com cinquenta e tais anos.

O processo da paternidade de Costa, já referido, ocupou as páginas de O Jornal Dos Traidores durante várias semanas e, esse ano, assistiu ao desaparecimento de uma das caras mais bonitas de O Mundo da Noite. O seu nome era Ermelinda para uns e Zita para outros, dezassete anos de idade. Nascida em Vila Real e perdida a virgindade num dia das corridas de automóveis, tornou-se conhecida ao aparecer ao lado do conhecido empresário do Porto, Madureira na cabina de discos do nigth-club, Taba. Em 1976, estreou-se em alternos no Bata clã, e seguidamente, no Stop, e teve uma aventura com Fernando do Stop. (A vida amorosa de Fernando parece ter sido tão agitada como a de Zequinha — ganhou o hábito de ir para a cama com as alternadeiras que trabalhavam com ele; mas, como era fechado e todos gostavam dele, conseguiu manter-se à légua dos maus-olhados). Fernando achava-a demasiado artificial e ela voltou o seu carinho para Amândio, o instrumentista da harpa que fazia parte de um duo musical. O seu ajuntamento com ele foi amistoso. (Segundo uma amiga, «ela abandonou o bar de alternos, e meteu-se no jogo das cartas e dos dados com amigos, e não era capaz de controlar o cigarro nem o álcool, quando repentinamente, mostrava os seus nervos no jogo no apartamento ao atirar os copos para cima da cozinha — partia sempre qualquer coisa. Depois de se separar de Amândio, voltou aos alternes de fugida e os seus amores tornaram-se famosos — A vizinha ao lado chamava-lhe «uma viciada em jogo». Por fim, cheia de vícios, separada da última conquista, embutiu uma garrafa de uísque e fumou setenta e sete cigarros, sendo encontrada deitada na alcatifa, com as mãos sobre a cabeça, na posição de uma bela adormecida. Desapareceu para a noite, em meados de 1990.

A notícia bomba do Outono de 1977 foi a prisão do larápio- proxeneta Broas Sortes, no banco de um restaurante da cidade do Porto. Sortes era uma das figuras mais perigosas da Arte do Proxenetismo, a organização que tinha por cabecilhas alguns proxenetas e boxeurs, tendo tido o mérito de transformar um assalto religioso, numa façanha discutível. José Sortes — conhecido por «Broas», porque constara que ficava doido quando se sentia com fome — tinha estado envolvido em muitos assaltos a padarias, desde que passara ráfia na adolescência. Na altura contava vinte e cinco anos e vivia num quarto privado na pensão sem letreiro, na baixa da cidade. Um dos boxeurs chamado Pedro, vivia um piso abaixo dele. Foi assediado para ir para Lisboa como olheiro da Arte do Proxenetismo, seduzido talvez por ser amigo dos portas, que conhecia desde há uns tempos, do Intendente. Em breve, o elegante e alto Sortes abriu fronteiras no mundo do proxenetismo na capital e conseguiu o controlo dos azeiteiros de casas secundárias. Constava também que a sua vida mundana era extremamente agitado, no meio das prostitutas de segunda classe — tinha fama de brutamontes em Lisboa. A sua amante foi morar com ele para Campolide e foi trabalhar nas casas das rápidas, mas Sortes comportou-se sempre como se fosse livre. Em Fevereiro de 1974, Sortes, de volta ao Porto, ia a atravessar de carro a pacata terra de Arcozelo, quando lhe ocorreu que seria o lugar ideal para um assalto religioso. Preparou o gangue e fez um esquema chamado «Broas, Broas», alcunha que lhe pertencia. Nessa noite, com mais dois membros, o gangue assaltou o plano e deram o golpe do baú à Santinha. Em 1976, Pedro foi com os amigos até ao Restaurante Ventura, em Espinho, onde o pessoal da noite se preparava para dar ao dente. Quando reclamou a Sortes o reembolso de dois mil contos, este enervou-se e atirou-se a ele enraivecido, sendo separado pelos outros. Pediram a Pedro que chegasse a um acordo, mas Sortes recusou-se a falar sobre o reembolso, alegando sem problema as enormes ajudas nos assaltos nos subtidos da noite nos arredores do Porto, que fizeram furor nos meandros. Em Setembro de 1976, Pedro, um dos membros do gangue, que fugira para Valongo, e que apanhado a vender ouro, acabou por «dar com a língua nos dentes» ao chefe da brigada, foi de cana para Custóias. Em Setembro seguinte, o outro membro, tinha motivos para se pôr fino, pois estava na lista dos referenciados e «deu com a língua nos dentes» ao chefe da brigada, acabando no mesmo destino. Sortes foi encontrado desaparecido, e ninguém sabia do seu paradeiro. Por volta da meia-noite do dia 17 de Outubro de 1977, Sortes encontrava-se sozinho a cear num restaurante de mariscos no alto da cidade. Quando Sortes acabou de comer, deu uma vistas de olhos pelo matutino JN. Quase no mesmo momento, dois elementos da brigada à paisana, entraram no restaurante e silenciosamente, cercaram-no. Ouviu-se o som de um clique de uma arma encostado às costas e um «Não te mexas!» Poucas pessoas se aperceberam da situação. Sortes regressou à cadeia na carrinha da Judite, e um dos agentes disse que, se não tivesse «encostado a fusca» Sortes muito provavelmente, ainda estaria solto.

Em 1977, O Mundo da Noite tinha problemas mais graves que um gangue de larápios da ocasião. A mudança de estado trouxera uma onda de inquietação. O boss da noite, Zé, do Club Z, já quase a sair de cena — iria assistir ao incêndio que devastou quase totalidade do seu club, ao reaparecer da aurora — mas, mais tarde, viria a público de que o incêndio fora fogo posto. Um caso que estava a provocar grande impacto em O Mundo da Noite.

Em 1979, Apenas «Amélia», de vinte e oito anos, estrela dos palcos da noite, vedeta na Boite Granada, e descrita como tendo «os mais bonitos seios da cidade», disse a quem a quis ouvir: «Todas as raparigas da noite desejam encontrar o homem dos seus sonhos, alguém meigo e compreensível, prestável e sério, alguém a quem possam amar apaixonadamente. As alternadeiras não são exceções». Para Amélia, o homem que se encaixava bem no seu imaginário era o boss da Boite Tentativa, Hamilton, mas este já tinha três amantes para aturar. A 2 de Maio de 1979, numa mesa de parolos, Amélia alternou uma dúzia de champanhes e partiu a mesa na luta com um parolo. Um dos principais motivos da sua depressão pode ter sido o facto de, embora com talento, nunca ter tido a oportunidade de ter conhecido o homem dos seus sonhos senão homens de segunda categoria.

Poucos meses depois, os maus-olhados tiveram o seu maior prazer, em termos do boca-a-boca, desde o processo de detenção de Zequinha. A princípio da madrugada do dia 21 de Fevereiro de 1987, Fric Boy, (apelido de Ratazana) o ídolo das «jovens-putinhas», chegou a um clube de elite, no Porto, onde todo o mundo estava a divertir-se. Fric Boy tinha acabado de beber o trago de uísque Jameson da sua garrafa, quando da sala saiu com a rapidez dum foguete uma beldade de fazer parar um regimento e meteu conversa. Fric Boy foi a sua presa. As colegas da beldade roeram as unhas, interessadas na eventualidade da colega as chamarem para ajudar a beber um Moêt et Chandon. Fric Boy aceitou de bom agrado a presença delas na sua mesa. Na sua juventude fora obrigado a gastar pequenas mesadas que os seus pais lhe davam para as extravagâncias, sob obrigação de gastar o menos possível, tendo apanhado certos vícios; andou depois pelas casas de má fama. Começou a entrar em esquemas por acaso, em consequência de vaguear pelos locais do vício, e a sua expressão dominadora e o olhar meio adormecido — o aspeto de um betinho nato — tornou-o, em breve, com o Marcelo Mastroianni, o homem dos sonhos de todas as putinhas. Referia frequentemente que a vida de ser um betinho devia ser gozada plenamente, até um homem se tornar maduro. Por isso para ele a ideia de gastar algum dinheiro a mais não era alarmante. A noitada no clube — custou-lhe 2.000 contos, que esgotou o saldo —, que usou indevidamente o seu cartão American Express, a não contestar a despesa na base de que estava a ser explorado pelos empregados. Se argumentasse que não tinha feito semelhante despesa, significaria uma ida chata à esquadra policial e muitas revelações sobre casos de exploração em O Mundo da Noite, o que seria prejudicial a quase todos. Logo que a notícia penetrou no conhecimento das pessoas, Fric Boy passou um mau bocado. Se o «mau gasto» pode, em circunstâncias normais, valorizar a imagem de um finesse, então é óbvio que pode ser uma dor de cabeça ser generoso. Quando O Jornal Dos Traidores, passado umas semanas, trouxe a notícia cá para fora, foi tamanho sururu que Abraão até escondeu o jornal por detrás das garrafas da prateleira.

A entrada no alterne de Elisa Mota começara quando tinha a menoridade e fazia gazeta ao trabalho para ir beber um drinque a um pequeno bar de Nevogilde, com uma saia justa. Um freguês aproximou-se dela e perguntou-lhe se alguma vez tinha pensado em entrar para o alterne. Por intermédio de um amigo do freguês, Elisa (cujo apelido era Bomba-Loira) conseguiu estagiar aos fins-de-semana num cabaré do centro. A «rapariga da saia justa» ganhou fama durante o estágio e tornou-se a mulher preferida dos clientes boémios. O seu primeiro casamento à moda de Campanhã, (juntamento) com o chefe de mesa durou três meses, provocando-lhe um vazio no coração. O segundo juntamento, um afamado boémio chamado Tony Chucha, convidou-a para uma ida ao casino em palpite de uma sorte, juntando-se a ela dois dias depois; era mais velho quinze anos. O seu terceiro juntamento foi com um comercial, Morgado; o quarto com o apelidado Grego do Grupo de Traidores, Lacerda. Teve também um numeroso grupo de flirtes sobejamente conhecidos, com o Cavaleiro da Triste Figura, Dom Paco e o grupo dos Cartolas. Em meados dos anos 90, a sua imagem de «rapariga da saia justa» foi esquecida com a idade e a sua carreira estava a apagar-se. Depois de ela acabar a relação com o Grego, Serrão, antigo pretendente à vista, apareceu-lhe repentinamente, convidando-a para tomar um copo, apesar de ter o carro avariado. Serrão era um tipo frangalhote, com uma cor esbranquiçada, que tinha por alcunha «Pintor», manifestamente porque uma parte do seu vocabulário tinha por hábito pintar todas as telas. Como a maioria das loiras, Bomba-Loira gostava de homens dominadores e grosseiros. Num dia, Serrão dissera-lhe: «Quando eu digo cala-te, tens de calar; quando digo vem, tens de vir». Bomba-Loira não se opunha a receber as ordens, mas, quando estava com os gazes à solta, o seu temperamento era conflituoso. É verdade que havia uma obsessão mútua. Quando ela veio à residencial fazer amor com o Grego, Serrão esperava-os no átrio e, depois de uma discussão tão barulhenta, ameaçaram-se um ao outro de pistola em punho, os amigos viram-se forçados a separá-los. De regresso ao trabalho, foi com Serrão passar um fim-de-semana para a Foz e a cama fê-los esquecer os conflitos. No Dia do Trabalhador de 1995, Serrão e Bomba Loira foram para o apartamento desta, na Senhora da Hora, discutindo violentamente. O barulho era tão intenso que Bomba Loira receou que ele fosse deitar a casa abaixo. Mas quando começou a gritar, pedindo-lhe que se fosse embora, um vizinho bateu à porta para ver o que se estava a passar; o pintor abriu a porta e pisgou-se numa brasa. Nesse momento, a Bomba Loira correu para o vizinho a gemer, de olho pisado «à Neca». Pouco depois, o olho de Bomba Loira deixou de inchar. O caso apareceu na primeira página de O Jornal Dos Traidores e juntou achas à fogueira, quando o antigo homem de Bomba Loira, o Grego, declarou aos amigos que se o pintor lhe batesse outra vez, lhe pregaria um tiro na cabeça. As fofoquices de desgraça apressaram-se a divulgá-las em maior escala. Revelavam concretamente que ela estava desesperadamente apaixonada por Serrão. A sós, Bomba Loira e Serrão tiveram toda a noite na marmelada e, juraram um pacto de não-agressão. Nessa altura, os bares não tinham dúvidas de que, para espanto de todos, a desgraça teve um efeito favorável; a clientela de Bomba Loira, que estava em baixa, renasceu em grande. Durante a passarela para a eleição de Miss Lord — o concurso que englobava as mulheres de bares — clientes da sala gritavam: «Estamos na bicha, Bomba Loira». E a sua clientela aumentou uma vez mais, como sucedera no início dos anos 80. A desgraça revelou-se o melhor meio de promoção.

Quando Novais ou «Baixinho», veio para O Mundo da Noite, no início dos anos 80, consta-se que riscou no papel de um guardanapo uma lista de nomes de prostitutas com quem queria ir para a cama, e depois, riscava-os um a um depois de conseguir os seus intentos. Contava-se a piada que, para os empregados de mesas de O Mundo da Noite a definição de «mulher esquisita» era aquela que não tinha caído nas graças de Baixinho. Mas os fala-baratos do bar aproveitavam-se em catapulta para se baterem a todas as doçuras que adoravam Baixinho pela calorenta balela da sua voz e pelo seu sorriso atrevidote.


No comments: