FERNANDO ABRAÃO
E RATAZANA
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O
MUNDO
DA
NOITE
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A desgraça de O Mundo da Noite a que se deu mais
destaque nos anos 70 foi a separação de Elisa Alex do serralheiro mecânico José
Bom-pastor. Alex era de uma beleza melancólica, de olhar estrábico, que a fazia
passar vulnerável. As aparências enganam: o seu livro Confissão revelou que era
uma mulher que gozava loucamente o sexo. O livro foi encontrado no fundo de uma
gaveta da secretaria, e quando o serralheiro Bom-pastor o abriu, o olhar caiu
sobre estas palavras: «...impressionante encaixe de contenção; não sei como o
consegue». O homem a quem se referiu era o vendedor da Johnson, António, Toni
(Para os amigos). A Confissão de Alex contava como «se derreteu toda» quando
encontrou Toni pela primeira vez. Este beijou-a pela primeira vez na carrinha
da firma, ao levá-la a casa, e no fim da viagem «a minha mão não estava no meu
colo. Há anos que não tocava num homem dentro de um carro, mas fiquei excitada».
Depois os dois apressaram-se a ir até um quarto alugado numa residencial, e
fizeram amor durante toda a noite... «Quando Toni tira os óculos, fica um homem
totalmente tresloucado. O seu poder
de agarrar tudo o que é fofo, pôs-me louca, e fizemos amor durante toda a
noite... resultou maravilhosamente e partilhámos o quinto orgasmo ao chegar o
amanhecer. Contava como «fomos frequentemente à Rua de Antero de Quental, 728
(Xangô), onde fazíamos amor até cairmos da cama ao chão, sem forças». Quando
Alex veio para o Stop, Toni apressou-se
a ir visitá-la ao quarto da residencial. «Beijou-me de fato e atirámo-nos para os
braços um do outro, como se fôssemos um foguete. Ficou excitado num segundo e
em poucos instantes foi como nos velhos tempos... tirou o fato e nunca fui
descascada tão depressa em toda a minha vida... Era um espetáculo continuar a
foder toda a tarde». E quando fomos juntos para o Algarve, ela escrevia: «Oh,
que prazer! Noite silenciosa com o corpo do Toni a enrolar no meu, nus sob o
luar». A reação do serralheiro Bom-pastor foi pedir à mulher que não o
abandonasse; com o desespero no coração, disse-lhe que aceitava tudo. A reação
de Alex foi de impaciência; estava decidida a ver até onde ia o poder de
resistência de Toni durante o tempo da sua permanência no bar Stop. Mudou-se para um quarto com banho
privado numa casa particular e o serralheiro Bom-pastor tratou de arrumar as
suas mágoas. No reencontro entre os dois, em Julho de 1978, o serralheiro
Bom-pastor aceitou permitir que Alex gozasse dessa experiência, mas que
prometesse um dia voltar. Por um tempo, parecia que a vida profissional de Alex
estava a oscilar, mas os seus fiéis clientes, achavam-na cada vez mais picante
e mais atraente. Alex continuava a cativar mais clientela, e as propostas à sua
volta, subiam de tom e som. Não se sabe o efeito que teve a paciência do
serralheiro Bom-pastor, mas as recomendações de Alex não prejudicaram a sua
vida sentimental.
No final de 1979, O Mundo da Noite assistiu a outro
aparecimento de uma jovem ainda em fase menor que recompensava o
desaparecimento dos velhos. A encantadora Paula Zi foi na aventura de sair de
casa. Deixou um emprego de vendedora de cosméticos para se decidir em O Mundo
da Noite, e, na devida altura, mostrou a sua destreza de «caça-copos» ao lado
da companheira do patrão do Bata clã, e
mais tarde, no Lord. Em 1982 juntou
os trapos com um gerente noturno chamado Fernando Cabide, indo viver para um andar perto da ponte D. Luís I, em Vila
Nova de Gaia. A um dia de sexta-feira, depois de um dia de trabalho terem
chegado a casa de madrugada alta, houve uma discussão violenta; as vizinhas
ouviram-nos atirar com coisas para o chão e gritarem obscenidades um ao outro.
Um transeunte, juntamente com uma vizinha, observaram de fora do prédio, quando
Cabide pegou em Zi, sem etiqueta,
elevando-a ao ar para fora da janela e levantando-lhe as pernas para cima da
cabeça. Tinha gritado a Zi que desta vez era um aviso, mas para a próxima, que
a deixava cair. Pouco tempo depois, as vizinhas juntaram-se e subiram ao andar,
e bateram à porta com força: «Zi, você está bem?» e Zi aparecendo,
esbranquiçada e de cabelos eriçados à porta, replicou: «Estou, vizinhas». A
vizinha à frente retorquiu: «Ó senhor, deixe a rapariga em paz e mande-se
daqui, antes que chame a polícia...» Mandaram o Cabide sair da casa, completamente arrasado, depois que as vizinhas
tentaram confortar Zi. A vizinha à frente, explicou: «Mandamos o seu homem sair, porque queríamos que
você ganhe cor». Dois anos mais tarde, Zi e Cabide separaram-se. Em 1985, decidiu desistir do alterne e meter-se
num negócio de sapatos e roupas com uma amiga das lides, gerindo ambas o
negócio a meias. Zi vivia para o negócio, embora este já tivesse suplantado
muitas das suas expetativas. A um sábado, Zi, já sem companhia da amiga, deu
uma festa na abertura da sua loja de sapatos e roupas, na zona central da Maia.
Mais de cem pessoas foram visitá-la no seu atelier
de moda, e não deixaram de lhe dar as maiores felicitações. Conclui-se que
possa lá ter estado os seus queridos amigos até para a cumprimentar e ligações
ao negócio. Dois anos mais tarde, Zi, tomara já conta de uma loja por baixo do
Centro Comercial Parque-Itália à beira da Rotunda da Boavista para venda de
artigos mais baratos; ela aumentava as suas vendas. Uma teoria sobre o seu
sucesso, apontado por Ratazana, na
sua agradável, mas fofoqueira O Jornal
Dos Traidores, é que ela foi bafejada pela sorte, que já estava a tirar
proveito devido a antigas amizades ligadas ao mercado. Segundo esta teoria, Zi
convenceu um amigo a levá-la à feira de Itália e lá estabeleceu contatos para
trazer gravatas e vestidos a preços apreciados, enquanto por cá, via o seu
negócio florir e as vendas a aumentar. A própria Zi nunca fez assomo disso
depois do seu crescimento económico e desistiu da outra loja, negativa, em
1983. Quer tenha tido sorte pelo destino, ou por qualquer dom que a levou ao
estrelato, deixando a sua estrela brilhar, parece restar poucas dúvidas de que
Zi foi das poucas mulheres que passaram pelos alternes e saiu triunfadora. A
sua loja continua a ser um sucesso.
Durante os finais dos anos 70, O Mundo da Noite tentou
manter-se a lestes dos grandes sarilhos. Os tubarões achavam difícil
habituar-se à ideia de que a bronca não significava necessariamente injúria
pública ou propaganda de sexo. Tiveram uma notícia chocante quando, em 1970, o
empresário (O seu apelido noturno era) Zequinha
foi condenado a dois anos de cadeia com pena suspensa por fomentador da
prostituição. Zequinha tornara-se
famoso utilizando as alternadeiras no bota-abaixo
no Moinho Vermelho, em 1968. O seu
advogado insistiu que tinha sido a brigada da esquadra, que lhe armara a
ratoeira, por Zequinha os ter corrido
do bar; ele recusou dar bebidas pró teto. Mas acerca disso, o proxeneta Manuel
da Chibata conta uma versão bem diferente do caso. Depois de ter sido corrida
do bar, a brigada pensou em vingar-se. Um amigo da brigada mandou a sua
«namorada», que não passava de uma bonita puta de dezassete anos ir ao bar
pedir trabalho, com um filme contado à sua maneira. Zequinha mal viu a rapariga levou-a para a cozinha, sem ondas,
pô-la no sofá e levantando-lhe as saias, fez amor durante uma hora. Ele próprio
admite aos amigos íntimos que era sexualmente insatisfeito. O copeiro Benjamim sentia que Zequinha tinha um desejo rudimentar em foder as mulheres e conta
que o boss andou mais de um mês atrás
de duas viúvas para as foder. Quando lhe perguntou como conseguia ter paciência
para esperar tanto tempo, Zequinha
explicou: «Eu nunca as deixo aquecer, só a vê-las trabalhar, quando lhes pego
pelos cabelos e ponho-me em cima delas, é até elas dizerem, chega...» A 23 de
Junho de 1972, noite de S. João, Zequinha
foi apanhado de surpresa. Ao escurecer, entrou no bar um grupo com uma meia
dúzia de foliões. Entre eles, estava um cliente da casa, chamado Mata-Lobos e a
sua parceira, de vinte e sete anos, chamada Maria Lucília. Lucília bebeu demais
e a dada altura atirou-se aos braços de Zequinha,
dizendo que a deixasse fazer um striptease. Zequinha acedeu, mas só quando a sala estivesse vazia. Enquanto
isso continuavam a falar e a beber. Ao final da noite, teve de sair da sala, a
correr, para ir à casa de banho, porque estava quase a vomitar. Depois Zequinha deu-lhe uns sais de frutos; e
disse-lhe que achava que ela devia beber menos. Segundo Lucília, deitou-se a
fazer o striptease e Zequinha começou
a tirar-lhe a roupa toda, exceto as botas. Ela explicou que achava que ele a ia
vestir de novo. Depois Zequinha sem
mais nem menos, atirou-se a ela, e fizeram amor durante hora e meia. Uma das
mulheres que havia acompanhado Lucília na rusga, esperou na rua por ela; nessa
altura, Lucília tinha arranjado a toilete e estava a abrir a porta. No dia
seguinte Lucília contou à amiga que Zequinha
a tinha embebedado, e tivera relações sexuais com os dois homens na sala; Zequinha e o cliente Mata-Lobos. No
balcão do bar, Zequinha negou tudo.
Na outra noite, a outra amiga, chamada Tonia Tonta, (nome artístico)
apresentou-se à porta do bar e anunciou-se como uma artista de striptease. Zequinha não se deixou enganar e ofereceu-lhe
uma bebida espirituosa, mas agradava-lhe o descaramento dela. Depois disto,
Tonta tinha ido preparar-se à casa de banho e saíra de sutiã e cuecas para
fazer uma exibição de striptease, só para ele, e no fim, como Zequinha se atirara a ela, tiveram
relações sexuais. Pouco tempo depois, Tonta entrou em casa e deu um grito:
«Lucília, vem rápido!», e a amiga veio num foguete. Tonta contou toda,
excitada: «Deixei toda a gente ir embora, porque queria um bocadinho daquela
língua para mim». Esta facilidade de caras com o prazer parece ter
proporcionado a Zequinha as vantagens
de ter relações sem precisar de pedir autorização às mulheres. Na altura em que
Zequinha lutava com as suas finanças
em baixo, travou conhecimento com uma graciosa viúva que explorava uma
tabacaria, junto ao jardim da Cordoaria. Chamava-se Lurdes e era viúva há dois
anos. Zequinha convenceu-a a levá-la
a um salão de chã e descobriu que era uma viúva rica que dizia estar a precisar
de um homem que a amasse. Ora Zequinha
era um solteirão. Tinha-se envolvido num negócio de uma boite que dera para o
torto e necessitava de dinheiro fresco para desbloquear a situação. Assim
esperou o momento propício, saiu na sua companhia e tentou algumas vezes, sem
êxito, pedir-lhe o empréstimo. Numa noite, depois de ter jantado em casa dela e
bebido bastante, levou-a para dentro do quarto e despiu-a toda. Em seguida
tiveram sexo até a viúva desfalecer. Ela confessou a uma amiga: «Não sabia o
que estava a acontecer, estava farta de comida e sob brasas. De repente estava
a meter-se dentro de mim... Parecia uma draga... Havia ruído por todo o lado».
Em seguida Zequinha parou e pediu-lhe
desculpa. A viúva emprestou-lhe cento e noventa contos, mas quando soube que
este era homem para todas as mulheres, esqueceu-o. Constou que Zequinha partiu para o café, depois de
ter saído de casa da viúva e vinha com as orelhas a sangrar, e trazia vestido
um sobretudo novo. A carreira de Zequinha
entrou em mudança nos anos 80, altura que iniciou um ciclo novo na atividade de
imobiliário, que transformou a sua vida, outrora rasca, numa vida equilibrava e
bem renumerada. Morreu em 2005, de uma doença prolongada.
Em meados de 1973, chegou à noite o novo empresário
hoteleiro, Santos, também conhecido por Gago, e depois de passar a Primavera
corriam rumores insistentes pela cidade de que estava a fazer obras numa adega
baseadas no estilo de uma boite-do-pobre. Era provável ser um rumor, embora
ninguém soubesse a certeza (visto que só existia um projeto e o Gago dormia com
ele debaixo da almofada). O Gago negou perentoriamente a quem o interpelou que
a boite-do-pobre fosse oposição à concorrência. Mas quando convidou alguns
rivais para uma visita particular do ABC,
estes viram-na com crescente apreensão. Não era uma questão de «semelhança
parecida» com as outras casas de diversão; tratava-se de uma casa de
entretenimento simples, preparada para acolher uma clientela sem etiquetas.
«Não vais longe com a boite», disse um rival. «Queres apostar?», propôs o Gago.
Ao abrir o ABC, o Gago tinha toda a
intenção de provocar o negócio da concorrência. Construíra, de certo modo, a
sua carreira à volta dos entretenimentos e esse facto, até agora, só o
beneficiara. A sua carreira como empresário começou há uns anos, com uma
sociedade barulhenta. Abriu a porta do café em Serpa Pinto, no Porto, e fez uma
sociedade de três. Mais tarde, não se deixou enganar totalmente por um dos
sócios, e acabou por os correr a todos, e mais tarde, abriu o Café
Administrador, no mesmo local. Em Julho de 1975, o Gago teve oportunidade de
mostrar o seu rasgo para abrir negócios e também para escolher nomes. O projeto
de um novo bar fazia jus ao estilo do bar-americano, Gôndola, da Rua do Bonjardim, no Porto, um projeto modesto numa
adaptação de um velho tasco. À última hora, o Governo Civil proibiu a abertura.
Não era tarde, quando isso aconteceu, que havia interessados em tomar conta do
bar e concluir as obras. Na semana seguinte, O Gago foi assediado por ofertas
de outros empresários da noite para vender o Gôndola. Por fim, um guarda-livros que fazia escritas pelas casas
noturnas, tratou de apresentar números e condições, que podia tomar bem conta
do negócio. O Gago aceitou a oferta do guarda-livros e fechou ali mesmo, o
negócio. No ano seguinte, o Gago apresentou ao público o seu novo projeto; para
a quarta casa escolheu o nome O Jagunço, na
Rua de João das Regras. Ao ouvir a reação do público, o Gago achou que o espaço
era curto e que a única maneira de o aumentar era utilizar a cave e torná-la
mais «ardente», introduzindo-lhe uma pista de dança para momentos relaxantes.
Após a modificação, um cliente disse que a pista de dança dava mais calor e
emoção e tornava o divertimento melhor. O sucesso que o Gago imaginou em O Jagunço, teve de facto, brilhantismo;
ombreando com as demais casas da cidade, como ponto de encontro obrigatório
para o cliente citadino. O Gago afastou-se dos meandros noturnos, indo
juntar-se aos seus filhos no Café Administrador tão pacatamente como qualquer empresário
idoso, aos setenta e picos anos, em meados do ano 2.000. Juntando à história
uma nota de ironia, o ABC e o Jagunço, foram um êxito de dinheiro.
O ano de 1983 assistiu ao desaparecimento da
alternadeira Manela (como era tratada), de Espinho, uma mulher determinada que
dizia com frequência que a única coisa de que gostava em O Mundo da Noite era o
dinheiro. Ganhou relevo a sua minissaia, quando era ainda menor; quando veio ao
Porto, nos inícios dos anos 70, trabalhou na Boite Pérola Antiga, trabalhou
também na boite O Inferninho, que com uma irmã mais nova, puseram os clientes
de olhos em bica. Algumas décadas mais tarde, adaptou-se perfeitamente ao Bar Stop, e a seguir, ao Lord, mas a sua irmã mais velha levou-a a fazer parte de um bar da
família que se chamava Can-Can, em
Espinho. Nos anos 90, era uma mulher sem encanto. O seu desespero crescente com
a banalidade dos clientes no ofício, fizeram-na aliar-se de «veteranas» como Nicha
e começou a beber em excesso. Em Agosto de 1981, foi detida por excesso de
lotação, numa rusga da Brigada de Trânsito, na ponte de Espinho, e foi perdoado
por um tal «Piolho», agente de trânsito seu conhecido, que salvou os outros
seis ocupantes do mini. Ao voltar ao
trabalho novamente, por não querer entornar o champanhe para o balde quando as
irmãs rogaram, apanhou grande pifo que tiveram que a tirar da casa de banho,
nua, pelas irmãs. Nas mesas dos clientes, apresentou a sua profissão como
«chupadora de bebidas». Um deles, interrogou-a sobre os pifos e ela gritou:
«Oiçam, oferecem-me de beber uísque, cerveja, gim e champanhe, à tarde e à
noite. Que querem que faça — que vos diga que não?» o cliente levantou-se, e
deu uma grande gargalhada. Ela voltou a gritar: «Já alguma vez tiveram o
porta-moedas vazio?» Depois atirou um tremoço à cabeça do cliente, dizendo:
«Oh, Nelinho! És tão bom homem quando estás calado!» A sua irmã contou aos
amigos que esta atitude fazia parte do seu caráter, no entanto, achou-a
bebedora demais e rogou a Todos os Santos para que fosse responsável. Na
generalidade, O Mundo da Noite estava satisfeito com o seu desaparecimento. O boss Abraão comentou: «A melhor coisa
que posso dizer sobre a Manela é que é fora-de-série». Tornou-se mudada ao
abrir uma casa de flores ao lado do Hospital do Conde Ferreira, no Porto.
Passou a grande parte do final dos anos 90 numa loja de Tarô e santinhos e,
embora tenha feito um corte radical ao fumo e ao álcool, nunca conseguiu fazer
uma reaparição. Dedicou-se ao negócio das ciências ocultas, na zona da Areosa,
com cinquenta e tais anos.
O processo da paternidade de Costa, já referido,
ocupou as páginas de O Jornal Dos
Traidores durante várias semanas e, esse ano, assistiu ao desaparecimento
de uma das caras mais bonitas de O Mundo da Noite. O seu nome era Ermelinda
para uns e Zita para outros, dezassete anos de idade. Nascida em Vila Real e
perdida a virgindade num dia das corridas de automóveis, tornou-se conhecida ao
aparecer ao lado do conhecido empresário do Porto, Madureira na cabina de
discos do nigth-club, Taba. Em 1976, estreou-se em alternos
no Bata clã, e seguidamente, no Stop, e teve uma aventura com Fernando
do Stop. (A vida amorosa de Fernando
parece ter sido tão agitada como a de Zequinha
— ganhou o hábito de ir para a cama com as alternadeiras que trabalhavam
com ele; mas, como era fechado e todos gostavam dele, conseguiu manter-se à
légua dos maus-olhados). Fernando achava-a demasiado artificial e ela voltou o
seu carinho para Amândio, o instrumentista da harpa que fazia parte de um duo
musical. O seu ajuntamento com ele foi amistoso. (Segundo uma amiga, «ela
abandonou o bar de alternos, e meteu-se no jogo das cartas e dos dados com
amigos, e não era capaz de controlar o cigarro nem o álcool, quando repentinamente,
mostrava os seus nervos no jogo no apartamento ao atirar os copos para cima da
cozinha — partia sempre qualquer coisa. Depois de se separar de Amândio, voltou
aos alternes de fugida e os seus amores tornaram-se famosos — A vizinha ao lado
chamava-lhe «uma viciada em jogo». Por fim, cheia de vícios, separada da última
conquista, embutiu uma garrafa de uísque e fumou setenta e sete cigarros, sendo
encontrada deitada na alcatifa, com as mãos sobre a cabeça, na posição de uma
bela adormecida. Desapareceu para a noite, em meados de 1990.
A notícia bomba do Outono de 1977 foi a prisão do
larápio- proxeneta Broas Sortes, no banco de um restaurante da cidade do Porto.
Sortes era uma das figuras mais perigosas da Arte do Proxenetismo, a
organização que tinha por cabecilhas alguns proxenetas e boxeurs, tendo tido o
mérito de transformar um assalto religioso, numa façanha discutível. José
Sortes — conhecido por «Broas», porque constara que ficava doido quando se
sentia com fome — tinha estado envolvido em muitos assaltos a padarias, desde
que passara ráfia na adolescência. Na altura contava vinte e cinco anos e vivia
num quarto privado na pensão sem letreiro, na baixa da cidade. Um dos boxeurs
chamado Pedro, vivia um piso abaixo dele. Foi assediado para ir para Lisboa
como olheiro da Arte do Proxenetismo, seduzido talvez por ser amigo dos portas, que conhecia desde há uns
tempos, do Intendente. Em breve, o elegante e alto Sortes abriu fronteiras no
mundo do proxenetismo na capital e conseguiu o controlo dos azeiteiros de casas
secundárias. Constava também que a sua vida mundana era extremamente agitado,
no meio das prostitutas de segunda classe — tinha fama de brutamontes em
Lisboa. A sua amante foi morar com ele para Campolide e foi trabalhar nas casas
das rápidas, mas Sortes comportou-se
sempre como se fosse livre. Em Fevereiro de 1974, Sortes, de volta ao Porto, ia
a atravessar de carro a pacata terra de Arcozelo, quando lhe ocorreu que seria
o lugar ideal para um assalto religioso. Preparou o gangue e fez um esquema
chamado «Broas, Broas», alcunha que lhe pertencia. Nessa noite, com mais dois
membros, o gangue assaltou o plano e deram o golpe do baú à Santinha. Em 1976, Pedro foi com os
amigos até ao Restaurante Ventura, em Espinho, onde o pessoal da noite se
preparava para dar ao dente. Quando reclamou a Sortes o reembolso de dois mil
contos, este enervou-se e atirou-se a ele enraivecido, sendo separado pelos
outros. Pediram a Pedro que chegasse a um acordo, mas Sortes recusou-se a falar
sobre o reembolso, alegando sem problema as enormes ajudas nos assaltos nos
subtidos da noite nos arredores do Porto, que fizeram furor nos meandros. Em
Setembro de 1976, Pedro, um dos membros do gangue, que fugira para Valongo, e
que apanhado a vender ouro, acabou por «dar com a língua nos dentes» ao chefe
da brigada, foi de cana para Custóias. Em Setembro seguinte, o outro membro,
tinha motivos para se pôr fino, pois estava na lista dos referenciados e «deu
com a língua nos dentes» ao chefe da brigada, acabando no mesmo destino. Sortes
foi encontrado desaparecido, e ninguém sabia do seu paradeiro. Por volta da
meia-noite do dia 17 de Outubro de 1977, Sortes encontrava-se sozinho a cear
num restaurante de mariscos no alto da cidade. Quando Sortes acabou de comer,
deu uma vistas de olhos pelo matutino JN.
Quase no mesmo momento, dois elementos da brigada à paisana, entraram no
restaurante e silenciosamente, cercaram-no. Ouviu-se o som de um clique de uma arma encostado às costas e
um «Não te mexas!» Poucas pessoas se aperceberam da situação. Sortes regressou
à cadeia na carrinha da Judite, e um
dos agentes disse que, se não tivesse «encostado a fusca» Sortes muito
provavelmente, ainda estaria solto.
Em 1977, O Mundo da Noite tinha problemas mais graves
que um gangue de larápios da ocasião. A mudança de estado trouxera uma onda de
inquietação. O boss da noite, Zé, do Club Z, já quase a sair de cena — iria assistir ao incêndio que
devastou quase totalidade do seu club, ao
reaparecer da aurora — mas, mais tarde, viria a público de que o incêndio fora
fogo posto. Um caso que estava a provocar grande impacto em O Mundo da Noite.
Em 1979, Apenas «Amélia», de vinte e oito anos,
estrela dos palcos da noite, vedeta na Boite Granada, e descrita como tendo «os
mais bonitos seios da cidade», disse a quem a quis ouvir: «Todas as raparigas
da noite desejam encontrar o homem dos seus sonhos, alguém meigo e
compreensível, prestável e sério, alguém a quem possam amar apaixonadamente. As
alternadeiras não são exceções». Para Amélia, o homem que se encaixava bem no
seu imaginário era o boss da Boite
Tentativa, Hamilton, mas este já tinha três amantes para aturar. A 2 de Maio de
1979, numa mesa de parolos, Amélia alternou uma dúzia de champanhes e partiu a
mesa na luta com um parolo. Um dos principais motivos da sua depressão pode ter
sido o facto de, embora com talento, nunca ter tido a oportunidade de ter
conhecido o homem dos seus sonhos senão homens de segunda categoria.
Poucos meses depois, os maus-olhados tiveram o seu
maior prazer, em termos do boca-a-boca, desde o processo de detenção de Zequinha. A princípio da madrugada do
dia 21 de Fevereiro de 1987, Fric Boy,
(apelido de Ratazana) o ídolo das
«jovens-putinhas», chegou a um clube de elite, no Porto, onde todo o mundo
estava a divertir-se. Fric Boy tinha
acabado de beber o trago de uísque Jameson
da sua garrafa, quando da sala saiu com a rapidez dum foguete uma beldade de
fazer parar um regimento e meteu conversa. Fric
Boy foi a sua presa. As colegas da beldade roeram as unhas, interessadas na
eventualidade da colega as chamarem para ajudar a beber um Moêt et Chandon. Fric Boy aceitou de bom agrado a presença delas na
sua mesa. Na sua juventude fora obrigado a gastar pequenas mesadas que os seus
pais lhe davam para as extravagâncias, sob obrigação de gastar o menos
possível, tendo apanhado certos vícios; andou depois pelas casas de má fama.
Começou a entrar em esquemas por acaso, em consequência de vaguear pelos locais
do vício, e a sua expressão dominadora e o olhar meio adormecido — o aspeto de
um betinho nato — tornou-o, em breve, com o Marcelo Mastroianni, o homem dos
sonhos de todas as putinhas. Referia frequentemente que a vida de ser um
betinho devia ser gozada plenamente, até um homem se tornar maduro. Por isso
para ele a ideia de gastar algum dinheiro a mais não era alarmante. A noitada
no clube — custou-lhe 2.000 contos, que esgotou o saldo —, que usou
indevidamente o seu cartão American
Express, a não contestar a despesa na base de que estava a ser explorado
pelos empregados. Se argumentasse que
não tinha feito semelhante despesa, significaria uma ida chata à esquadra
policial e muitas revelações sobre casos de exploração em O Mundo da Noite, o
que seria prejudicial a quase todos. Logo
que a notícia penetrou no conhecimento das pessoas, Fric Boy passou um mau bocado. Se o «mau gasto» pode, em
circunstâncias normais, valorizar a imagem de um finesse, então é óbvio que
pode ser uma dor de cabeça ser generoso. Quando O Jornal Dos Traidores, passado umas semanas, trouxe a notícia cá
para fora, foi tamanho sururu que Abraão até escondeu o jornal por detrás das
garrafas da prateleira.
A entrada no alterne de Elisa Mota começara quando
tinha a menoridade e fazia gazeta ao trabalho para ir beber um drinque a um
pequeno bar de Nevogilde, com uma saia justa. Um freguês aproximou-se dela e
perguntou-lhe se alguma vez tinha pensado em entrar para o alterne. Por
intermédio de um amigo do freguês, Elisa (cujo apelido era Bomba-Loira)
conseguiu estagiar aos fins-de-semana num cabaré do centro. A «rapariga da saia
justa» ganhou fama durante o estágio e tornou-se a mulher preferida dos
clientes boémios. O seu primeiro casamento à moda de Campanhã, (juntamento) com
o chefe de mesa durou três meses, provocando-lhe um vazio no coração. O segundo
juntamento, um afamado boémio chamado Tony Chucha, convidou-a para uma ida ao
casino em palpite de uma sorte, juntando-se a ela dois dias depois; era mais
velho quinze anos. O seu terceiro juntamento foi com um comercial, Morgado; o
quarto com o apelidado Grego do Grupo de Traidores, Lacerda. Teve também um
numeroso grupo de flirtes sobejamente conhecidos, com o Cavaleiro da Triste
Figura, Dom Paco e o grupo dos Cartolas. Em meados dos anos 90, a sua imagem de
«rapariga da saia justa» foi esquecida com a idade e a sua carreira estava a
apagar-se. Depois de ela acabar a relação com o Grego, Serrão, antigo
pretendente à vista, apareceu-lhe repentinamente, convidando-a para tomar um
copo, apesar de ter o carro avariado. Serrão era um tipo frangalhote, com uma
cor esbranquiçada, que tinha por alcunha «Pintor», manifestamente porque uma
parte do seu vocabulário tinha por hábito pintar todas as telas. Como a maioria
das loiras, Bomba-Loira gostava de homens dominadores e grosseiros. Num dia,
Serrão dissera-lhe: «Quando eu digo cala-te, tens de calar; quando digo vem,
tens de vir». Bomba-Loira não se opunha a receber as ordens, mas, quando estava
com os gazes à solta, o seu temperamento era conflituoso. É verdade que havia
uma obsessão mútua. Quando ela veio à residencial fazer amor com o Grego,
Serrão esperava-os no átrio e, depois de uma discussão tão barulhenta,
ameaçaram-se um ao outro de pistola em punho, os amigos viram-se forçados a
separá-los. De regresso ao trabalho, foi com Serrão passar um fim-de-semana
para a Foz e a cama fê-los esquecer os conflitos. No Dia do Trabalhador de
1995, Serrão e Bomba Loira foram para o apartamento desta, na Senhora da Hora,
discutindo violentamente. O barulho era tão intenso que Bomba Loira receou que
ele fosse deitar a casa abaixo. Mas quando começou a gritar, pedindo-lhe que se
fosse embora, um vizinho bateu à porta para ver o que se estava a passar; o
pintor abriu a porta e pisgou-se numa brasa. Nesse momento, a Bomba Loira
correu para o vizinho a gemer, de olho pisado «à Neca». Pouco depois, o olho de Bomba Loira deixou de inchar. O
caso apareceu na primeira página de O
Jornal Dos Traidores e juntou achas à fogueira, quando o antigo homem de
Bomba Loira, o Grego, declarou aos amigos que se o pintor lhe batesse outra
vez, lhe pregaria um tiro na cabeça. As fofoquices de desgraça apressaram-se a
divulgá-las em maior escala. Revelavam concretamente que ela estava
desesperadamente apaixonada por Serrão. A sós, Bomba Loira e Serrão tiveram
toda a noite na marmelada e, juraram um pacto de não-agressão. Nessa altura, os
bares não tinham dúvidas de que, para espanto de todos, a desgraça teve um
efeito favorável; a clientela de Bomba Loira, que estava em baixa, renasceu em
grande. Durante a passarela para a eleição de Miss Lord — o concurso que englobava as mulheres de bares —
clientes da sala gritavam: «Estamos na bicha, Bomba Loira». E a sua clientela aumentou
uma vez mais, como sucedera no início dos anos 80. A desgraça revelou-se o
melhor meio de promoção.
Quando Novais ou «Baixinho», veio para O Mundo da
Noite, no início dos anos 80, consta-se que riscou no papel de um guardanapo
uma lista de nomes de prostitutas com quem queria ir para a cama, e depois,
riscava-os um a um depois de conseguir os seus intentos. Contava-se a piada
que, para os empregados de mesas de O Mundo da Noite a definição de «mulher
esquisita» era aquela que não tinha caído nas graças de Baixinho. Mas os
fala-baratos do bar aproveitavam-se em catapulta para se baterem a todas as
doçuras que adoravam Baixinho pela calorenta balela da sua voz e pelo seu
sorriso atrevidote.
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