Thursday, August 5, 2010


CONTOS DE RATAZANA
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O Pub do Cacá…





No Pub do Cacá… o empregado fazendo o melhor que é capaz com o seu inglês de bar!

«Nós não temos o Crime, mister. Temos o Jornal de Notícias e o Jogo.»
«Não», diz o mister. «Eu quero o Crime, tem um bom título. Só fala sobre o delito, não é?»
«É sim, mister.»
«Gosto do título; quero esse jornal. Compre-mo logo.»

Vai-se o empregado, com a gorjeta no bolso, e aparece o barman João a cumprimentar-nos. O barman João, é imensamente reconhecido, e está bastante firme de poder controlar a situação.

«Desculpe-me, mister. O empregado disse-me que o Senhor desejava o Crime. Não vai gostar do jornal, mister. Posso sugerir-lhe O Primeiro de Janeiro?»
«Não, quero o Crime. Gosto do nome. Os Portugueses são um povo fantástico, um grande povo aventureiro… Vim cá porque admiro o seu espírito bairrista. Quero arranjar esse jornal sobre o delito.»

O barman, de sobrolho levantado, distancia o olhar em torno da sala, firmamento. Impossível dizer o que está a imaginar sobre o mister, mas sei que as suas opiniões sobre mim e sobre Paulo, são meramente favoráveis.

«Já vão seis pró maneta, mister, mas não é sobre o delito… é sobre homicídios. É para leitores.»
«Bem, eu leio, tu lês… compre-o. Compre-o hoje.»
«Mister!», grita o barman João, preocupado, «não está a entender! É o jornal dos ´crimes`!»

Isto podia durar uma tarde inteira, mas Paulo descobre uma mesa onde está Cacá, o proprietário do pub, e é para lá que nos dirigimos. Cacá não faz cerimónia e convida-nos a sentar-nos. Segundo o que Cacá nos disse, alimenta vários romances, secretos e abrasadores. Através de mim, Paulo tem andado a frequentar o pub, farejando um esquema qualquer e Cacá ignora-o. Paulo sempre em toda a vida desejou entrar num desses romances, esquemas abrasadores de fazer tesão, sobre os quais se ouvem vagos comentários nos pubes da Invicta. Cacá é, realmente, o tipo de homem que Paulo gostaria de ser. Calças feitas por medida, uma bela cabeleira preta, uma carteira repleta de Visa-Visa, e um cordão de ouro ao pescoço para o embelezar, o ar sadio de quem come e bebe bem, e abastece de energias no ginásio do Dragão praticando boxe. Ele e Paulo passaram quinze minutos a confessar-se, abrindo-se um ao outro… eram como dois amigos falando, abertamente, decidir se num futuro próximo, deviam engatar A ou B, para gozar um fim-de-semana em qualquer lugar ou apenas irem para a pensão de Paulo para darem uma rápida… Talvez estivessem a representar um para o outro. De qualquer forma eles são completamente a favor de jogos quando se trata de conjugar planos com saias. Paulo, que ouviu o final da conversa do mister com o barman João, começa a falar das últimas novelas. A Patrulha de Segurança e dois guardas à paisana foram chamados, diz ele a Cacá.

«A velha táctica do Grande Reinaldo(1)… atrair as miúdas com os provincianos e fazer arrotar os labregos pelas miúdas. Oh, os nocturnos são sábios nos seus métodos, como também o são os galegos com a sua conquista muito simples. Regra geral uma tentativa do golpe de baú é suficiente para acalmar os nocturnos. China e Pedro(2) quase levaram as gémeas a entrar no manicómio…
…O saque das seis latas de moedas de vinte foi inteligentemente levado a cabo para que as gémeas não mais se esquecessem de ambos. Mas agora… as pessoas começam a aperceber-se de que China não era o único explorador na Invicta, era somente o mais exibicionista. E os nocturnos, como todos os machistas, têm a paixão do sexo… quando estão michos uma mulher da viela, éguas de luxo quando estão endinheirados.»

Após este resumo muito breve, Cacá, o barman João e Paulo estão na mesma onda quanto à venalidade dos factos nocturnos, e o entusiasmo do barman João começa a revelar-se.

«A questão é esta», diz o barman João, «hoje em dia toda a gente quer explorar toda a gente… é por isso que o delito nunca terá sossego. Porém, os nocturnos são o único grupo que se dedica a estudar a maneira de perder dinheiro na noite. Aqui não há nenhum jornal que não foque um artigo dedicado a assuntos da noite, e existem uma mão cheia de cronistas que dia e noite dão notícias e informações sobre a noite. Mas olhe para os pancadas… são loucos por sexo aberto…
«Até nos bares se fazem babados», interrompe Paulo, cansado de estar calado. Faz valer os seus conhecimentos, e agora percebo por que é anda sempre a falar para os porteiros, e sendo assim, sabe tudo.
«Ouve-se falar nalguns, poucos bares», continua o barman João, «artistas a fazer dois e três por noite, mas quem não sabe disso?» Os otários dos tipos que pagam os alternos, caríssimos, e um número escasso de clientes que visitam duas ou três vezes por semana. Na Invicta, as notícias sobre assuntos nocturnos são correntes no dia-a-dia.»
«Você comete um erro em relação aos bares por exploração», observa Cacá. «Esquece-se de que não são donos nem responsáveis que estão à frente do negócio… se fossem, tinham outras regras, obviamente. Digo-lhes que eles são gananciosos. Quando se houve o explorador de um bar dizer a forma como vai ganhar cinquenta euros em cinco minutos com uma prostituta de dez euros por um broche no reservado, vê-se logo que pertence à raça de Feliciano(3). É minha ideia que as pessoas são exploradas por abutres do negócio.»
«Não compartilho dessa opinião. Se fossem gananciosos não se lhes conseguia sacar sequer um chavo, e nós não estaríamos agora aqui a gastar saliva. Se não fossem especuladores, de que é que viveriam para pagar rendas tão altas? Mas como eu ia dizendo, os exploradores nocturnos, na Invicta, têm qualquer fêmea, boa ou não, passam logo a mensagem a dizer a estreia… em qualquer dos casos a publicidade produzirá uma alteração no aumento do negócio, e ele pode muito bem aproveitar-se no início, e safar-se antes de vir o desgaste. Há uns patos que vão ser chupados, pensam eles, mas eu não, que sou ganancioso e não vou gastar algum… É um sentimento anarquista, como vê…»

O barman João faz um gesto assentimento. Podia-se imaginar que era um ex-esperto nestas coisas… Tem a sala repleta à sua frente e olha à procura do casal chegado da rua…

«O meu último ponto de vista», continua Cacá, «baseia-se na facilidade com que o sistema das casas funciona em relação aos preços. Estabelecem aumentos altos, com um aumento de mais de cem por cento… inventam, sacam, maltratam, fazem tudo o que é preciso para receber e não ter que resolver o problema à solha.»
«E a bófia?», pergunta Paulo.

«A bófia faz aquilo que lhe compete, isso não se discute. O importante é não haver tiros e ninguém se aleijar entre os clientes.»

«Bom, a única coisa de que precisam é de um porteiro. Um bom porteiro, fardado, com classe, espalha a publicidade pelos bares de boa nota e pelos cafés da baixa que tem a frequência dos trabalhadores da zona Centro e tem garantido casa cheia. Só tem de lançar o programa… Os outros porteiros, ao divulgarem as suas informações, dão-lhe publicidade.»

O barman João concentra-se no seu espaço para analisar o trabalho que o espera. O rosto ilumina-se ao mero pensamento da conversa e isso torna-o quase eléctrico. Talvez esperasse que Cacá corresse para ir buscar uma matrona, e Paulo fosse chamar os porteiros, pois mostra-se desapontado quando a conversa termina, sem que daí nada resulte. Eu e Cacá prometemo-nos encontrar mais tarde, e Cacá vai sozinho no carro até ao Brasília Club. Paulo apeia-se uma zona mais em baixo. Então eu tomo a direcção da discoteca de Cacá… Cacá não deve ter chegado lá, mas deve estar alguém para dar à língua, o que é uma boa oportunidade para passar um bocado do tempo. Passo a sala a pente fino, mas está visto que gente não falta para dar cavaco. Cacá não se encontra ainda. A discoteca está meia apinhada de pessoal ávido para dançar e esperar pela meia-noite para ouvir uma de fado. Carlos Alberto, antigo vendedor da Ricard, encontra-se à beira do balcão e chama-me para lhe fazer companhia. Se tivesse um foguete, diz ele, deitava-o agora mesmo ao ar… O rosto de Carlos Alberto ilumina-se assim que me aproximo. Não esperava encontrar-me por aquelas paragens. Fica a palrar, como um papagaio quando exibe o falatório e não se pode dizer que o seu repertório seja curto. Eu imediatamente começo a escutar a ele.

«Ouve lá, tu estás fixe!», exclamo assim que ele faz uma paragem. «Nunca me disseste o que fazes para te conservares assim. Diz-me cá, só para os dois, há alguma hipótese de me dares essa receita?»

Já não tenho pedal em permanecer num ambiente destes, mas quero ficar a par das últimas novidades antes de deixar Carlos Alberto sozinho com ele próprio. Depois de algum tempo passado a contar as nossas asneiras, consigo ficar uns momentos a observar a sala. O espectáculo está no início com a música pimba a aquecer os corações destroçados… e não quero perder uma pitada do mesmo.

«Gostaria de durante uns tempos voltar a ser rapaz», diz, empurrando-me com um chega para lá, retirando-me do espaço onde estava pousado. «E não iria tão vazio para a outra vida… é melhor bebermos mais uma bebida.»
«A outra vida não se importa que vás vazio quando partires se, também levares um garrafão no caixão contigo», respondo-lhe eu. «Ela tem-te na lista.»

Carlos Alberto deixa-se emborcar na bebida e fazemos prognósticos enquanto ele saboreia, é chegado o momento do fado… A fadista do Brasília Club é tão graciosa como o fado que interpreta! Ah sim, ela parece que leu o meu pensamento. A fadista dá um ar da sua graça, e o público sente-se atraído pela sua voz. E para terminar… até canta um fado para a dor de corno… Lá vou eu para uma mesa para falar com Cacá que já regressou. Estive a falar com a Tesouro do Bairro, uma cliente da música salsa, digo-lhe eu. Estive a sondá-la para lhe dares uma foda, e acho que ela só se aninha por dinheiro… gosta tanto de money, como tu gostas dele no banco. Portanto… tudo o que ela quer é uma foda por cabrito e receber na hora. A minha opinião, como tenho certo conhecimento, é que não a fodas por dinheiro… Cacá acha que a minha opinião é muito relativa. Tudo isso é tão ocasional, diz ele… nem imaginas as gajas incríveis que eu tenho atrás de mim. Um dia destes apanho-a à medida para a levar a ter uma aventura, não acreditas? E há mais como esta. Claro que o diz com toda a naturalidade. Cacá deseja foder bem a Tesouro do Bairro, e tem uma lista de perguntas do tamanho de uma perna. Onde é que ela gosta de levar? Onde é que a vou encabar? Qual é a melhor altura para fazer isto ou aquilo? E durante os primeiros quinze minutos que trocamos de conversa, fica sentado a beber Licor Beirão e armazenar tudo na sua box cerebral. Ainda há muito dela que tem de ser explorado antes de a levar para a cama, exclama, e quer conhecê-la sobre todos os ângulos. Informo-o do local onde pode ver uma seta seguida de uma tatuagem que vai da cintura dela até baixo… Se bem que não saiba muito bem onde é que, mora o fim da tatuagem. Depois quer saber se é realmente o tal canal como pensa… ou é, apenas… rasteira? Não era a primeira, é claro… Depois disto apetece-me contar-lhe esta. ´Uma margarida qualquer, depois de umas apalpadelas convence o parceiro que está próxima a menstruação e põe-se disposta a tudo… pelo menos é o que ela disse. Uma vez enfiada na cama, foram favas contadas. Abriu-se como uma lapa e deixou que a manobrasse sem a menor dificuldade. E a cabra realmente deixou-se penetrar pelo espírito das loucuras… estava tão em brasa que não conseguia falar direito… e o prazer parecia uma alucinação.` Suspira, olha de relance para mim e desaperta o colarinho. Bebe uns goles de licor.

Talvez ela preferisse que eu lhe fizesse um telefonema para a levar a passear? pergunta-me. Pensou nisso quando estava a ouvir-me, mas acha tão banal usar esse pedido e, além disso, não se sente excitadíssimo… Contudo, se ela achar que eu não uso a nota para a comprar, vai ter que decidir daqui para a frente. Estou curioso como ela é… aquele seu pequeno cu arrebitado chega para me dar tesão, com tatuagem ou sem tatuagem. Como a como só com os olhos, o cu parece ficar mais arrebitado... Cacá puxa a camisa para baixo e entretém-se com as suas mensagens. Oh, aquela gaja! Passa o tempo a convidar-me para tomar café e levar uma queca! Quando é que alguma vez vou ter tempo! exclama ele. E eu sei o que é que aquilo o leva a querer fazer? Fá-lo querer perder a cabeça… sim, perder tudo... Mas depois de me revelar isto, faz-se atrevido. Por fim tenho de o elogiar e contar-lhe uma anedota dos nocturnos. Uhuh, graceja ele… mas é uma anedota ordinária, acrescenta logo a seguir... Estou certo de que a tatuagem de Tesouro do Bairro fazendo sessenta e nove com os clientes ficaram gravados na mente de Cacá, mas ele fecha-se em copas, ou mesmo de pensar em lhe comer o pacote. Raio, suponho que a podia conquistar por dá cá aquela palha… Qualquer prostituta, desde que esteja a ser paga, não é difícil convencê-la a umas brincadeiras extras. Umas cócegas no grelo e está pronta a tudo… mas ele quer que a iniciativa parta dela… ou pelo menos que ela assim o assuma. Conto-lhe aquela da vendedora ambulante que, depois de experimentar levar no cu, andou meio século até descobrir uma pissa que a satisfizesse… Riu-se assim que acabo de contar. Estas prostitutas! O que elas gostam de apanhar alguns patacos em troca de uns serviços! Do que a Tesouro do Bairro mais gostaria, agora, exclama ele, era que eu lhe metesse uma nota graúda na mão e a fodesse até ficar paralisada, mas não se quer familiarizar com a minha atitude mais do que o fez até à data… Mas eu posso ser tão teimoso quanto ela… Lanço-lhe as minhas pestanas, mordo-a à distância, com a língua aguço-lhe o desejo. Quando me aproximo muito dela murmura baixinho… eh… é hoje… por que é que não a levo agora… Oh, devemos ser iguais àquelas mulas matreiras das feiras, não devemos? Sim, estamos a fazer quase o mesmo papel que elas… Abana a cabeça quando lhe digo que lhe lance um repto. Da primeira vez esteve quase… depois passou. O que é que queres que eu faça? pergunta. Como se o desconhecesse, como se não tivesse um pequeno gesto de lhe oferecer um ramo de cravos, um saco de bombons, algo do que ela não estava à espera! Quero que ela mo chupe e também me foda. É isso? Fá-lo-á, se eu lhe pagar. Mas eu não pago.

Um tipo aguenta certas merdas até um ponto. Imagine-se uma mulher com uma vontade do tamanho do elevador dos Guindais, uma prostituta com os anos da putaria que a Tesouro do Bairro já tem, e a tentar convencer-me que não entende que quero que me dê uma goela! Decido dar-lhe só mais uma chance… depois, se não toma a iniciativa ao mesmo tempo que me conhece, ponho o seu nome na minha lista de espera e o caso arruma. Durante uns brevíssimos dias tudo se modifica. A Tesouro do Bairro aparece no meu bar… dá a impressão de se sentir realmente só e pede-me para lhe chamar um táxi. Digo-lhe para aguardar e Cacá subitamente aí vem, e ela está ainda a saborear o café da noite. Torno a pô-los lado a lado e ela também entra na conversa… pede-lhe uma boleia para casa. Assim que se encontram a sós a Tesouro do Bairro diz que não vai voltar com a palavra atrás. Não, desta vez perdeu a oportunidade… perdeu mesmo. Não faço ideia o que ela pensa de mim e por que me quer extorquir a nota? Tem de pensar que sou um amigo! Oh, uma prostituta tem que ter ética! O tempo para estas aventuras já pertence ao passado... Uma rapariga na sua idade e nas suas condições, tem de ter bom senso para tolerar certas coisas… etc., etc.… Quer engordar a boleia, mas eu tenho um encontro. Persuado-a a beber uma taça de champanhe, depois mais tarde. Torno a olhar para a seta. Aquela em que a Tesouro do Bairro exibe junto ao rabo atraindo os clientes enquanto lhe fazem namoro, parece exercer uma atracção sexual… Certamente que ela nunca teria feito aquilo se não tivesse um sentido intencional… Asseguro-lhe que nos veremos… e logo se ela viesse até ao pub numa de beneficência… ou prefere o cachet? Pensa que o cachet é mais agradável, mas realmente, não devia… e deixa-se ir de sorriso ardente e gravita no breu da noite como um tesouro apetitoso...
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- 1 - Antigo boss da noite
- 2 - China e Pedro: capangas do Porto, cujos saques provocaram a desgraça das suas vítimas...
- 3 - Personagem nocturna dos anos 80.



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