A vendedeira de
panelas, o cliente do Porsche e o Varredor…
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O meu próximo encontro no café
Vera Cruz, na rotunda da Av. da Boavista, deu para conhecer mais uma cara nova,
amiga das vendedoras de panelas. Dirigi-me até
elas.
«Olá! Temos mais uma vendedora?» - Ripostou, com um ar que a enterneceu. «Não. Sou uma aprendiza.» - Gaguejei um pouco:
«Ok, isso
não é problema.» -
Devo confessar que aquele grupo era endiabrado. E lá aparece Caga Milhões com as sobrancelhas arrebitadas:
«Por aqui?» - Enviei-lhe uma saudação com a mão. «Até foi bom aparecer. Chegue-se para
aqui.» - Aproximou-se.
«Estás bem acompanhado.» - Sorri para ele. «Chegue-se cá. Quero apresentar-lhe esta cara bonita.» -
Estendeu a mão, a moça da cara bonita não tirava os olhos dele. Parece que tinha visto o Conde da Batata Frita!...
E foi assim que eles se conheceram.
«Deve ser bom andar num carro
daqueles - disse a moça da cara bonita. -Que marca de carro é?» -
A voz dele sobressaiu:
«É um Porsche.
» -
«Sabe que nunca andei num carro daqueles?»
«E qual é o problema? Se quiser, damos já uma volta
pelo jardim da Foz e ponho-a cá num instante.»
Não hesitou e saiu atrás dele em direcção ao carro. Quando os vi entrar
para o carro, não deixei
de rir. Lembrava-me das palavras dela quando
disse: - Nunca andei num carro daqueles. Francamente, não é que eu tivesse
alguma coisa contra
a máquina, nada disso, simplesmente aquele carro tinha mais de vinte anos. Ao ligar o motor, fazia
mais fumo que a caldeira do fogão a lenha do tempo do meu avô. Pus-me a vê-los arrancar.
Mal o carro avançou,
o fumo espalhou-se pelo ar, deixando
um rasto de cheiro a óleo queimado.
E Caga Milhões descreve uma volta pela avenida adiante.
O vento hoje sopra a Norte e vem carregado de calor. Alguns transeuntes olham
curiosos. Os olhos dela eram como verrugas, penetrantes, mas a falar era suave e simpática. Caga Milhões tinha-lhe
oferecido uma espécie
de corrida e tinha-a entusiasmado com uma volta ao longo da avenida,
até passar por cima do jardim, parando
junto dos arbustos...
Pergunta-lhe:
«Que tal? Gostou
da viagem?» -
«Ufa, deixe-me respirar, ainda estou meio
tonta» -
«E vá lá que ainda
não carreguei o prego a fundo!...» -
«Essa é boa... Não me assuste mais.» -
«Há uma coisa que não sabia. É assim tão rechonchuda?» -

«Mas que coxa gorda!...» -
«Cuidado, não ponha as mãos nas pernas que o varredor está a espreitar!» -
«Quero que o varredor vá dar uma curva ao sobreiro!... Com a traça que estou, ainda
o deito abaixo!» -
«É doido ou quê? Pare de me apalpar as mamas.» -

«Que homem este que me põe... tão tola... aiaiaaaai!» -
«Ó filha, e se déssemos aqui uma braitada? O varredor até se mijava todo.» -
«Deixe de dizer tolices. Atenção que o varredor vem para cá.» -
E Caga Milhões abre o vidro do carro e põe a cabeça
de fora, papagueando
todos os disparates, insultando o varredor:
«Se dás mais um passo em frente,
passo-te o carro por cima desse esqueleto de peru...» -
«Ah!, sim - disse o varredor pouco risonho - Vai mandar postas de pescada
para a tua rua.» -
E, cinco segundos
depois, Caga Milhões, gracejava sobre os braços dela e tocou-lhe nos cabelos.
«Ó filha, chega-te mais para
cá.» -
«Pare de me apalpar, senão começo aqui a gritar.»
-
«Boa ideia tiveste agora, grita que eu gosto.»
- Um grito solitário rasga o silêncio da manhã. No interior do carro os dois corpos envolvem-se numa marmelada franciscana... Ao longe, o varredor murmura
para a relva.
«São completamente doidos! Filhos
de uma puta!» -
E nove minutos depois, no interior do carro, tudo se acalma.
Que peso sai daquelas cabeças
tontas e perversas
e produz semelhante gritaria? Ele sai do carro e dá um arrumo às roupas. Depois,
volta-se na direcção do varredor.
«Também estás com a traça?
Espera aí que já te faço a folha.»
-
«Vai roncar prá tua rua. Tens cara de chouriço!»
- Espingardou o varredor...
«Chiu! Eu calo-te já.» - Entrou para dentro do carro e ligou o motor.
«Fica a saber
que tenho os meus impostos
em dia.» - Deu uma aceleração ao carro que passou velozmente
por cima do jardim
pondo o varredor a correr por tudo quanto era relva!
O carro, depois de galgar para a estrada,
perdeu-se pela avenida.