Sunday, August 13, 2017




                                             METADE NÃO CHEGA
                                                         _______

   No diário com o meu subconsciente, tenho verificado que, quanto mais eu cresço, tanto mais recorro eu às minhas lembranças de infância de menino feliz em família de quatro. Estou convicto de que a primeira lei na família deve ser a da amizade, baseada na sinceridade. Muito antes de eu saber ler já era capaz de comer sózinho. Entretanto, fazia alguma sujeira. Desde do dia em que comecei a comer à mesa, o meu irmãozinho de nome Samuel, mais velho cinco anos que eu, era quem tinha a gentileza e a alegria de mimar-me à mesa. «Deixa eu dar de comer a ti.» Era precisamente essa parte «dar a ti» que concedia tanta graça à amizade entre os dois. As crianças reconhecem como são muito poucas as oportunidades que têm de ajudar os outros, e naturalmente, aproveitam-nas sempre que surgem. É a gentileza na sua forma mais pura.
   Hoje, rapaz adulto, pedi ao meu subconsciente que não separe a relação do irmãozinho, não porque seja um ato de renunciação, censurável como tal; mas sim, porque a relação pertence-nos, e é um dos nossos mais ricos tesouros... E se pedi ao meu subconsciente que vá auxiliar o meu irmão em qualquer obstáculo, é apenas porque o outro precisa de ajuda. E não é por qualquer razão natural que insistimos em que haja arrumo na casa; é por atitude: a casa é um bem essencial, e de todos nós dependerá mantê-la fresca e cheia de encanto.
   Qando preparo o meu menú para o jantar em hora de relaxe, e sirvo arroz de coentros, porque sou vegetariano, faço questão de o comer, mesmo que não sinta grande apetite, para ser gentil comigo mesmo; poderá talvez quem diga que isso é nocivo ao espírito de iniciativa dos adultos. Mas num rapaz adulto que preze a gentileza, esta nunca é unilaterial. O rapaz adulto que come arroz de coentros hoje para agradar a si mesmo, terá um dia o prazer de ver os amigos sentados no sofá, ouvindo-o tocar viola e cantar, aclamando, encorajando-o; e se for um serau, lá estarão também, na plateia, o pai, a mãe e o irmão...  
Lembro-me de que o meu irmão, quando a música pimba ainda não era focada, dançou na sala durante algum tempo, ao som da música A Minha Casinha, para mostrar as suas habilidades no jogo de ancas e pernas.  
No dia em que abalei para Londres, estando já a viver maritalmente, meu pai ofereceu-me este conselho, vivido da experiência: «Na relação conjugal, a ajuda deve ser total e ampla; metade não chega.» Isto é totalmente correto, e se aplica não só à união estável, como também à vida familiar. Metade não chega. Até a metade, é a razão que nos comanda, daí para a frente, é o coração. E os psicólogos não estudam o coração...  


No comments: