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Meia-noite,
mais ou menos. Um homem de chapéu enterrado na nuca vem do fundo da sala e
caminha direito à casa de banho; pára, agacha-se para despertar a portinhola
das calças e tira a gaita para fora, pondo-se a mijar para o urinol mas mija
para o chão… e, em vez de mijar, põe-se a rir como um desastrado: «Olha para
isto!» E volta a mijar fora do urinol!... «Esta está boa! Mas quem seria o filho
da mãe que pôs ali aquele letreiro na retrete?...» E ele sai cá para fora e
diz: «Que lindo serviço! Mijei no chão porque me assustei com aquele reclame
que está lá escrito a letras gordas que diz: ─ QUEM MIJAR PARA O CHÃO FICA SEM
A GAITA!... E o homem de chapéu enterrado na nuca sai para a rua desnorteado,
fora de si, a levar na mente aquela tesoura no ar que viu na casa de banho,
quase que lhe cortava a gaita!...
Abraão
em, Escritos Traidores.
O Fascista
e o Candongueiro
______________
Um
fascista entra numa loja de mercearias e é abordado por um empregado. ─ O que
deseja o senhor comprar? ─ pergunta o empregado com uma lista na mão. O cliente
passa uma vista de olhos pela lista e pede um garrafão de cinco litros de vinho
verde e um presunto e questiona: ─ Posso servir-me da mercadoria e deixá-la
aqui a aguardar?
─
Muito bem. Mas quando pensa vir buscá-la?
─
Daqui a seis meses ─ responde o fascista.
─
Seis meses?
─
Desculpe, mas eu ainda não disse tudo. É que só penso pagar daqui a seis meses.
─
Isso é ridículo. E porquê esse tempo?
─
É que, daqui a seis meses, vou ter no cemitério um encontro marcado com um
candongueiro. É uma pós-ditadura.
Abraão
em, A Música Que Eu Dou.
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