Thursday, November 6, 2014


                                                     .

Meia-noite, mais ou menos. Um homem de chapéu enterrado na nuca vem do fundo da sala e caminha direito à casa de banho; pára, agacha-se para despertar a portinhola das calças e tira a gaita para fora, pondo-se a mijar para o urinol mas mija para o chão… e, em vez de mijar, põe-se a rir como um desastrado: «Olha para isto!» E volta a mijar fora do urinol!... «Esta está boa! Mas quem seria o filho da mãe que pôs ali aquele letreiro na retrete?...» E ele sai cá para fora e diz: «Que lindo serviço! Mijei no chão porque me assustei com aquele reclame que está lá escrito a letras gordas que diz: ─ QUEM MIJAR PARA O CHÃO FICA SEM A GAITA!... E o homem de chapéu enterrado na nuca sai para a rua desnorteado, fora de si, a levar na mente aquela tesoura no ar que viu na casa de banho, quase que lhe cortava a gaita!...

                                                                                                              Abraão em, Escritos Traidores.




                                                     O Fascista e o Candongueiro
                                                               ______________

     
Um fascista entra numa loja de mercearias e é abordado por um empregado. ─ O que deseja o senhor comprar? ─ pergunta o empregado com uma lista na mão. O cliente passa uma vista de olhos pela lista e pede um garrafão de cinco litros de vinho verde e um presunto e questiona: ─ Posso servir-me da mercadoria e deixá-la aqui a aguardar?
─ Muito bem. Mas quando pensa vir buscá-la?
─ Daqui a seis meses ─ responde o fascista.
─ Seis meses?
─ Desculpe, mas eu ainda não disse tudo. É que só penso pagar daqui a seis meses.
─ Isso é ridículo. E porquê esse tempo?
─ É que, daqui a seis meses, vou ter no cemitério um encontro marcado com um candongueiro. É uma pós-ditadura. 


                                                                                                     Abraão em, A Música Que Eu Dou.

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