Sunday, June 8, 2014

CONTOS DE RATAZANA (7) __________________ Durante a manhã, quase sempre ia tratar de fazer as compras para o bar. Depois das nove horas,era acordado pelo velho despertador que nunca falhava o seu toque, depois do pequeno almoço, leite e café, com um pão torrado ou tostas, conforme o que houvesse em cima da mesa, e saia para a rua. Gostava de utilizar as zonas pouco demarcadas dos locais habituais, afim de fugir a uma certa rotina. É dia de peixe. Mas nem sempre havia o que me interessava. Depois das compras feitas, voltava de regresso a casa. Pelo meio, fui tomar um pingo de leite com café. Entrei no café e ouvi chamar por mim: Psst. Rodei a cabeça e vi um grupo de mulheres sentadas a olhar. Reconheci uma delas e aproximei-me do grupo. «Se ainda duvidas quem eu sou, chaga-te cá.» - Exclamou a mulher que reconheci. Franzi o sobrolho: «Sabes bem que de manhã ando sempre a dormir.» - Trocamos as saudações da praxe. Depois dela me apresentar as suas amigas, disse: «Como conheces muita gente, podias ajudá-las a vender as suas tralhas.» - Achei óptima a ideia. «Com todo o gosto, não sei os preços que levam por vender as vossas tralhas, mas de uma coisa sei eu; fazer tachos é a minha especialidade…» - Ao mesmo tempo, pisquei-lhes o olho, elas entenderam. Perdi alguns minutos a conversar até voltar à minha vida. Prometeram fazer uma visita ao bar. Não eram umas novatas mas, pensando bem, ainda rompiam umas meias solas. Eu estava sozinho, no bar, cercado de copos para arrumar em cima de uma bandeja. Elas, ao verem-me, exclamaram: «Eh lá, lamentamos incomodá-lo mas podemos tomar um cafezinho?» - Eu, cheio de simpatia, levantei a mão e fiz-lhe sinal para se sentarem, saindo ao encontro delas. Sentámo-nos à mesa. Elas tomaram café e umas bebidas gasosas. Uma delas, a loira, arregalou os olhos: «Mostre-nos lá a sua casa. Já vi que é muito bonita.» - Levantei-me e fiz-lhe as honras da casa. Depois, voltamo-nos a sentar. A entrada de clientes na sala interrompeu a nossa conversa. Pedi licença e fui atender: «O que vão tomar?» - Perguntei eu. Eles não paravam de olhar para o fundo da sala. «Para mim, serve-me o habitual.» - Disse Cola Meu. O parceiro ao lado, Caga Milhões, não se fez esperar. «Um whisky com muita água.» - Enquanto os servi, arranquei os meus pensamentos para a manobra. Voltei-me para os dois: «Tenho ali aquelas vendedoras que querem vender os seus artigos; por acaso não estão interessados em ir ver?» - Cola Meu sorriu: «Vamos lá, mas só se o preço for convidativo.» - Levei-os à mesa e apresentei-os. «Chamo-me Filete Dourado.» - Depois dela se apresentar, disse Caga Milhões: «Parece que a conheço.» - Tinha de ser. Aquele homem conhecia tanta gente que raramente alguma pinta lhe escapava ao seu olhar de avestruz. «Eu a ti também ─ disse ela, compondo-lhe a gravata. ─ Fica melhor assim.» - Os outros olharam para eles com alguma inveja. Momentos depois, Cola Meu pôs-se de pé, de ombros largos para trás. «Não queres mostrar-me… as tuas peças?» - A outra pegou na maleta de mão. «Aceito. ─ Mas nada de apalpões à ganância.» - Deram entrada no coreto ao lado, tendo ele jurado que não a apalpara daquele modo que ela expressara. Caga Milhões e Filete Dourado foram foxtroteando como manda o regulamento do bar. Quando a dança acabou ele, radiante de prazer, propôs: «Queres ir até à varanda apanhar ar?» - Ela sorriu. «Só um bocadinho, mas cuidado com essas manápulas.» - Os outros estavam encantados. Quando eles se cruzaram no caminho, a outra pareceu admirada. «Ena! ─ diz Cola Meu ─ Conseguiste?» - E ele: «Cala a boca!» - intervém Caga Milhões: «Deixa lá. ─ Responde a outra ─ Não ligues!» - Arrebentaram de rir. Mas fica-se por aqui o encontro. Os dois seguem os seus destinos, enquanto elas vão tratar de preparar as próximas encomendas que estão para acontecer, se a sorte não desaparecer. O próximo encontro no café deu para conhecer mais uma cara nova, amiga das vendedoras de panelas. Dirigi-me até elas. «Temos mais uma vendedora?» Ripostou, com um ar que a enterneceu. «Não. Sou uma aprendiza.» - Gaguejei um pouco. «OK, não há problema.» - Devo confessar que aquele grupo era endiabrado. E lá vem Caga Milhões com as sobrancelhas arrebitadas: «Por aqui?» - Enviei-lhe uma saudação com a mão. «Até foi bom aparecer. Chegue-se para aqui.» - Aproximou-se. «Estás bem acompanhado.» - Sorri para ele. «Chegue-se cá. Quero apresentar-lhe esta cara bonita.» - Estendeu a mão, a moça da cara bonita não tirava os olhos dele. Parece que tinha visto o Conde da Batata Frita!... E foi assim que eles se conheceram. «Deve ser bom andar num carro daqueles ─ disse a moça da cara bonita. ─ Que marca de carro é?» A voz dele sobressaiu: «É um Porsche.» - «Sabe que nunca andei num carro daqueles?» - «E qual é o problema? Se quiser, damos já uma volta pela Avenida da Boavista e ponho-a cá num instante.» - Não hesitou e saiu atrás dele em direcção ao carro. Quando os vi entrar para o carro, não deixei de rir. Lembrava-me das palavras dela quando disse: ─ Nunca andei num carro daqueles. ─ Francamente, não é que eu tivesse alguma coisa contra a máquina, nada disso, simplesmente aquele carro tinha mais de vinte anos. Ao ligar o motor, fazia mais fumo que a caldeira do fogão a lenha do tempo do meu avô. Pus-me a vê-los arrancar. Mal o carro avançou, o fumo espalhou-se pelo ar, deixando um rasto de cheiro a óleo queimado. E Caga Milhões descreve uma volta pela avenida adiante. O vento hoje sopra a Norte e vem carregado de calor. Alguns transeuntes olham curiosos. Os olhos dela eram como verrugas, penetrantes, mas a falar era suave e simpática. Caga Milhões tinha-lhe oferecido uma espécie de corrida e tinha-a entusiasmado com uma volta ao longo da avenida, até passar por cima do jardim, parando junto dos arbustos… Pergunta-lhe: «Que tal? Gostou da viagem?» - «Ufa, deixe-me respirar, ainda estou meia tonta.» - «E vá lá que ainda não carreguei o prego a fundo!...» - «Essa é boa… Não me assuste mais.» - «Há uma coisa que não sabia. É assim tão rechonchuda?» - «Sou, mas chegue-se para lá; já estou a sentir os calores por mim acima.» - «Mas que coxa gorda!...» - «Cuidado, não ponha as mãos nas pernas que o varredor está a espreitar!» «Quero que o varredor vá dar uma volta ao sobreiro!... Com a traça que estou, ainda o deito abaixo!» - «É doido ou quê? Pare de me apalpar as mamas.» - «Ó! Meu Deus! Que mamas…» - «Que homem este que me põe… tão tola… aiaiaaaai!» - «Ó filha, e se déssemos aqui uma braitada? O varredor até se mijava todo.» - E Caga Milhões abre o vidro do carro e põe a cabeça de fora, papagueando todos os disparates, insultando o varredor… «Se dás mais um passo em frente, passo-te o carro por cima desse esqueleto de peru…» - «Ah! Sim ─ disse o varredor pouco risonho. ─ Vai mandar postas de pescada para a tua rua.» - E, cinco segundos depois, Caga Milhões gracejava sobre os braços dela e tocou-lhe nos cabelos. «Ó filha, chega-te mais para cá.» - «Pare de me apalpar, senão começo aqui a gritar.» - «Boa ideia tiveste agora, grita que eu gosto.» - Um grito solitário rasga o silêncio da manhã. No interior do carro os dois corpos envolvem-se numa marmelada franciscana… Ao longe, o varredor murmura para a relva. «São completamente doidos! Filhos de uma puta!» - E nove minutos depois, no interior do carro, tudo se acalma. Que peso sai daquelas cabeças tontas e perversas e produz semelhante gritaria? Ele sai do carro e dá um arrumo às roupas. Depois, volta-se na direcção do varredor. «Também estás com a traça? Espera aí que já te faço a folha.» - «Vai roncar prá tua rua. Tens cara de chouriço!» - Espingardou o varredor. «Chiu! Eu calo-te já.» - Entrou para dentro do carro e ligou o motor. «Fica a saber que eu tenho os meus impostos em dia.» - Deu uma aceleração ao carro que passou velozmente por cima do jardim pondo o varredor a correr por tudo quanto era relva! O carro, depois de galgar para estrada, perdeu-se pela avenida.

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