Sunday, June 20, 2010



CONTOS DE RATAZANA
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`Time is money`


Ontem de manhã, por volta das duas, estava à esquina de Antero de Quental para o meu encontro. Dez minutos… vinte minutos… Três horas e aquele boi sem aparecer. Raios, as pessoas que faltam aos encontros deviam pagar por isso. É como se nos fossem à carteira… é pior que roubar a carteira. Fazem-nos desperdiçar o tempo… meia hora aqui, dez minutos ali… passado algum tempo, devem ser anos. Portanto roubaram-me uma hora, e onde é que vou arranjar outra para substituir esta? Minha sorte, não vou viver eternamente, não me sobram tantas horas que eu possa dar ao luxo de distribuir desta maneira. Mas os homens nunca pensam saber destas coisas. Não acredito que os homens alguma vez pensem que um dia a sua vida terá fim. De certeza que não o pensam da mesma maneira que as mulheres. Pode-se ter a certeza absolutíssima… quando uma mulher não é pontual, trata-se geralmente de uma irresponsável, de uma preguiçosa e de, pelo menos, mais de umas dezenas de nomes sortidos, além das referidas.

Às três certas ponho-me ao fresco. Tenho mais para ponde ir do que ficar à esquina toda a tarde de sentinela a servir de montra. O gajo pode arranjar uma boa desculpa, mas vai ter que pagar pelo que me fez… Pese, embora… no Porto nunca se perde o atrelado. Se um gajo falha, aparece logo outro… em todos os bares o barman tem as agendas cheias de contactos e nem todos são de deixar fugir, como acontece nos anúncios. (Que espécie de gajo aparecerá num desses anúncios? Ainda hei-de saber… Cerca de uma hora mais tarde, depois de já ter ingerido alguns líquidos ao balcão, deixo-me levar por um. Não é um cabrito assumido, na verdade, está apenas com vontade de me saltar. Não é propriamente um Mourinho, mas não é de perder; é quarentão e tem o ar de quem utiliza preservativo sempre que lá vai. Dou-lhe bola corrida, e depois vamos para outro lugar e tento funcionar o meu esquema com ele… mas ainda estou banzada pelo caso do outro tipo… Pelas suas palavras, dá a impressão que o tipo de Pescoço-Engomado (sofreu fractura da coluna), uma ou outra vez, já teve algum contacto com as mulheres do bas-fond… e se teve pôde pagar a uma não há razão para que o Pescoço-Engomado não pague a mim. Para cliente, o Pescoço-Engomado é uma pessoa de elevado grau espiritual. A maioria desses bois atirava-se ao ar se lhe fizessem uma corte decente… mas o Pescoço-Engomado ouve atentamente e parece levar tudo sob uma certa reflexão. Por fim passa uma das mãos sobre a minha… acampa, é o único termo que posso empregar… e fita a minha boca durante uns bons segundos.

«Sabes… parece-me que te vou levar», diz. «Se tu não te importares de ir, Rita, é claro…»

Se eu não me importar! Meu Deus, eu também sou uma pessoa sensível… não me recordo de uma única vez ter recusado o meu carinho a alguém que o quisesse paparicar. Arrumo o cu para trás do sofá e aguardo o desenrolar da conversa. O Pescoço-Engomado não quer entrar em detalhes. Ele compreende toda esta fita, em teoria, diz ele, e não necessita de empurrão… Encosta-se à minha frente e mete a cabeça entre as suas mãos, e depois de ter encarado o meu olhar durante uma fracção de segundo, atira um sorriso para mim. Está com um olhar perfeitamente apaixonado, embevecido… se eu não tivesse a percepção do que ele é, era capaz de jurar que estava doido pelo meu par de mamas e por se enfiar pelo soutien dentro… Começa a namorar-me… não que eu precise de namoro, mas porque faz parte da sua teoria, penso eu. Este tipo pode ser extraordinariamente comedido… começa a contar-me histórias bonitas como se não houvesse nada no mundo de que mais gostasse. Põe o braço por cima dos meus ombros e mexe-me nos cabelos… e quando não está a contar-me nada, baila com as sobrancelhas ou pisca-me os olhos. Vêem-se destes tipos nos bares «matando» todas as gajas que lá estão e pagam bebidas àquelas que pretendem engatar… e muitas vezes perguntei a mim própria o que lhes aconteceria se não lhes dessem algum dinheiro.

Mas não se consegue chegar perto de todos. Alguns, além do mais, têm um aspecto requintado, mas estão tão dispostos a deixar que uma gaja lhes levante o pau como eu estou disposta a pedir ao cliente que vai ao meu salão cortar o cabelo que tire a língua para fora para me fazer uma trombada... Sei o que estou a dizer… já me passou pela cabeça fazer isso… Até o Pescoço-Engomado, se a sua teoria valer alguma coisa, deve saber o que vai acontecer se continuar a paparicar-me desta maneira. Eu estou quase a tomar outra bebida, à espera que ele tome a dianteira… não quero sair a abanar… Firmo-me até os ímpetos se transformarem quase em molas, de tão calcados: quero manter-me toda serena, se for capaz… O Pescoço-Engomado sabia do que estava a falar quando disse que não necessitava de empurrão. Estou pronta a ir com o tipo e a deixá-lo gozar se ele não se armar em esperto quando ficar comigo à mercê, mas é pura perda de tempo. Dá a impressão de adorar a minha pessoa. Olha para mim quando me começo a rir, e dá-me uma trabalheira dos diabos para o convencer de que não estou a rir-me dele… Chega ao ponto de se rir também quando lhe digo que hoje à tarde estive na prancha por um tipo. Fica sensível quando lhe conto a minha versão.

«Mas ele foi indecente, Rita… isso não se faz, dar-te uma hora de espera! Devias tê-lo apanhado! Pensei que me estavas a gozar, Rita? Sabes quem foi o beneficiado, Rita? Foi aqui… o artista!»

Quer saber quem é o tipo daquele encontro. Não disse quem era. Depois quer saber em que esquina é que estive à espera. Sim, era uma onde não sabia muito bem onde era, etc… durante uma hora. O Pescoço-Engomado dá por terminado as perguntas ao assunto, e para mim, é tempo de passar à acção.

«Bom, e quando é que vamos?», pergunto a Pescoço-Engomado. «Que tal agora?»

O Pescoço-Engomado excita-se. Para o diabo mais o trabalho que eu devia fazer, diz ele… e agora já não me largo de ti! Como é que tu te ias ver sem mim? Vai-se levantar para ir à casa de banho. Aproveito, tenho um telefonema para fazer, e assim posso ficar com o tempo mais disponível. Ele aí vem mais composto do que quando saiu da mesa. E pede ao empregado para lhe levar a conta e corta o som ao telefone. Só atendo se for necessário, diz-me o Pescoço-Engomado. Acabamos de sair e fechar a porta, e desaparecemos algures no Porto, a caminho de uma residencial, o local mais provável.


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