Sunday, December 16, 2007

CONTOS DE RATAZANA


´E os maiores são os cornetas, Fernando.
 Porque têm lábia. São presunçosos.
 E cheiram a azeite`.

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Olhava agora em frente, a ver o sítio para onde o motociclista seguira. Para lá do areal branco como os que no Verão há na Foz, próximo de Matosinhos, via-se o Radar da Capitania e, em frente, o Forte de Leça. O mar parecia uma ardósia azul, e podia ver-se alguns barcos arrastados ao vento e outros ancorados ao porto de Leixões. Tenho de esperar até ela fazer um e voltar de novo à faina de rebola cima, rebola abaixo, para explicar a este nabo, pensou ele. Talvez não demore muito porque isto são corridas de dez em dez minutos. Não, não acredito. A gaja fez o gajo num relâmpago! Isto não é um bordel, pensou ele. É estranho recordar como naquele tempo frequentávamos as ruas do vício e como nunca o vimos. Foi uma vez, quando já estava para as bandas da Banharia, um dia brioso como hoje, que eu vi um corneta a emitir sinais de código à parceira. De qualquer modo, eu era muito rapaz e agora já tenho uma dúzia de anos a mais, eles sempre me trataram bem. Sabes se é por isso que ele te trataram bem?, perguntou a si próprio. Talvez seja porque sou novato no início da minha carreira.

Talvez não seja assim.

Ou talvez assim seja, pensou ele. Conquista-se primeiro a mulher que se deseja, com muitas cautelas para não levantar asas e depois, se há inteligência, deve-se ter o cuidado de saber onde a colocar, por causa de algumas carraças de pés descalços que estarão sempre ressentidos de inveja de sermos bem sucedidos. O grande corneta tem um pensamento rígido. Não têm, aliás um pensamento estúpido como Mosqueira que também era um vagabundo e esfarrapado corneta. Zé-Mau, Cardoso e Grelhas. Três escolas de pensamento avançado. Primeira: prego-lhes um soco no olho à Belenenses. Segunda: meto-me nos copos andando de bar em bar. Terceira: Abafo o dinheiro nas paredes como a pega e depois dou o arregaço. E dar o arregaço é pôr as coisas no bom sítio e governado. Está visto, pensou, sempre que começamos a orientar o barco tornámo-nos gananciosos. Lembra-te de todos os cornetas da zona, lembra-te de Mário Cigano tão conquistador como galanteador e lembra-te como as pessoas eram boas. Lembra-te dos teus amigos e das tuas amigas e lembra-te dos teus entes queridos. Não sejas sisudo nem burro. E que tem isto que ver com a minha carreira hoteleira? Vamos lá, acaba com isso, disse ele de si para si. Está a curtir uma cena.

─ Lá está o homem ─ disse ele. ─ Vou encostar junto à berma para darmos uma mirada, Tony.

O Chefe e o ocupante ficaram dentro do carro na estrada que dava para Matosinhos e olharam para o farol fustigado pelo vento frio que descia do céu, vendo-se a silhueta de uma mulher que bamboleava a sua anca como um manequim da alta moda.

─ Estás a ver ela a balancear a mala no ar? ─ Apontou o Chefe. ─ Está a fazer-lhe chegar a notícia que a carteira está recheada.
─ Sim, estou a entender.
─ Os cornetas do Porto ─ disse o Chefe, ─ eram todos bons conquistadores. Meteram as suas catraias em lugares chaves da cidade e construíram um soberbo pé-de-meia. Foram os cornetas do Porto que criaram os códigos entre parceiros. Eram duros e rijos como tabuletas de sabão e partiam as ventas ao mais pintado que se atravessasse com as suas catraias. Todos eles tinham aula de boxe. Mas arrastavam trás de si uma corja de penduras que eram piores que eles. Onde entravam só faziam cagada, que era para dar nas vistas.

Fez uma pausa.

─ Queres ouvir o resto, Tony?
─ Continua. Estou a gostar.
─ Foi um corneta do Porto, ao pôr a sua catraia no engate no café Derbi, quem utilizou os primeiros sinais de código. E foi ele também quem pôs três mulheres na vida a prostituírem-se para ele e se fez passar por médico, mandando imprimir quinhentos cartões de visita com o seu nome a relevo e entregou com muita honra às suas próprias prostitutas.

Mas nesse tempo ele metia-se tanto com raia graúda como raia miúda que eu achava fruta demasiado bizarra para o meu gosto. Nunca voltaram a aparecer por lá figuras tão extrovertidas como aquelas que eu conheci ao início no Derbi. E de facto assim reza a história.

─ O café que tu dizes é aquele onde há muitas regueifas deformadas e uma decoração que parece mais um daqueles salões dos mineiros que se vê na fita americana, não é verdade?
─ É esse todo. Se esse é o aspecto que tu achas, então acertaste. Agora tu não te esqueças que no outro lado da rua existe outro café, o Royal, que tem uma frequência semelhante e uma panorâmica quase tão idêntica como o Derbi. A rua Chã é uma pequena rua muito comercial, onde as mulheres da vida fazem picolés saborosos e os homens fazem sobe e desce e pregam gazeta ao trabalho, normalmente ao dia de segunda-feira, dia do sapateiro. Isto não quer dizer que os homens passe os dias no sobe e desce, isso não. Isto é para quebrar o stress da puta-mania. À noite, também passam o tempo inteiro com as suas mulheres a fazerem meninos. E se há luar, é marmelada a dobrar.

Fez nova pausa.

─ É melhor estar aqui do que ir ao cinema.
─ O.K. ─ disse o Chefe. ─ Vamos de vela.

2 comments:

Anonymous said...

Um abraço, já tenho a história escrita para onde a posso enviar? Qual oteu email?

Anonymous said...

Caro Ratazana, Você é mesmo uma memória viva da Invicta, as suas estórias são excelentes.
Estou a precisar de o visitar.
Um abraço
Apontas