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De viola à mão, fiz o percurso da minha vida como violista de fado e enfrentar as saudades de casa faz parte do ofício. Porém, um dia, uma cantadeira deu-me um souvenir para combater a solidão. Tinha olhos castanhos arredondados, um laço laranja e uma viola rústica: um boneco de borracha com 10 cm de altura. Agarrado à cremalheira trazia um escrito com o dizer «Eu amo a minha viola!»
No espetáculo seguinte, meti o boneco no estojo da viola.
Desde aí, passou a acompanhar-me nas minhas idas; tão indispensável como o meu
lamiré ou as minhas cordas suplentes. E criamos amizades pelo caminho. Em
Espinho, abri o estojo no camarim, tirei a viola e saí para o palco. Quando
voltei, a empregada de limpeza tinha fechado o estojo e colocado o boneco
recostado na mala. Na RTP, em Vila Nova de Gaia, fui dar com ele agarrado ao
xaile da fadista.
Um dia, dei pela sua perda, e quando telefonei, nervoso, para
casa, descobri que o deixara no quarto de banho, enquanto fazia a barba, onde
tinha sido guardado pela minha dona. Andei 50 km para ir buscá-lo, e quando
cheguei, ao palco, uma hora depois, o elenco estava à minha espera para começar
o programa. A cantadeira está agora algures e eu já não ando tanto por fora. O
boneco continua dentro do estojo e é uma lembrança de que a amizade é um
fantástico companheiro de espetáculos. Em todos estes anos nos palcos, foi a
única coisa que nunca deixou de andar comigo.
Escrito por Abraão para Nel Garcia,
Porto.