FERNANDO ABRAÃO
E RATAZANA
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O
MUNDO
DA
NOITE
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Por volta dos anos 83 aguardava-se que um serralheiro
da construção civil mostrasse a sua virilidade de machão. António Glória vinha
fodendo as raparigas dos bares, desde meados dos anos 80, com os seus gestos
excêntricos de atirar as notas para cima da mesa. Quando iniciou a tarefa de
trabalhar por conta própria, em 1983, trouxe com ele, para Sines, um grupo
recrutado de homens, começando logo a trabalhar com eles. Embora fosse um homem
casado, passava a maior parte do tempo fora de casa, altura em que o seu nome
estava ligado a várias prostitutas. Era frequente a forma como tratavas as
prostitutas com tal rigor que mesmo um proxeneta teve-o de o aconselhar a ter
mais calma e serenidade (isto é, ser menos bruto). Depois de ter subido na
carreira profissional, por empreendimentos de maior dimensão, em 1987, uma
empregada da noite de
Toninho Alves, o terrível «Gungunhana do sexo», dos
anos 85, tentou decidir exceder Glória ao engatar duas ou mais raparigas no
bar, havendo alturas em que parecia que estava louco por relações sexuais.
Muitas vezes, acabava a sua relação batendo com a cabeça do pénis na cabeça da
acompanhante, e uma ocasião pô-la coberta de chocolate-baunilha. Rodeado
permanentemente por «grupos», Alves era capaz de «servir-se das raparigas como
algumas pessoas comem tremoços». A sua virilidade era manifestamente
extraordinária. Duas cabriteiras fizeram
uma aposta interessante a ver quem dos clientes mantinha a gaita de pé depois
de uma relação; um deles provocava a ereção pelo sexo oral. Alves foi um dos
raros clientes que conseguiu ser capaz de manter a sua gaita de pé até elas se
cansarem, mas também, aquele a quem as cabriteiras
não conseguiram acompanhá-lo, porque a sua gaita se recusava a murchar. Em
1985, com trinta e cinco anos, Alves contratou numa noite um grupo de raparigas
de ballet para animar os amigos na sua vivenda e bebeu demasiados uísques para
gozar que a seguir desmaiou ao aspirar o próprio vomitado. Foi reanimado tão
rápido e tão espontâneo que não deixou de fazer amor como todas elas, como nos
bons velhos tempos do ano 83. Ficou célebre a sua fórmula. ´Se me foderes
primeiro, apresento-te o melhor de mim`.
O acontecimento mais relevante do cabeçalho de O Jornal Dos Traidores do ano 83 foi o
título que anunciava a morte de João Cesário, também conhecido pelo Galileu, e mais a sua acompanhante, em 7
de Junho de 1984. Galileu, o
professor biológico e a acompanhante empregada de um bingo da cidade de nome
Elsa, divertiam-se num fim-de-semana, num apartamento em Mérida, em Espanha,
quando o amante de Elsa com a sua cumplicidade, entrou de sorrateiro na sala,
munido de uma lanterna e de uma faca. Cesário não deu por nada e foi roubado e
depois deixado ao abandono — Galileu, que
continuava a dormir, assim ficou. Abraão, dono de O Bar do Traidor, encontrava-se no café quando recebeu a
triste notícia. Imediatamente a seguir vieram os boatos. Um mau-olhado de O Jornal Dos Traidores escreveu:
«Durante meia semana os boateiros sobre a desgraça de O Mundo da Noite falavam
de comprimidos, droga e exibicionismos sexuais. O primeiro boato referia-se que
as mortes foram cometidas por excesso de velocidade e especulava-se que tinha
havido falha mecânica. Falava-se também de comprimidos relaxantes e perversão
sexual. Na noite seguinte às mortes de Galileu
e Elsa, o próprio Abraão foi com uns amigos, ao restaurante onde o Galileu tinha jantado e conhecido a
jovem Elsa — conquistada ao acaso —, onde combinaram seguir para o apartamento
em Espanha, depois de tudo acertado entre ambos. Dois dias mais tarde, no bar,
uma prostituta chamada Teresa, sentada à mesa de um grupo de clientes, admitiu
perante uma companheira de mesa que estivera quase para se envolver nessa
viagem e a companheira contou que também fora convidada. Desabafou. «Olhai,
onde é que eu tinha ido parar? Debaixo dos torrões». Depois de um dos casos
mais chocantes e arrebatadoras das histórias dos bares do Porto, Abraão
reuniu-se com os seus traidores (como chamava ao grupo), para receber nessa
tarde, no bar, o famigerado morto-vivo. Tornou-se evidente, durante a receção
ao Galileu, que a sua morte fora
praticamente um lapso — o seu corpo tinha sido confundido, porque no seu carro
e no seu lugar seguiam o amante e Elsa. O carro embateu contra um camião na
autovia de Vigo, tendo-se incendiado de seguida, e os corpos ficaram
carbonizados. Depois de Galileu ter
sido recebido com estupefação por parte de toda a gente que enchia o bar, estes
ofereceram-lhe de beber e deixaram-no contar a sua façanha. Após ter narrado a
sua história, o Galileu retirou-se e
juntou-se às raparigas da rapidinha. Depois embrulhou-se e, após alguns mimos,
mandou vir umas bebidas para elas, para o sofá. «Não restam dúvidas sobre como
escapei», diz o Galileu no seu comentário
final. «Abri o coração à aventura e quase me ia lixando com ela. Não estava
para morrer. Quando regressei a casa e perguntei à minha patroa se ainda
gostava de mim, recorreu à sua expressão atual. «Sim, morto-vivo». Cinco anos
depois, a história do morto-vivo tinha fascinado todo o cliente do bar. Em
1990, é recebido com saudade — um gesto, sem dúvida, mais salutar. Um ano
depois, o Galileu veria publicada a sua história no livro de Ratazana ´Escritos Traidores`, com uma narrativa
fabulosa, falando com alguma verdade das diversas mulheres que foram com ele
para a cama e contando toda a história que o obrigou a afastar-se dos bares e
da «nait» (noite). O livro conta tudo. (Não só dele como dos outros
clientes-traidores) Descreve, por exemplo, a
tuléria da sua tentativa de bater o recorde dos traidores ao levar cinco
mulheres para a cama e fazer amor com todas elas, e o que aconteceu depois da
sua vinda de Espanha. Uma artista de sexo feminino, levou-o para um cubículo,
onde dois sofás ao comprido estavam transformados numa casa improvisada.