Sunday, March 26, 2017


                                                                      

                                                       A HISTÓRIA DO MORTO-VIVO
                                                                          ~~~~

O ACONTECIMENTO mais relevante do cabeçalho de O Jornal Dos Traidores do ano 83 foi o título que anunciava a morte de João Cesário, também conhecido pelo Galileu, e mais a sua acompanhante, em 7 de Junho de 1984.                                                                                                                    

Galileu, o professor biológico e a acompanhante empregada de um bingo da cidade de nome Elsa, divertiam-se num fim-de-semana, num apartamento em Mérida, em Espanha, quando o amante de Elsa com a sua cumplicidade, entrou de sorrateiro na sala, munido de uma lanterna e de uma faca. Cesário não deu por nada e foi roubado e depois deixado ao abandono — Galileu, que continuava a dormir, assim ficou. Abraão, dono de O Bar do Traidor, encontrava-se no café quando recebeu a triste notícia. Imediatamente a seguir vieram os boatos. Um mau-olhado de O Jornal Dos Traidores escreveu: «Durante meia semana os boateiros sobre a desgraça de O Mundo da Noite falavam de comprimidos, droga e exibicionismos sexuais. O primeiro boato referia-se que as mortes foram cometidas por excesso de velocidade e especulava-se que tinha havido falha mecânica. Falava-se também de comprimidos relaxantes e perversão sexual. Na noite seguinte às mortes de Galileu e Elsa, o próprio Abraão foi com uns amigos, ao restaurante onde o Galileu tinha jantado e conhecido a jovem Elsa — conquistada ao acaso —, onde combinaram seguir para o apartamento em Espanha, depois de tudo acertado entre ambos. Dois dias mais tarde, no bar, uma prostituta chamada Teresa, sentada à mesa de um grupo de clientes, admitiu perante uma companheira de mesa que estivera quase para se envolver nessa viagem e a companheira contou que também fora convidada. Desabafou. «Olhai, onde é que eu tinha ido parar? Debaixo dos torrões.» Depois de um dos casos mais chocantes e arrebatadoras das histórias dos bares do Porto, Abraão reuniu-se com os seus traidores (como chamava ao grupo), para receber nessa tarde, no bar, o famigerado morto-vivo. Tornou-se evidente, durante a receção ao Galileu, que a sua morte fora praticamente um lapso — o seu corpo tinha sido confundido, porque no seu carro e no seu lugar seguiam o amante e Elsa. O carro embateu contra um camião na autovia de Vigo, tendo-se incendiado de seguida, e os corpos ficaram carbonizados. Depois de Galileu ter sido recebido com estupefação por parte de toda a gente que enchia o bar, estes ofereceram-lhe de beber e deixaram-no contar a sua façanha. Após ter narrado a sua história, o Galileu retirou-se e juntou-se às raparigas da rapidinha.

Depois embrulhou-se e, após alguns mimos, mandou vir umas bebidas para elas, para o sofá. «Não restam dúvidas sobre como escapei», diz o Galileu no seu comentário final. «Abri o coração à aventura e quase me ia lixando com ela. Não estava para morrer. Quando regressei a casa e perguntei à minha patroa se ainda gostava de mim, recorreu à sua expressão atual. «Sim, morto-vivo». Cinco anos depois, a história do morto-vivo tinha fascinado todo o cliente do bar. Em 1990, é recebido com saudade — um gesto, sem dúvida, mais salutar. Um ano depois, o Galileu veria publicada a sua história no livro de Ratazana ´Escritos Traidores`, com uma narrativa fabulosa, falando com alguma verdade das diversas mulheres que foram com ele para a cama e contando toda a história que o obrigou a afastar-se dos bares e da «nait» (noite). O livro conta tudo. (Não só dele como dos outros clientes-traidores) Descreve, por exemplo, a tuléria da sua tentativa de bater o recorde dos traidores ao levar cinco mulheres para a cama e fazer amor com todas elas, e o que aconteceu depois da sua vinda de Espanha. Uma artista de sexo feminino, levou-o para um cubículo, onde dois sofás ao comprido estavam transformados numa casa improvisada.



                                                                                      Extraído do livro: O Mundo da Noite, Porto.



MINHA família e eu gostávamos de ficar ouvindo fado até alta madrugada, mas uma ocasião, encontrámos este bilhete na soleira da porta:

Queridos amantes de fado,
Vocês nem podem imaginar a minha alegria e surpresa ao chegar a casa de noite e ouvir um dos meus fados tocado por uma orquestra sinfónica. Após tantos anos de criatividade, finalmente consigo ouvir o meu fado orquestrado. Eu sabia que a minha veia não era treta. Só um pequeno senão: acho que o meu fado está sendo tocado um tanto instrumental!
Talvez na próxima emissão incluam o meu Noturno. Aí, eu acho melhor convidar o coro dos
 sem-abrigos para o acompanhamento.
Atentamente,
                                                                         Tony Guimarães.
                                                                                                                                           F/A.


                                               AVITAMINA
                                                     ~~
DURANTE meio século eu vivi da restauração, no centro da cidade do Porto. Eu próprio era um excelente empregado de mesa, subi vários degraus no ofício, e tive três estabelecimentos hoteleiros. Do meu ponto de vista, havia duas coisas certas em mim: possuía bons conhecimentos e levava a responsabilidade a sério. Tinha até em casa uma galeria de recordações. Então comecemos do princípio. Nos meus tempos de menino e moço, decorria o ano 70, quando ingressei no ramo hoteleiro. Tanto eu como os meus colegas naquela altura nem sonhávamos em caçar tantas vitaminas, como graciosamente chamava às gorjetas. Constava-se até que havia barmans de hotel que filavam-se à gorjeta para orientarem uma companhia feminina! Quando eu era rececionista de uma pensão de 3 estrelas, no Porto, ganhava 3 contos por mês, e em gorjetas chegava a fazer em média 500 paus por semana, mais do que muito empregado bancário competente ganhava. Foi então que resolvi aceitar uma proposta para integrar a equipa de uma boite-club, onde ganhava mais gorjetas, embora mais responsabilidade. Uma noite, quando ia atender uma mesa, um empresário que estava a ser servido, perguntou-me:
- Vou abrir um restaurante na Trofa. Dou-te 6 contos por mês. E tu vais dirigir a sala, rapaz.
- Obrigado, mas não aceito, senhor.
O empresário olhou para mim, um tanto admirado.
- Por que o fazes?
- Uma questão pessoal.
Eu tomei a decisão de não lhe confessar que só de gorjetas eu recebia o dobro disso. Toda a gente que recebe gorjetas hoje em dia acredita firmemente que elas fazem normalmente parte do seu salário extra. As gorjetas são necessárias para o complemento do ordenado. São poucos os que se acanham receber gorjetas. Dizem que o problema para eles não está em ser acanhado, mas, sim, na forma de quem a dá.
- Quando se depende de gorjetas - dizia um garçom - só se pode ter a certeza quando ela pinga no bolso. Com isso, fica-se mais descontraído e pode-se até dizer que o dia está ganho.
Eu fui um empresário que há algum tempo dirigi dezenas de empregados, e afirmo que eles têm alma de jogador e não poderiam trabalhar de outra forma. Como consta, há a história da balconista que procurou explicar a um cliente como beber menos. O cliente disse-lhe para calar a boca. A balconista tomou a decisão de não dar fala àquele estúpido. Mas no decorrer do tempo em que ele lá esteve, achou melhor em lhe dar conversa para caçar a gorjeta.
Prestigiosos empresários ainda vivem em grande parte de uma tabela de preços feita por eles a deixar trocos para o pessoal e dizem em particular que preferem a salários altos. E um importante empresário de hotelaria é de opinião que muitos dos seus colegas se sentiriam mais infelizes se as gorjetas desaparecessem.

                                                                                            Abraão, Porto.


FOI ANULADO ESTE FICHEIRO: BD/O EURO,
EM BREVE, INICIAREMOS NOVOS CONTOS E NOVOS EPISÓDIOS,
SAUDAÇÕES DO AUTOR.