Wednesday, April 6, 2016


                                        
                                                           
                                           CONTOS PARA REINAR

                        «Aprendi que cair no vício não é o cabo dos trabalhos.»
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MARIA ODETE criou uma das «pegas-espertas» mais badaladas da noite portuense. Mas a alternadeira de 37 anos, que passa por turista nos locais choques da moda, tirou o curso nos bares dos hotéis e é conhecida por ser uma mulher inteligente, sagaz e intuitiva. Apesar de ter trabalhado nos bares e nos cabarés de segunda classe, Odete não considerava o mundo da noite como uma carreira. «Achava que todas as alternadeiras eram estúpidas cujo modo de vida não resultava», diz. «Tinha medo de que, se me tornasse viciada, as pessoas não me quisessem.» O que lhe metia medo também era apanhar algum vício. Mas o desejo de mudar de vida era grande e, por volta de 1971, juntou-se a um grupo de viajantes e viajou em alguns cruzeiros de férias. Mesmo assim continuou a evitar correr riscos. Raramente ia em grupos. E a sua vida social era bem mais preenchida tal como a sua carteira. «Era o medo de estar no caminho viciado que me continha», diz. «Até que finalmente aprendi que podemos apanhar vícios e que não é o cabo dos trabalhos.» Fez um bom pé-de-meia em 1975, e daí passou a lojista de uma sapataria em 1977. Casou-se em 1976, e teve um filho em 1979, apresentando uma forma física invejável. «As pessoas perguntam se não estou nada preocupada com o facto de só vender sapatos», diz ela. «E daí? Incomoda-me que pensem que sou uma estúpida? Incomodei-me mais com isso quando era mais novata. Agora, passa-me ao lado.»

                                                                Abraão, em ahistóriadeumboemio.blogspot.com. Porto. 




POR ESTRANHO que se pareça, nunca foi editado nenhum dos 39 livros de Fernando Abraão, um autor sem formação académica, apenas a 4ª classe e uma grande inspiração para a escrita e para os seus contos de amigos. Quando em 2000, publicou A história do Morto-Vivo, uma obra teatral, encorajou-se em enviar ao Círculo de Cultura Teatral que lhe respondeu: «Agradecemos e analisaremos, na primeira oportunidade.» Em 2002, o autor escreveu Escritos Traidores, e a editora Dom Quixote rejeitou a oportunidade de publicar a sua obra: «Infelizmente a Editora não pode dar-lhe uma resposta positiva por dificuldades de enquadramento na nossa programação.»  
No mesmo ano, em que publicou Gente de Vícios, um outro editor: Edições Mortas, não se deixaram impressionar pelo relato de Abraão sobre os boémios da noite: «Lembramos, no entanto, que temos o nosso catálogo de edições preenchido até finais do ano 2004.»
E ao rejeitar As Lauras, em 2008, a Editora Caminho escreveu ao autor: «Infelizmente, a nossa programação encontra-se demasiado sobrecarregada, impedindo-nos de assumir novos compromissos e, por conseguinte, de aceitar o trabalho proposto.»
Mas outros editores através de emails não foram mais simpáticos. Em 2009, o livro O Pasquim do Lord, obteve o seguinte comentário: «Em Portugal as histórias de boémios são pouco recomendáveis.»
Em 2010, a biografia de Ratazana O que hoje ainda se deve fazer: uma rapidinha; obteve de O Jornal Dos Traidores o seguinte comentário: «A missão de um boss à frente de um bar de estilo tem o seu atrativo, mas para a maior parte das pessoas que lá conviveram.»
Em 2012, quando da sua obra nº 37, Abraão disse aos intérpretes de A Trupe de Pipocas: «O problema é que sem conhecimentos com editores ou pessoa responsável, uma pessoa não vai lá. É uma agulha no palheiro encontrar entre eles uma alma amiga que nos dê apoio ou uma mão.»  
E em 2013 disseram a Fernando Abraão: «Desculpe, Sr. Abraão, o senhor não sabe contar outras histórias a não ser desgraças da noite?»


                                                                                               Ratazana, Porto.