─ Recordo-me de casos ─
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Nas
casas da noite da minha cidade havia patrões que foram empregados da hotelaria.
Eram bons profissionais. Tinham de ser. Se não fossem, os empregados
sabê-lo-iam logo. Sabe muitas coisas, essa gente da noite. E recordo-me de uma
noite, era ainda um novato, em que me encontrava no começo da minha carreira.
Havia uma boate na cidade aberta há pouco tempo. A sala estava cheia de gente e
havia mulheres bonitas vestidas à moda, uma pista de dança e uma artista de strip-tease. E durante a noite as
pessoas divertiam-se e bebiam que se fartavam. No reservado do centro, um dos
patrões chamou o sócio-trabalhador e disse: «Quero que me tragas a artista do strip-tease. E que a ponhas aqui
sentada ao meu lado, acompanhada de uma garrafa de champanhe francês.» «Antes de
actuar ou depois?», perguntou o sócio trabalhador. O grande boss deitou-lhe a mão no ombro e
prosseguiu: «Quero que digas ao rapaz da cabina para pôr aquele disco “Je
T´aime Mon Amour” e que abaixe a luz da pista, porque me dá uns calores
diabólicos e quero relaxar. Também desejo não ser incomodado, nem pelos
clientes, nem pelos amigos, pois quero estar à vontade. Estou em minha casa e
os meus amigos que se divirtam. Diz-lhe que venha bonita. Diz-lhe isso. E
diz-lhe também para pôr aquele perfume nocturno. O barman que faça umas tapas variadas e pede-lhe também para pôr umas
fatias de presunto como eu gosto. Trata disso rápido.»
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Porque lhe teria dado para aquilo? ─ perguntou o cliente.
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Tinha visto a stripper ─ respondi eu.
─ Não era capaz de passar sem vê-la. Assistia a todos os shows e, passados uns dias, pegou no dinheiro todo que tinha no
banco e começou a procurar uma casa. Foi então que resolveu abrir uma boate.
Arranjou um sócio-trabalhador para orientar o negócio e deu-lhe uma cota
adiantada. O boss nunca mais largou a
stripper. Adorava-a.
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Deixe-me só dizer-lhe isto ─ interveio o cliente. ─ Ele meteu-se no negócio da
boate com todo o dinheiro que tinha, apenas porque viu uma strip-tease?
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Ele não era o dono da boate ─ esclareci eu. ─ Os clientes nunca são donos das
casas que frequentam. Mas por amor de uma stripper
habilitou tudo.
O
cliente ao lado estava a falar no seu sotaque citadino e, para eles, baralhado.
─
Acredito que o gajo, pá, teria pensado que era uma dança sensual e nunca
tivesse assistido a um espectáculo de strip-tease,
mas depois um gajo, pá, acaba por se habituar a tudo. Num bairro um
indivíduo habitua-se a viver em meia dúzia de horas, depois pensaria noutras
coisas.
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É uma história bonita ─ declarou o cliente, com total espontaneidade que os
outros votaram para ele os olhos sorridentes.
Abraão, em: bardotraidor.blogspot.com/ Porto.