Saturday, September 20, 2014


Conto Instantâneo



                                               Frank e Cabide
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Na primeira semana de Maio, Frank rendeu-se aos encantos da Cabide e tornaram-se namorados numa noite de conversa fiada. Durante esse tempo todo, Frank acabou por confessar:
─ Agora que te encontrei, não me foges mais. ─
Noite após noite, Frank e Cabide estenderam a amizade criando um elo forte entre ambos.
─ O melhor que tu fizeste ─ disse Frank, ─ foi dizeres que me amaste a partir daquela noite. ─ E Cabide responde: ─ Também me ajudaste, não é? ─ Passou uma onda passageira pelo olhar de Frank. ─ Gosto do teu olhar de esgriva! ─ E a Cabide: ─ E eu gosto do teu estilo de samaritano! ─ Enquanto os outros clientes se divertiam no bar em contos e histórias, eles abandonavam a sala e desapareciam de repente. Apenas o recado: «volto já» Não muito longe da cidade, no 191, o número da porta do motel, os impulsos traidores esperavam por eles. Frank ficou de sentinela à espera que Cabide tirasse a mantilha de trapos que lhe aquecia os ossos do seu corpo esguio.
─ Cabide! Oh, Meu Deus como és tão magricela? ─ Ela dá pulos de galinha na cama, enquanto ele fica de crista no ar a olhar pasmado. Cabide vai ao encontro dele. ─ Tinhas-me de dizer isso? ─ Agarrou-lhe no braço. ─ Não vês que assim fico sem vontade?
─ É isso mesmo ─ diz Frank. ─ Diz-me onde é que eu me vou agarrar com este griso. Se ao menos tivesses umas banhas onde eu pudesse deitar a luva!...
─ Cala-te, que excitação a tua! ─ grita ela. ─ Arre que sarna! Embora seja magra, tenho um corpo para dar e vender! ─ Ele dá-lhe uma palmada no rabo e diz:
─ Ainda o dizes, rapariga! Mas eu, quando te apalpar, é para te partir toda! E finalmente, estou a ver-te com essa cara de galinha do mato!...
                                                                                                     Escritos Traidores, de Abraão.




                                                  A Despedida de Solteiro
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O meu bar tem duas salas que são utilizadas para todos os convívios. Numa noite, houve uma festa de despedida para um cliente de descendência alemã que ia casar no fim-de-semana. Como ia haver um evento na tarde seguinte, o pessoal da casa teve que deixar as mesas recheadas com pratos de frios e quentes. Pouco depois de terem ido saudar os clientes, umas artistas da rapidinha foram convidadas para a festa em que lhes foi pedido que «dessem uma goelinha». Contentes por já estar tudo em ordem, estavam a formar-se pares quando viram um letreiro escrito com o seguinte: «Felicidades para lá do Muro dos Prazeres» (Pensão).

                                                                                     ABRAÃO, em O BardoTraidor.blogspot.com


Tuesday, September 9, 2014



Conto Instantâneo                   


«Aprendi que cair no vício não é o cabo dos trabalhos»

MARIA ODETE criou uma das «pegas-espertas» mais badaladas da noite portuense. Mas a alternadeira de 37 anos, que passa por turista nos locais chiques da moda, tirou o curso nos bares dos hotéis e é conhecida por ser uma mulher inteligente, sagaz e intuitiva. Apesar de ter trabalhado nos bares e nos cabarés de segunda, Odete não considerava o mundo da noite como uma carreira. «Achava que todas as alternadeiras eram estúpidas cujo modo de vida não resultava», diz. «Tinha medo de que, se me tornasse viciada, as pessoas não me quisessem.» O que lhe metia medo também era apanhar algum vício.

Mas o desejo de mudar de vida era grande e, por volta de 1971, juntou-se a um grupo de viajantes e viajou em alguns cruzeiros de férias. Mesmo assim continuou a evitar correr riscos. Raramente ia em grupos. E a sua vida social era bem mais preenchida tal como a sua carteira. «Era o medo de estar no caminho viciado que me continha», diz. «Até que finalmente aprendi que podemos apanhar vícios e que não é o cabo dos trabalhos.»

Fez um bom pé-de-meia em 1975, e daí passou a lojista de uma sapataria, em 1977. Casou-se em 1976, e teve um filho em 1979, apresentando uma forma física invejável. «As pessoas perguntam se não estou nada preocupada com o fato de só vender sapatos», diz ela. «E daí? Incomoda-me que pensem que sou uma estúpida? Incomodei-me mais com isso quando era mais novata. Agora, passa-me ao lado.»                                                                             
                                                                                ─ ABRAÃO, em ahistoriadeumboemio.blogspot.com                          




 Dinheiro fácil                                                   
                    
   
DEPOIS DA ABERTURA AO PÚBLICO do bar Tempo de Mimos, o proxeneta Tono da Rola ganhou dinheiro fácil. «Num dia eu andava por aí engatando mulheres», recorda ele, «e noutro dia eram as mulheres que engatavam a mim.» Mas o ser engatado constantemente não o arrefece; é realista no que respeita ao poder do dinheiro e delicia-se com o proveito que ele tem representado para si. «Fiquei revoltado quando me puseram na choça por fomentar a prostituição. Estava agarrado às grades e pensei: ´Vou comprá-lo.` Chamei o guarda e disse-lhe: ´Veja isto ─ não é uma nota de cem euros tão sedutora?` É o tipo de coisa com que falamos quando somos confrontados.» Contudo, agravou ainda mais a situação ao ser-lhe anexado mais uma folha ao seu grosso processo. «Quando nos tornamos conhecidos, o nosso espaço torna-se muito perigoso. Passamos a estar um bocado mais sós porque nos limitamos às pessoas que conhecemos melhor. A família é a única coisa que tenho que é minha.»

                                                                                   
 ─ ABRAÃO, em bardotraidor.blogspot.com 



CONTOS DE RATAZANA
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O homem de inventar alcunhas e contos noturnos para escrever
Dêem-lhe uma dica e ele fabrica logo um conto


Aos 33 anos tornei-me boss de um bar de belezas, como eu lhes chamo, na cidade do Porto, e tudo o que desejava era escrever. Chegava a casa de madrugada e levantava-me às 9 da manhã para a escrita. Já era sabido por, à noite ou de dia, escutar com os meus ouvidos de mercador as conversas dos clientes quando era tocado por uma ideia que me fazia agachar no balcão, para pegar no papel e caneta para anotar.

Num dia de Setembro, um cliente e eu estávamos a tentar planear algo para chamar mais pessoas ao bar. «E se eu me dedicasse à escrita, e criasse um pasquim só para o bar?», perguntei. «Podia escrever aí, e anunciar como um daqueles ardinas dos jornais e ia dizendo: «Escândalos! Traições!» É certo que nunca o tentei. O desejo de escrever para os clientes incentivava-me, não como profissional, mas ao meu jeito. Por detrás dos copos, saquei um monte de rascunhos de pessoas que me contaram os seus desabafos, e peguei na minha máquina de escrever portátil comprada numa feira, e sentei-me à mesa. Se mais não fosse, daria uns bons contos para contar aos meus clientes. «Então o que dizem disto?», perguntei, olhando em volta do balcão, como um deputado à cata de votos. «Bem», disse um cliente, «é um pouco fofoqueiro». Não me ralei, a intenção era mesmo essa. Pus mão à obra e apresentei um ensaio ao primeiro grupo de clientes. 

E assim, numa cinzenta segunda-feira, dia 3 de Outubro de 1983, publiquei um pasquim chamado “Jornal Dos Traidores”, em que os protagonistas eram os clientes do bar, para todos criei alcunhas, todos aceitavam as regras, e pus o jornal ao fundo do balcão, onde colei um letreiro ao lado: «Contos Hilariantes de Amor e Traição dos Anos 80», ─ e convidei os clientes a lerem uns contos, enquanto bebiam. Alguns riam com ironia e diziam: «Que grande aldrabice!» Outros mostravam simpatia, «Um traidor com fome de amor!» Uma beleza perguntou se a notícia ao fundo, «Lésbica à solta na casa de banho!», aquém se referia. Nunca me senti tão embaraçado. A certo momento, aproximou-se um par traidor. «Não sei o que estás prá aí a escrever», disse a beleza, «mas seja lá o que escreveste, quero ler». Com um sorriso conivente, o homem acrescentou: «Não há dúvida de que o jornal é uma ideia absolutamente original!» Pedi-lhes para chegarem à frente (e fiz-lhes uma confidência) e contei-lhes um caso surpreendente. Título do conto: «A História do Morto-Vivo».

À medida que os jornais saíam, fui-me apercebendo do aumento de clientes-leitores no bar, seduzindo-se cada vez mais pelas notícias bombásticas. Por detrás de mim havia bate-boca e risinhos. Quando criei nova alcunha, levantei a folha do livro de registos, e deparei com cerca de quinhentas alcunhas à minha disposição. «Como me chamo!», perguntou o cliente. Logo respondi. «Bom Rapaz!». E fui aplaudido. Nesse período, o movimento do meu negócio triplicou-se. O jornal era o elo de ligação da malta, e estava a dar resultado. Escrevi contos atrás de contos. Em vez de me acomodar e reduzir ao stress, criei o blog: ´bardotraidor.blogspot.com`. A família traidora puxava por mim. Era a paga da minha invenção. Assim me transformei num Henry Miller, de contos eróticos.
    

Nesse primeiro aniversário de O Jornal Dos Traidores, tornei-me uma espécie de Grande Atração Noturna: Ratazana (eu), o criador de alcunhas e contos noturnos de escrever. Lance-lhe uma dica, ele fabrica um conto. Temi cansar-me pouco tempo depois. Mas 4 anos e dezenas de contos, incluindo livros, continuo expectante.

Desde então ligado ao meu trabalho dediquei a minha disponibilidade a escrever estes contos noturnos: no bar e no computador, em ruas e jardins, em cafés e festas. Nenhum lugar é impróprio desde que a veia se liberte. Quanto mais me instruo, mais pessoas procuram abrir-se comigo. Dão-me as suas dicas. Eu dou-lhes contos que são um passatempo interessante: Mas antes de escrever a primeira linha, dou-lhes os meus olhos, os meus ouvidos, a minha atenção total a mais de 100%. Neste momento a lotação disponível no Coliseu do Porto já não chega para sentar os clientes para quem escrevi e convivi ao longo destes anos (o número ultrapassa os 4.500).

Desde o primeiro dia que guardo na vitrina da minha sala os CD´s de todos os contos. A mesma que guarda os livros de capas brancas, vermelhas, verdes, azuis e cor-de-rosa ─ um arco-íris de contos, uma torre de pequenas lições de vida. Quase que posso dizer que ganhei a minha persistência. Mas gostaria de pensar que há mais alguma coisa que diz respeito ao fenómeno poder dos contos que contamos acerca de todos nós. Apesar de tudo, cada um nasce com dom de autor… do seu próprio conto de vida. Aqui vai a minha preferida: numa casa de lavradores de uns patrícios a 150 metros da Lixa, escrevi este conto para uma rapariga bonita e morena chamada Manuela e atrevi-me a ler a sua sina:

«Um Passeio Junto Ao Rio»
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Manuela não tinha namorado, não porque não lhe aparecessem mas, na altura sentiu-se um pouco confusa. Mas hoje, Manuela pensa que foi a melhor coisa que lhe podia ter acontecido. Uns meses entretanto decorridos, Manuela passou a visitar com assiduidade a sua vizinha e amiga, uma rapariga muito expedita, atinada e efectuosa. Quando está com ela, Manuela sente-se muito alegre, reencontra o afeto e o riso. Mas encontrará alguma vez a felicidade verdadeira? Um dia, após visitar a amiga, Manuela irá dar um pequeno passeio à beira-rio com um homem que conhece na casa da amiga. Ele far-lhe-á umas perguntas e a primeira coisa que ela pensará será: «Puxa vida! Este tipo agrada-me!», e depois irão namorar e apaixonar-se.

Talvez ele tenha vindo à festa da matança do porco, ou talvez estivesse a relacionar-se. Talvez passeasse. O certo é que vem da cidade e a encontra depois de uma visita a casa da amiga, quando ela nem sequer pensava nele. Há muitas raparigas na cidade, e muitos homens também.

 O CASO DE MANUELA e eu nos termos conhecido na marginal do rio não me acorreu no dia em que escrevi o seu conto. Uns meses mais tarde, sentei-me à mesa e peguei em papel e caneta para escrever. «Recorda-se de mim?», perguntou-me a pessoa ao lado. Era Manuela. Estamos casados há sete anos e temos dois filhos.



E FOI ASSIM que a minha ideia doida de escrever contos noturnos no bar não só me proporcionou uma aprendizagem fantástica na escrita, como me deu uma mulher e família. Poderia dizer-se que o meu sonho de me tornar autor de contos noturnos também se tornou realidade. Não certamente como pensara nas entrelinhas, mas a escrever livros no bar com uma folha A4 sobre uma personagem de cada vez. Mas também nenhum bom conto tem o desfecho que se esperava.