FERNANDO ABRAÃO
E RATAZANA
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O
MUNDO
DA
NOITE
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Em Janeiro de 1996, a senhora Tina, de cabelos loiros,
apanhou o vício de fazer uns arranjinhos, e nunca mais desaprendeu. Era uma
senhora de meia-idade conhecida por «Miss Piggy», num trocadilho usado em O Jornal Dos Traidores. A sua carreira
foi premiada, quando se tornou dona de uma casa de passe em Rio Tinto, no
Porto, — para satisfação dos clientes em geral, a maioria dos quais achava que
as obscenidades escandalosas que se passava na sua casa suburbana eram mais
para um gozo do que para injuriar. Lá os clientes individuais pagavam sete mil
e quinhentos escudos por uma rápida, com
um bónus por mais «umas festas extras», para se tornarem fiéis. Em casa da
senhora Piggy, os clientes e prostitutas quebravam o gelo com um amasso ou dois
de roço e bebidas, em sofás guarnecidos de almofadas. O cliente que se seguiu,
foi levado a admitir que se tratava de um bordel bem cozinhado. Na entrada, no
corredor, a senhora Piggy não deixava ficar por mãos alheias os seus
pergaminhos num cartaz que dizia: «A minha casa é suficientemente ARRUMADA para
ser frequentada... e suficientemente INDECENTE para ser feliz». Parecia tudo
tão arranjado, que era mais uma mini desgraça do que qualquer ofensa à moral.
Miss Piggy que tinha uma filha a estudar na universidade na altura em que se
lançou nas lidas, revelou a alguém que contava vários empresários, engenheiros
e advogados, um membro do Partido da Junta e um par de gays e lésbicas entre os
seus clientes habituais. Com as novatas que lhe apareciam em primeira mão,
chamava os primeiros clientes logo da manhã junto à igreja de Rio Tinto, num
quarto de guisar, decorado com penas de pavão e luzes vermelhas e um cuco
espantado, dentro de uma casota castanha. Depois as novatas — apresentadas pela
senhora Piggy como «boas mulheres casadas», a maior parte domésticas a arranjar dinheiro para os botões —
recebiam metade do cachet por cada cliente
que aviavam. Estavam na sala mais de quinze clientes, quando o último a entrar
em cena teve uma surpresa no quarto, ao ver a novata em estado deplorável de
exaustão e fadiga, e ofereceu-se para a levar ao hospital. Era um homem de
cinquenta e quatro anos, e identificava-se como «cabrito número vinte, Lau»,
sapateiro, fazia de anjo da guarda e levava as novatas em passeio noturno. Em
Fevereiro de 1999, o nome da senhora Piggy apareceu em foco, de novo, no
cabeçalho do pasquim, que anunciava a barafunda do estacionamento na casa junto
à igreja de Rio Tinto. Contudo, desta vez não era necessário chamar a guarda, e
dizia-se que a senhora Piggy afirmava: «Fi-los ver para porem os carros longe».
Contou a um repórter mau-olhado de O
Jornal Dos Traidores: «Hoje em dia, os vizinhos vêm algumas vezes uma
quantidade de carros parados à minha porta e dizem: ´Então, já atendeste a tua
família toda, Tina?` — ´Ai, já estava a contar com eles... sinto que ainda
presto um bom serviço a eles, embora não esteja a pensar nisso. É como um
verdadeiro trabalho de Apoio Social´». Voltou para dentro em poucos segundos,
murmurando para os botões da camisa: «Gostaria de ser lembrada como uma boa
dirigente de um bordel simpático... não uma dessas casas pirosas, como existem
na Tailândia. Deveria ter recebido uma medalha pelo que fiz pelo meu
povo».
Engenheiro Luís Almeida, foi um eterno sedutor, de
quem um bloguista escreveu que a «sua vida particular era um labirinto de
autênticos contos, encontros fortuitos e situações emotivas que ameaçavam
constantemente, se bem que nunca estoirassem, uma bronca desastrosa». Almeida
nasceu em meados dos anos quarenta, no seio de uma família social folgada e foi
estudar para Lisboa, para casa de uns familiares próximos, e meditava bastante
na sua tendência para o pecado. Aos dezassete anos deslumbrou-se com uma
bailarina de topless na TV e aprendeu a masturbar-se. Depois, aos vinte e dois
anos apaixonou-se por uma senhora firme portuguesa. Na mesma altura
relacionou-se com a irmã de um amigo, que tinha acabado de perder a virgindade.
Contou mais tarde aos amigos íntimos que tivera um flirt com ela. Referiu mais
tarde que «falhou redondamente», ao tentar não fazer filhos a amigas. Por isso
fez todos os possíveis com ela para não ficarem inimigos, e conseguiu obter
bons resultados. Mesmo assim, Almeida conta que «uma semana, três meses depois
do flirt, debaixo da aceleração do cansaço sexual, viciei-a e não fui capaz de
pensar por que motivo não quis acabar com ela». Almeida casou com a senhora
firme portuguesa, que era mais nova cinco anos que ele, e parece que foram
razoavelmente felizes. Quando começou a trabalhar na sua empresa de químicos,
como industrial individual, apaixonou-se por uma empregada de boite, Maria de
Lurdes. Esta sofria bastante com problemas de afeto. Um dia Almeida entrou no
quarto e encontrou-a a roçar a rata no punho da cama. «Parecia arder por todos
os lados e fui dominado de repente por uma baga de calor. Desde que andara com
ela que a minha vida sexual funcionava às mil maravilhas. Esquecia-me de todos
os problemas. De repente parecia que o chão se mexia debaixo de mim...» O
resultado foi uma cambalhota em dois atos que o transformou numa fera e, num
garanhão. Num dia em que saiu no comboio teve, de repente, pensamento de que já
não estava apaixonado pela empregada de boite e que esta o desgastava
profundamente. Com um atrevimento cruel, decidiu que era melhor contar-lhe
enquanto ia a tempo. A pobre mulher ficou naturalmente em estado lastimoso e
continuou a manter-se fiel durante anos, pedindo-lhe repetidamente que
regressasse ao seu leito. (Fê-lo, mas não achou encanto). Até que um dia se
enamorou. Tinha estado a preparar umas encomendas para exportação. Em Março de
1976 foi passar a tarde ao bar de Fernando e Moura, no Porto, ouvindo o que
Fernando lhe contava acerca de uma nova empregada. Foi servido por Mónica,
antiga artista de striptease, que tinha cabelo loiro e rosto de cavalo. Mas
tanto ela como o bar eram extremamente atraentes e Almeida estava farto das
habituais cerimónias e etiquetas e das noites passadas em quartos de hotéis.
«Ao fazer tímidos gestos de contato, verifiquei que não era estorvado. Senti,
surpreendido, que a desejava profundamente, e que ela retribuía os meus
desejos... Por motivos alheios à minha vontade, não tive relações com Mónica
nessa noite, mas combinamos tornar-nos amantes logo que possível». A
oportunidade surgiu quando Almeida a foi levar a casa no seu carro e transferiu
o caminho para o parque de um hotel. Um dos sócios do bar, Fernando, tinha-lhe
dito que Mónica lhe tinha confidenciado estar doida por ele e isso contribuiu
para aumentar o seu fulgor, dando-lhe mais intensidade. Ao ter-se habituado no
campo do adultério, Almeida não mais apeou pé do caminho. Em 1979, de viagem de
negócios a Itália, viu uma jovem francesa sentada sozinha e persuadiu o
camareiro a convidá-la a juntar-se a ele. «Tornei-me falador com a menina e
mantivemos uma conversa interessante e divertida. Tinha desejos de fazer amor
com ela, mas achava que primeiro devia oferecer-lhe uma bebida. E assim fiz.
Pedi ao camareiro para lhe servir um Bourbon.
Acabámos por passar a noite juntos e ela disse-me que fosse ter com ela a
França mal pudesse». E de regresso ao Porto, Almeida estava a trabalhar numa
investigação sobre cores, quando Fernando chegou batendo à porta — e uma vez
mais apresentou-o à encantadora Luísa Rara, uma alentejana-lisboeta que
trabalhou com ele em clubes noturnos. Almeida fez amor com ela, desejando
depois não o ter feito, vista ela tê-lo feito perder-se em convites. Durante o
encerramento do estabelecimento de químicos e a passagem para o campo da
política, Almeida foi integrado no Parlamento camarário pelas suas ideias
socialistas. Em 1982, o socialismo pô-lo em contato com uma atrevida lojista de
vinte e nove anos, casada com o empresário italiano Mário Tuto. Depois de
Almeida haver preferido um piropo galanteador, recebendo um elogio igual,
beberam juntos e depois foi até um quarto da residencial — o marido estava
ausente —, onde se tornaram amigos íntimos. Em 1983, Almeida ia tratar de
negócios a Espanha, encontrou Fernando por acaso, na rua, que lhe apresentou à
bonitona com bom aspeto chamada Rosalina Carvalho. Era também uma candidata à
prostituição e falava sem papas na língua na arte das relações sexuais». Achava
Almeida «encantadoramente escuro» e pensava que parecia Sidney Poitier. Almeida
ofereceu-se para que ela viesse no seu carro a Pontevedra. Evidentemente que
Fernando não fazia entrave a que Rosalina fosse na viagem com Almeida, quando
fazia questão. Rosalina parece ter adormecido quando ouviu dizer que Almeida
lhe dava um prémio de cinquenta mil escudos para compras. Durante a viagem
falaram de várias coisas e Almeida perguntou-lhe o que pensava em relação ao
seu estilo de vida. Ela respondeu que isso devia dizer respeito unicamente a
ela. Quando chegaram, apesar de já ser quase meio-dia, Almeida informou
Rosalina que tinha de ir tratar dos seus assuntos, e deu-lhe um envelope com o
dinheiro, para ela ir fazer compras às galerias espanholas. E quando regressou,
Almeida ficou a olhar para a quantidade de sacos no corredor do hall. Rosalina
parece ter-se entusiasmado com o dinheiro — Almeida estava pasmado — e mandou
vir o jantar. Quinze minutos depois, ouviu-se um toque na campainha da porta e
Almeida pediu a Rosalina que fosse receber o camareiro com o jantar. Almeida
pediu-lhe também para tirar as roupas e jantarem nus. Os desejos evoluíram
rapidamente, e pouco depois estava a convidá-la a sentar-se no seu colo. Depois
foram para a cama, mas quando parou recomeçaram de novo — e a segunda foi mais
demorada, na terceira ela adormeceu. Contou a Fernando que a relação foi
«diabólica e feroz» e aproveitou bem a oportunidade para gozar com Rosalina,
que mais tarde negou repetir.
Durante toda a sua vida e por mais de oitenta anos
após a sua morte, em 2009, o nome de José Oliveirinha — «o homem que lançou a
Femina — permaneceu incólume sem uma homenagem à sua obra. O começo, nos finais
dos anos 60, teve enormes percussões no mundo do sapato. José Oliveirinha, o
homem que seria descrito como «o criador do sapato de senhora prá-exportação»,
nasceu na década 40, em Ruivães, em Vila Nova de Famalicão, e era descendente
de uma família média. Foi através do pai que ouviu falar pela primeira vez da
história do sapato. A sua infância foi feliz. Oliveirinha e o pai tinham muitas
coisas em comum. Aos dezasseis anos saiu da escola com o curso de contabilista
e empregou-se num escritório e aprendeu sozinho inglês, continuando a estudar
poesia, como suplemento. Com vinte e três anos foi enviado para o Porto como
contabilista de um comerciante e, tempos mais tarde, montou um escritório, ao
qual já tinha angariado uma boa carteira de clientes, no Porto. Como resultado,
acumulou uma boa conta bancária. Anotou no seu bloco que estava em Oliveira de
Azeméis durante a surpreendente Revolução dos Cravos. De regresso da Europa,
casou com uma bela portuguesa que lhe deu um filho, mas como esta não se
interessava por poesia, nem por viagens, acabaram por se divorciar. O filho foi
criado pela mãe, recebendo uma mesada do pai para estudos e, mais tarde, tomava
lugar ao lado do pai, na organização e gestão da fábrica e tinha de estudar à
noite para evoluir. Oliveirinha visitou a Grécia, pela primeira vez, aos trinta
e nove anos. Quatro anos depois era suficientemente rico para realizar a
ambição de toda a sua vida: ser poeta. Estudou poesia em tempo extra e viajou
por muita parte. Numa dessas viagens, acabou por conhecer uma jovem senhora com
quem conviveu; os dois apaixonaram-se, e em breve, uniram-se pelos laços do
matrimónio. Os pais dela ficavam muito humorados com as histórias que ele
contava, principalmente, a história sobre as cheias do rio Douro. Oliveirinha
estava convencido de que aquela seria a última vez, como apostavam muitos
casamenteiros. Os estudiosos que pensavam que, — não há duas sem três —
pensavam bem, porque Oliveirinha, mais tarde, decidiu separar-se. Em 1987
visitou a Checoslováquia e Áustria — a terra da música — acompanhado de uma
senhora solteira, mais nova vinte anos que ele, que se dedicava à pintura.
Escolheu ir viver com ela para casa dos seus pais, em Gondomar. Um velho amigo,
o empresário da noite Fernando Abraão, do Porto, foi com ele na viagem até ao
estádio do Prater, onde o FCP escreveu uma das páginas mais gloriosas do
futebol português. Logo a seguir a isto, foi convidado para dirigir O Jornal de
Oliveira de Azeméis, escrevendo a sua crónica, segundo a sua sabedoria
cultural, sobre variados temas. Decidiu publicar o seu primeiro livro de
poemas, chamado Voo de pássaro, uma tiragem de cem exemplares. Conseguiu uma
coluna no semanário “Estrela do Minho”, de V.N. de Famalicão, para fazer atrair
os jovens à poesia. Fez também referência no seu livro denominado — Ruivães na
Obra de Camilo —, de quem era seu fã acérrimo, publicado em 1996. Temos de
admitir que, como poeta, Oliveirinha não era um predestinado. O seu método era
tão ágil como uma lâmina. Deu simpaticamente alguns exemplares aos seus amigos,
para que meditassem um pouco sobre a beleza das palavras. Convencido de que a
sua veia poética devia estar mais abaixo do grau que imaginava, pelo menos,
serviu-lhe de entretenimento, que o foi, na verdade, muitos anos depois. No
início da Primavera de 2000, começou a sua preocupação; tinha encontrado um
buraco financeiro nas contas da fábrica por gestão danosa e fizera um acordo
para cobrir os pagamentos em Julho. Então, um dia, em Maio, consultou um médico
particular que lhe diagnosticou uma deficiência na cervical, e que necessitava
de uma cirurgia, o mais urgente possível. Com receio que a cirurgia roubasse
parte da sua saúde, esperou até que a altura se proporcionasse, e pediu à sua
jovem mulher que o ajudasse a dar-lhe «força amímica». Oliveirinha havia mais
tarde de lhe agradecer do fundo do coração. Em Julho regressou a Gondomar,
anunciando por fim a falência e o encerramento da Fábrica de Calçado Femina.
Tornou-se falado em toda a região. Mais tarde havia de confessar a alguém, onde
o seu palpite sobre o fim da Femina provou ser verdadeiro. Morreu em 2009, com
oitenta e picos anos. O seu corpo está sepultado em jazigo da família, no
cemitério de Gondomar. É esta a história de José Oliveirinha, que tem sido
contada muitas vezes. Os ex. funcionários ainda mostram aos visitantes
fascinados o local onde Oliveirinha elevou a Femina, junto ao formoso parque La
Salete.
A 7 de Fevereiro de 1997, J. Hermes, de cinquenta e
dois anos, antigo costureiro de moda do Porto e ainda figura dominante de O
Mundo da Noite, foi notificado para comparecer no Tribunal de S. João Novo, no
Porto, acusado da falta de pagamentos das várias multas aplicadas pelos agentes
de trânsito. O julgamento, que estava marcado para as 14 horas da tarde, durou
apenas cinco minutos, devido a não comparência do juiz, por motivos alheios. O
ponto mais alto do «processo Hermes», girava à volta dos comentários da
clientela boémia, prestados nos bares, era que Hermes tinha abusado da sua
figura mundana para demorar o processo, até prescrever o tempo. O advogado de
sua confiança, Dr. Gomes Varela, considerou-o culpado, embora tomasse conta do
seu processo e o fosse defender durante o julgamento. Embora o desfecho fosse
já aguardado depois de falado por tantas cabeças, a dureza de Hermes pasmou e
surpreendeu os notívagos em todo o Porto. Existia também uma conversa
generalizada, vinda de todo o lado de que Hermes tinha influência com coronéis,
doutores e políticos para enviar as multas para o cesto dos papéis moribundos.
O advogado Varela anexou imediatamente uma declaração ao processo fazendo
mea-culpa, alegando que o carro de Hermes tinha sido furtado em dias
coincidentes com as datas das multas, e que o seu cliente não fizera queixa na
polícia. Hermes foi acusado várias vezes de multas infringidas ao código da
estrada. A última tinha o carro estacionado no local da polícia, quando se desentendeu
com o agente e pediu-lhe a identificação, dizendo ser uma multa de má-fé. Mesmo
depois de o agente o ter multado, continuou a insinuar má-fé e atirou com a
multa para a berma. Logo que o aviso de notificação foi-lhe parar às mãos,
Hermes reagiu imediatamente após uma conversa com o advogado, informando que ia
deixar o caso ir para o desleixo. No entanto, o advogado Varela fez ver a
Hermes que na falta de comparência, incorria na pena de prisão. O julgamento,
que estava marcado para as 11 horas da manhã, chegou às treze horas e quarenta
e cinco minutos, com mais audiências pelo meio, quando o nome de Hermes foi
chamado no corredor do tribunal. Após um período de incómoda acalmia
temperamental, Hermes — cujo sistema nervoso constava ter sido beliscado pela
demora do julgamento — quando da entrada do juiz na sala, Hermes deu uma bronca
no juiz, usando um discurso forte: «Vossa Excelência deve-me uma desculpa pelo
atraso». O juiz mandou-o calar, embora o réu continuasse a pedir um pedido de
desculpas pela demora do tempo. Acabou por ser condenado a pagar todas as
multas, acrescidas da obrigação de pagar juros e custos processuais. O «caso
Hermes» tornou-se na maior bronca ligada ao noturno. Teve também um enorme
impacto durante os anos 90.
O julgamento da Canário, membro do Bando das
Periquitas portuenses, em que acusava o seu ex. companheiro chamado Joca de
deturpação, foi a maior desgraça no seio da família traidora. A acusação
consistia em que Joca tinha drogado a Canário — que se deitara com ele na cama
de uma pensão — a praticar relações anais com a Canário. Joca, era um antigo
segurança de uma discoteca, com quem constava que a Canário tivera uma ligação
sexual. Filha de um casal bairrista, foi educada numa escola social de Ramalde,
e mais tarde, empregou-se nas lides domésticos. Era obviamente uma miudita de
tendências oscilantes e tornou-se benjamim do Bando das Periquitas. Escolheu um
modo de vida andante, e, por fim — a vida mais amarga das mulheres. — A má
vida, o caminho mais fácil cujos protagonistas se tornavam frequentemente
viciadas acérrimas. Iniciou-se nas rapidinhas em 1990 e concorreu ao concurso
de A Cara Mais Bonita de O Bar do Traidor no ano seguinte, como a mais jovem
das concorrentes. Venceu o concurso com mais votos de que as outras
concorrentes. Tinha um corpo bonito para a vitrina e realizou a sua entrada na
má-vida com toda a pedalada de uma traquina típica para a frentex. Na resenha semanal de O
Jornal Dos Traidores, citaram diversos comentários acerca da Canário, que a
consideravam alegre na amizade dos seus amigos e capaz de «dispor bem». Foi
também neste ano, durante a ida a uma discoteca, no Porto, que a Canário
conheceu o homem que iria provocar a sua contestação sexual, Joca, (conforme
era conhecido) no bairro. A pista abarrotava de jovens que saltavam
freneticamente ao ritmo da música pop-sound.
O companheiro da Canário, Joca, tinha estilo de saltitante, bigode farfalhudo e
usava grandes suíças à Elvis. Por cima da camisa de flanela, trazia dependurado
na mão um blusão tão fatela que cheirava a mofo. Os dois foram dançar para a
pista. O pinta d´elástico deu-lhe um grão de coca a cheiras às narinas! E fez
vibrar o coração dela com tanta força que ficou por momentos na lua! Perante
este quadro negro entenderam-se melhor e foram estes os motivos que os levaram
a curtir até à exaustão, no quarto das águas furtadas ao som da sinfonia
denominada: — dá c´o pau! E naquela noite muita coisa de mau aconteceu...
Quando pela manhã acordou, a Canário deu conta que tinha sido desflorada no
ânus! Saltou repentinamente da cama. E pôs-se a apalpar o traseiro! Nem quis
imaginar como pôde aquilo ter acontecido. Refugiou-se em casa e durante uns
dias andou em abatimento psicológico, até que por fim desabafou com as amigas
mais próximas que logo a aconselharam a processar o pilantra violador. O advogado ouviu-a sem interrupções, até chegar
a sua vez de intervir: «O que leva a Canário a dizer que foi violada, se ainda
não consultou um médico?» - «Não sei, doutor. Só sei que sinto uma sensação
estanha». - «Mas explique-se; sensação estranha de quê? – exclamou o advogado,
dando uma fumaça no cigarro. – Não sei se sabe: - um homem só penetra se a
mulher abrir a gaveta». - «Ai, senhor doutor, desculpe lá...» «Parece-me que
alguém me enfiou com uma cenoura pelo cu acima. Não puxe mais por mim, senhor
doutor». – O advogado fechou os olhos, fazendo um enorme esforço para não se
rir. Estava tão espantado que, no momento em que a Canário se levantou para
sair, pegou na caneta e anotou alguns elementos no papel. A seguir, limitou-se
a abanar a cabeça e a dizer: «Entendam-se um ao outro». – Também o quadro acima
do candeeiro na parede lhe calou o bico — A mulher nua é vulnerável — Apenas
duas exceções... Uma foi quando ela deixou, a outra foi quando ela quis.
O affaire de
Verona Vera, leader um grupo de acompanhantes de luxo do basfond portuense, roubada por uma ex-namorada, foi a maior bronca
que abalou desde uns tempos em O Mundo da Noite. O roubo consistiu em que Vera
tinha conhecido uma jovem — que a levara com ela para o seu apartamento — a
compartilhar amizade com Susi, novata na prostituição, com quem constava que
Vera tivera uma ligação sexual. Até ao caso de Susi, a vida de Verona Vera, uma
mulher de meia-idade, tinha sido uma vida de sucessos contínuos. Filha de pais
incógnitos, foi criada na tia e estudou até à quarta classe. Era obviamente uma
mulher de presença atraente e tendências ambiciosas. Iniciou-se como lojista
nos anos 80 e participou em festas cor-de-rosa no ano seguinte, como convidada.
Tinha um enorme talento para a sedução, e cativou as suas amizades «com toda a
habilidade de uma mulher inteligente», nas palavras dos repórteres na sua
resenha semanal em O Jornal Dos
Traidores, que ainda citaram diversos comentários que a consideravam humana
na conquista dos seus objetivos e capaz de «atrair». As primeiras amizades
foram um fracasso, mas dividiu algumas com as antigas veteranas. Causou um
impacto imediato na Discotecas da Finesse devido ao seu ar coquete e dotes
sedutores. Foi em 1996, durante a visita a um bar de rápidas, no Porto, que Vera conheceu a rapariga que iria provocar a
sua ira amorosa, Suzete, depois conhecida por Susi, doze anos mais nova que
Vera, era natural do Pombal e tinha um temperamento emocional muito ríspido. Aos
quinze anos foi na ilusão de um viajante de sonhos e andou três dias a sonhar,
e foi até ser apanhada e mantida sob proteção policial, com promessas de não
voltar a infringir. No ano seguinte tornou-se aluna de artes marciais. Por esta
altura debatia-se com fortes sonhos profundos: era dominada por grandes
personagens da banda desenhada e tinha o hábito de se personificar no papel das
heroínas das suas próprias histórias que inventava. O interesse mais importante
da sua vida era os seus chinelos. Nunca dormia sem eles. Um motorista de
transportes convidou-a a ir ver os carros elétricos ao Porto, e deixou-a num
bar a falar com o dono. Em 1997, tomou um pifo de champanhe, e teve de ir de
imediato à casa de banho. Foi ao vomitar que reparou na observação de Vera, que
lhe disse, quando estivesse a beber champanhe com os clientes, despejasse a
bebida para o balde, o mais que pudesse. Foi assim que Susi conheceu Vera.
Depois de recomposta, foram até uma discoteca, na parte de lá da Ribeira, onde
Vera tinha uma garrafa de uísque. Segundo Susi, as suas relações sexuais
começaram nessa noite. Susi afirmou que, quando iam no táxi, Vera lhe pediu se
não se ralava de ser apresentada como uma jovem de uma equipa de promotoras de
vendas, com quem ela ia trabalhar, no dia seguinte. Na discoteca do
Rock-And-Roll, Susi foi apresentada como Susete. Nessa noite quando Susi estava
na cama, Vera levou-lhe um livro escrito por Fernando Abraão, a história sobre
mulheres de bares As mulheres do bar AC. Um
pouco depois, voltou ao quarto de roupão e camisa de noite, e sentou-se ao meio
da cama. «Disse-me que eu parecia um pássaro na gaiola... nesse momento
abraçou-me chamando-me ´pobre passarinho`... meteu-se na cama comigo». Vera
saiu para ir à sala buscar um iogurte de chocolate, que pôs na vagina. Depois
colocou um toalhete na cama e fez amor com Susi, com esta desempenhando o papel
de mulher-fêmea. Segundo Susi, quando Vera saiu, «deixei-me apenas ficar
deitada de pernas abertas com a sua “cadela”, a lamber-me». Mas embora Susi tivesse
afirmado que não tinha ficado totalmente satisfeita, a ligação prosseguiu
rapidamente. Vera arranjou uma nova vestimenta para Susi, deixando-a vir viver
para o seu apartamento, onde segundo esta, Vera se aproveitava com ela para
fazerem amor. Fizeram amor quatro ou cinco vezes. Encontravam-se à noite na
Pinacoteca Pub para irem jantar a um restaurante de Vale Formoso. Na noite de
S. João, do Porto, Susi foi às Fontainhas com Vera e, enquanto os foguetes estoiravam pelo ar, Vera teve
relações com Susi no banco do carro. Começaram a surgir problemas. Um certo
cliente do bar acusou Susi de não tirar os chinelos durante a rapidinha, e
quando o cliente não quis pagar o serviço, Susi roubou-lhe da carteira um
punhado de contos de réis e fugiu da pensão. Logo a seguir, Susi arranjou um
outro problema ao fazer um cabrito,
este quis montá-la por trás e Susi deu-lhe uma patada, que ele partiu a cabeça
contra a janela do quarto. Novamente teve que arrear pé e fugir da pensão, e
Vera ofereceu-lhe um postal com uma rosa vermelha em que lhe dizia: «Os
passarinhos devem manter-se serenos no ninho». Havia um p.s: «Tenho-te no meu coração». Mas quando Vera começou a
abeirar-se dos casos que Susi «interviera» e descobriu que estava enganada em
relação aos ímpetos da sua amiga, o relacionamento começou a arrefecer — pelo
menos da sua parte. Havia ainda a acrescentar os casos das colegas do bar que
acharam Susi bastante acelerada e demasiado excitável. Susi foi trabalhar para
um bar de uma camareira, e, quando a camareira se encontrou com Vera, disse-lhe
para se precaver sobre o passado da jovem, tinha-se virado a um cliente com uma
tesoura na mão, respondeu-lhe, um pouco brusca, que devia avisá-la calmamente
sobre os riscos que se metia. No entanto, continuou a ajudar Susi, serenando-lhe
a situação com a sua simpatia afável. Infelizmente, à medida que Vera parecia
ter começado a perder a paciência com a «passarinho», Susi convenceu-se que
estava apaixonada por Vera. Quando Fani,
a cadela de Vera, mordeu os calcanhares a Susi, foi maltratada por esta e
ficado com um olho à Belenenses. Vera
pediu-lhe que se fosse embora do apartamento. Susi tentou pedir-lhe desculpa,
mas esta recusou-se a perdoar-lhe, a menos que reatasse os mimos com Fani, o
que era impensável. Susi viu-se atacada em duas frentes e começou a sentir-se
cada dia mais triste. Um dia, num acesso de fúria, aproveitou-se de estar só no
apartamento, e roubou o casaco de pele de antílope a Vera, e um rode joias de
valor estimativo. Susi partiu logo a seguir para a capital, aceitando um outro
trabalho relacionado com a prostituição. Quando o relojoeiro da Omega,
telefonou a Vera, exigindo o pagamento de um relógio de quartzo que Susi tinha
comprado a crédito, Vera recusou-se a pagar e afirmou que não fazia ideia da
atual morada de Susi. Era evidente que tinha um desejo enorme de nunca mais
voltar a ver nem ouvir falar de Susi.
O Inverno de 1999 foi, um período friorento em
Portugal, devido à geada que assoprou pela Europa fora. Em 9 de Dezembro desse
ano, na altura em que os sobretudos e os guarda-chuvas ainda não se tinham
poupado, o empresário industrial, Rui Guedes, regressara a Portugal para se
redimir do seu fracasso conjugal e aliara-se à família. O empresário industrial
tinha trinta e quatro anos e supunha-se que estaria mais sereno depois de mais
de dois anos de ausência. Passara com sucesso um mini curso de ensino comercial
havia apenas meia dúzia de meses, após alterações no sistema informativo.
Constava que Guedes quando estava em lua-de-mel, passara-se com a mulher e
fugira para o Brasil, para descansar um pouco das suas preocupações em relação
à mulher, quando esta pediu o divórcio. Mas o sol no Brasil aqueceu-o em pouco
tempo. No Brasil, Guedes pode fazer o que bem quis, e ainda lhe sobrou tempo. E
tanto quanto Guedes queria, era esta por certo a altura indicada para umas
borgas. Muitos brasileiros estavam radiantes com ele; o seu estilo
«deixa-pra-lá» tornara-se falante e muito badalado e alguns bacanos da
vida-airada achavam-no muito legal. Em breve o dinheiro começou a escassear e,
embora tivesse um cartão de crédito para as emergências, Guedes começou a ficar
cada vez mais cansado e histérico. Telefonou para casa dos pais, em Portugal, e
descarregou todas as saudades aos pais, que ficaram compreensivelmente tocados.
Os pais fizeram o possível para o acalmar e por fim, mandaram-no regressar a
Portugal. Guedes fez as malas e voou na TAP.
Os problemas voltaram a surgir, quando Guedes voltou a casar, e passado
meses o casamento desfez-se, quando Guedes confessou à mulher que, nunca
conseguia ir para a cama às nove horas da noite. Guedes estava uma vez mais
metido em sarilhos. Logo a seguir ao seu rompimento o advogado de família
afirmou que as suas ex. mulheres exigiam os subsídios de maternidade. Guedes
protestou com os valores exigidos, mas acabou por usar a sua máxima:
«deixa-pra-lá». Na semana de menos chuva, segundo os boletins meteorológicos,
Guedes começou a frequentar bares e casas de diversão noturnas. Cliente de O
Bar do Traidor, tornou-se membro do Grupo de Traidores e, granjeou inúmeras
amizades, entre elas, um indivíduo de nome Joel que frequentava as duas casas
de diversão, na rua da Constituição. Joel, vendedor de máquinas de jogo,
separado, de trinta e dois anos, conhecia o empresário desde que este começara
a entrar no sistema de engates. Segundo notícias do pessoal, começaram a ver-se
depois do fim do trabalho. Dizia-se também que os dois homens pareciam o Roque e Amiga. Andavam sempre juntos nos
copos. O empresário começou então uma ligação com uma chavalita que se
prostituía, quando Joel tentou imitá-lo, envolvendo-se com uma camareira da
noite, que se tinha apaixonado por ele. Na Primavera desse ano, Guedes conheceu
muita gente do Grupo de Traidores, alargando os seus horizontes. Obviamente que
não tinha qualquer intenção de se meter mais em alhadas casamenteiras. E
quando, no ano seguinte, o seu desempenho na fábrica em conjunto com o seu
irmão eram leais e eficientes, levava uma vida dupla secreta, entregando-se a
ambientes boémios, a maior parte das vezes com mulheres que se prostituíam.
Tinha também encontros profissionais com outros empresários, principalmente
quando se entregava às comezainas e bebidas. Num evento, em O Bar do Traidor,
presidida por Ratazana, considerou que «se um homem numa empresa pública
consegue, com sucesso, levar uma vida dupla secreta, como Guedes conseguiu
durante tanto tempo, mantendo-se completamente apanhado entre os campos de
ação, deve-se elogiar o seu lado positivo...» Ratazana acrescentou ainda que
Guedes era um parceiro formidável e, por isso, um prestigio para o Grupo de
Traidores. Embora o sucesso estivesse quase no fim, Guedes disse aos amigos que
aquele bar era a sua segunda família que não tinha tido. Rui Oliveira, vendedor de produtos farmacêuticos, e um
homem divertido, divorciado, que acompanhava o empresário Guedes a tomar o seu
primeiro uísque da tarde, assim como outros amigos, no bar, foi meter-se com
duas prostitutas sentadas na mesa encostada à parede, depois de as ter beijado
nas faces. Consta que recebeu uma goela. Cita-se que um amigo não identificado
afirmou: «Ninguém queria saber se ele aproveitou a goela ou não e por se ter
aproveitado da ocasião. A comodidade traidora adorava-o...».
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