Saturday, February 23, 2013


                                      
FERNANDO ABRAÃO
E RATAZANA
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(4)

                                        O
                                  MUNDO
                                       DA
                                    NOITE
                                       ~~~
                                                                                                                                                                                                                                                                                                            
                                                                                                                                                   

Em Janeiro de 1996, a senhora Tina, de cabelos loiros, apanhou o vício de fazer uns arranjinhos, e nunca mais desaprendeu. Era uma senhora de meia-idade conhecida por «Miss Piggy», num trocadilho usado em O Jornal Dos Traidores. A sua carreira foi premiada, quando se tornou dona de uma casa de passe em Rio Tinto, no Porto, — para satisfação dos clientes em geral, a maioria dos quais achava que as obscenidades escandalosas que se passava na sua casa suburbana eram mais para um gozo do que para injuriar. Lá os clientes individuais pagavam sete mil e quinhentos escudos por uma rápida, com um bónus por mais «umas festas extras», para se tornarem fiéis. Em casa da senhora Piggy, os clientes e prostitutas quebravam o gelo com um amasso ou dois de roço e bebidas, em sofás guarnecidos de almofadas. O cliente que se seguiu, foi levado a admitir que se tratava de um bordel bem cozinhado. Na entrada, no corredor, a senhora Piggy não deixava ficar por mãos alheias os seus pergaminhos num cartaz que dizia: «A minha casa é suficientemente ARRUMADA para ser frequentada... e suficientemente INDECENTE para ser feliz». Parecia tudo tão arranjado, que era mais uma mini desgraça do que qualquer ofensa à moral. Miss Piggy que tinha uma filha a estudar na universidade na altura em que se lançou nas lidas, revelou a alguém que contava vários empresários, engenheiros e advogados, um membro do Partido da Junta e um par de gays e lésbicas entre os seus clientes habituais. Com as novatas que lhe apareciam em primeira mão, chamava os primeiros clientes logo da manhã junto à igreja de Rio Tinto, num quarto de guisar, decorado com penas de pavão e luzes vermelhas e um cuco espantado, dentro de uma casota castanha. Depois as novatas — apresentadas pela senhora Piggy como «boas mulheres casadas», a maior parte domésticas a arranjar dinheiro para os botões — recebiam metade do cachet por cada cliente que aviavam. Estavam na sala mais de quinze clientes, quando o último a entrar em cena teve uma surpresa no quarto, ao ver a novata em estado deplorável de exaustão e fadiga, e ofereceu-se para a levar ao hospital. Era um homem de cinquenta e quatro anos, e identificava-se como «cabrito número vinte, Lau», sapateiro, fazia de anjo da guarda e levava as novatas em passeio noturno. Em Fevereiro de 1999, o nome da senhora Piggy apareceu em foco, de novo, no cabeçalho do pasquim, que anunciava a barafunda do estacionamento na casa junto à igreja de Rio Tinto. Contudo, desta vez não era necessário chamar a guarda, e dizia-se que a senhora Piggy afirmava: «Fi-los ver para porem os carros longe». Contou a um repórter mau-olhado de O Jornal Dos Traidores: «Hoje em dia, os vizinhos vêm algumas vezes uma quantidade de carros parados à minha porta e dizem: ´Então, já atendeste a tua família toda, Tina?` — ´Ai, já estava a contar com eles... sinto que ainda presto um bom serviço a eles, embora não esteja a pensar nisso. É como um verdadeiro trabalho de Apoio Social´». Voltou para dentro em poucos segundos, murmurando para os botões da camisa: «Gostaria de ser lembrada como uma boa dirigente de um bordel simpático... não uma dessas casas pirosas, como existem na Tailândia. Deveria ter recebido uma medalha pelo que fiz pelo meu povo».               

Engenheiro Luís Almeida, foi um eterno sedutor, de quem um bloguista escreveu que a «sua vida particular era um labirinto de autênticos contos, encontros fortuitos e situações emotivas que ameaçavam constantemente, se bem que nunca estoirassem, uma bronca desastrosa». Almeida nasceu em meados dos anos quarenta, no seio de uma família social folgada e foi estudar para Lisboa, para casa de uns familiares próximos, e meditava bastante na sua tendência para o pecado. Aos dezassete anos deslumbrou-se com uma bailarina de topless na TV e aprendeu a masturbar-se. Depois, aos vinte e dois anos apaixonou-se por uma senhora firme portuguesa. Na mesma altura relacionou-se com a irmã de um amigo, que tinha acabado de perder a virgindade. Contou mais tarde aos amigos íntimos que tivera um flirt com ela. Referiu mais tarde que «falhou redondamente», ao tentar não fazer filhos a amigas. Por isso fez todos os possíveis com ela para não ficarem inimigos, e conseguiu obter bons resultados. Mesmo assim, Almeida conta que «uma semana, três meses depois do flirt, debaixo da aceleração do cansaço sexual, viciei-a e não fui capaz de pensar por que motivo não quis acabar com ela». Almeida casou com a senhora firme portuguesa, que era mais nova cinco anos que ele, e parece que foram razoavelmente felizes. Quando começou a trabalhar na sua empresa de químicos, como industrial individual, apaixonou-se por uma empregada de boite, Maria de Lurdes. Esta sofria bastante com problemas de afeto. Um dia Almeida entrou no quarto e encontrou-a a roçar a rata no punho da cama. «Parecia arder por todos os lados e fui dominado de repente por uma baga de calor. Desde que andara com ela que a minha vida sexual funcionava às mil maravilhas. Esquecia-me de todos os problemas. De repente parecia que o chão se mexia debaixo de mim...» O resultado foi uma cambalhota em dois atos que o transformou numa fera e, num garanhão. Num dia em que saiu no comboio teve, de repente, pensamento de que já não estava apaixonado pela empregada de boite e que esta o desgastava profundamente. Com um atrevimento cruel, decidiu que era melhor contar-lhe enquanto ia a tempo. A pobre mulher ficou naturalmente em estado lastimoso e continuou a manter-se fiel durante anos, pedindo-lhe repetidamente que regressasse ao seu leito. (Fê-lo, mas não achou encanto). Até que um dia se enamorou. Tinha estado a preparar umas encomendas para exportação. Em Março de 1976 foi passar a tarde ao bar de Fernando e Moura, no Porto, ouvindo o que Fernando lhe contava acerca de uma nova empregada. Foi servido por Mónica, antiga artista de striptease, que tinha cabelo loiro e rosto de cavalo. Mas tanto ela como o bar eram extremamente atraentes e Almeida estava farto das habituais cerimónias e etiquetas e das noites passadas em quartos de hotéis. «Ao fazer tímidos gestos de contato, verifiquei que não era estorvado. Senti, surpreendido, que a desejava profundamente, e que ela retribuía os meus desejos... Por motivos alheios à minha vontade, não tive relações com Mónica nessa noite, mas combinamos tornar-nos amantes logo que possível». A oportunidade surgiu quando Almeida a foi levar a casa no seu carro e transferiu o caminho para o parque de um hotel. Um dos sócios do bar, Fernando, tinha-lhe dito que Mónica lhe tinha confidenciado estar doida por ele e isso contribuiu para aumentar o seu fulgor, dando-lhe mais intensidade. Ao ter-se habituado no campo do adultério, Almeida não mais apeou pé do caminho. Em 1979, de viagem de negócios a Itália, viu uma jovem francesa sentada sozinha e persuadiu o camareiro a convidá-la a juntar-se a ele. «Tornei-me falador com a menina e mantivemos uma conversa interessante e divertida. Tinha desejos de fazer amor com ela, mas achava que primeiro devia oferecer-lhe uma bebida. E assim fiz. Pedi ao camareiro para lhe servir um Bourbon. Acabámos por passar a noite juntos e ela disse-me que fosse ter com ela a França mal pudesse». E de regresso ao Porto, Almeida estava a trabalhar numa investigação sobre cores, quando Fernando chegou batendo à porta — e uma vez mais apresentou-o à encantadora Luísa Rara, uma alentejana-lisboeta que trabalhou com ele em clubes noturnos. Almeida fez amor com ela, desejando depois não o ter feito, vista ela tê-lo feito perder-se em convites. Durante o encerramento do estabelecimento de químicos e a passagem para o campo da política, Almeida foi integrado no Parlamento camarário pelas suas ideias socialistas. Em 1982, o socialismo pô-lo em contato com uma atrevida lojista de vinte e nove anos, casada com o empresário italiano Mário Tuto. Depois de Almeida haver preferido um piropo galanteador, recebendo um elogio igual, beberam juntos e depois foi até um quarto da residencial — o marido estava ausente —, onde se tornaram amigos íntimos. Em 1983, Almeida ia tratar de negócios a Espanha, encontrou Fernando por acaso, na rua, que lhe apresentou à bonitona com bom aspeto chamada Rosalina Carvalho. Era também uma candidata à prostituição e falava sem papas na língua na arte das relações sexuais». Achava Almeida «encantadoramente escuro» e pensava que parecia Sidney Poitier. Almeida ofereceu-se para que ela viesse no seu carro a Pontevedra. Evidentemente que Fernando não fazia entrave a que Rosalina fosse na viagem com Almeida, quando fazia questão. Rosalina parece ter adormecido quando ouviu dizer que Almeida lhe dava um prémio de cinquenta mil escudos para compras. Durante a viagem falaram de várias coisas e Almeida perguntou-lhe o que pensava em relação ao seu estilo de vida. Ela respondeu que isso devia dizer respeito unicamente a ela. Quando chegaram, apesar de já ser quase meio-dia, Almeida informou Rosalina que tinha de ir tratar dos seus assuntos, e deu-lhe um envelope com o dinheiro, para ela ir fazer compras às galerias espanholas. E quando regressou, Almeida ficou a olhar para a quantidade de sacos no corredor do hall. Rosalina parece ter-se entusiasmado com o dinheiro — Almeida estava pasmado — e mandou vir o jantar. Quinze minutos depois, ouviu-se um toque na campainha da porta e Almeida pediu a Rosalina que fosse receber o camareiro com o jantar. Almeida pediu-lhe também para tirar as roupas e jantarem nus. Os desejos evoluíram rapidamente, e pouco depois estava a convidá-la a sentar-se no seu colo. Depois foram para a cama, mas quando parou recomeçaram de novo — e a segunda foi mais demorada, na terceira ela adormeceu. Contou a Fernando que a relação foi «diabólica e feroz» e aproveitou bem a oportunidade para gozar com Rosalina, que mais tarde negou repetir.
                                                                                    
Durante toda a sua vida e por mais de oitenta anos após a sua morte, em 2009, o nome de José Oliveirinha — «o homem que lançou a Femina — permaneceu incólume sem uma homenagem à sua obra. O começo, nos finais dos anos 60, teve enormes percussões no mundo do sapato. José Oliveirinha, o homem que seria descrito como «o criador do sapato de senhora prá-exportação», nasceu na década 40, em Ruivães, em Vila Nova de Famalicão, e era descendente de uma família média. Foi através do pai que ouviu falar pela primeira vez da história do sapato. A sua infância foi feliz. Oliveirinha e o pai tinham muitas coisas em comum. Aos dezasseis anos saiu da escola com o curso de contabilista e empregou-se num escritório e aprendeu sozinho inglês, continuando a estudar poesia, como suplemento. Com vinte e três anos foi enviado para o Porto como contabilista de um comerciante e, tempos mais tarde, montou um escritório, ao qual já tinha angariado uma boa carteira de clientes, no Porto. Como resultado, acumulou uma boa conta bancária. Anotou no seu bloco que estava em Oliveira de Azeméis durante a surpreendente Revolução dos Cravos. De regresso da Europa, casou com uma bela portuguesa que lhe deu um filho, mas como esta não se interessava por poesia, nem por viagens, acabaram por se divorciar. O filho foi criado pela mãe, recebendo uma mesada do pai para estudos e, mais tarde, tomava lugar ao lado do pai, na organização e gestão da fábrica e tinha de estudar à noite para evoluir. Oliveirinha visitou a Grécia, pela primeira vez, aos trinta e nove anos. Quatro anos depois era suficientemente rico para realizar a ambição de toda a sua vida: ser poeta. Estudou poesia em tempo extra e viajou por muita parte. Numa dessas viagens, acabou por conhecer uma jovem senhora com quem conviveu; os dois apaixonaram-se, e em breve, uniram-se pelos laços do matrimónio. Os pais dela ficavam muito humorados com as histórias que ele contava, principalmente, a história sobre as cheias do rio Douro. Oliveirinha estava convencido de que aquela seria a última vez, como apostavam muitos casamenteiros. Os estudiosos que pensavam que, — não há duas sem três — pensavam bem, porque Oliveirinha, mais tarde, decidiu separar-se. Em 1987 visitou a Checoslováquia e Áustria — a terra da música — acompanhado de uma senhora solteira, mais nova vinte anos que ele, que se dedicava à pintura. Escolheu ir viver com ela para casa dos seus pais, em Gondomar. Um velho amigo, o empresário da noite Fernando Abraão, do Porto, foi com ele na viagem até ao estádio do Prater, onde o FCP escreveu uma das páginas mais gloriosas do futebol português. Logo a seguir a isto, foi convidado para dirigir O Jornal de Oliveira de Azeméis, escrevendo a sua crónica, segundo a sua sabedoria cultural, sobre variados temas. Decidiu publicar o seu primeiro livro de poemas, chamado Voo de pássaro, uma tiragem de cem exemplares. Conseguiu uma coluna no semanário “Estrela do Minho”, de V.N. de Famalicão, para fazer atrair os jovens à poesia. Fez também referência no seu livro denominado — Ruivães na Obra de Camilo —, de quem era seu fã acérrimo, publicado em 1996. Temos de admitir que, como poeta, Oliveirinha não era um predestinado. O seu método era tão ágil como uma lâmina. Deu simpaticamente alguns exemplares aos seus amigos, para que meditassem um pouco sobre a beleza das palavras. Convencido de que a sua veia poética devia estar mais abaixo do grau que imaginava, pelo menos, serviu-lhe de entretenimento, que o foi, na verdade, muitos anos depois. No início da Primavera de 2000, começou a sua preocupação; tinha encontrado um buraco financeiro nas contas da fábrica por gestão danosa e fizera um acordo para cobrir os pagamentos em Julho. Então, um dia, em Maio, consultou um médico particular que lhe diagnosticou uma deficiência na cervical, e que necessitava de uma cirurgia, o mais urgente possível. Com receio que a cirurgia roubasse parte da sua saúde, esperou até que a altura se proporcionasse, e pediu à sua jovem mulher que o ajudasse a dar-lhe «força amímica». Oliveirinha havia mais tarde de lhe agradecer do fundo do coração. Em Julho regressou a Gondomar, anunciando por fim a falência e o encerramento da Fábrica de Calçado Femina. Tornou-se falado em toda a região. Mais tarde havia de confessar a alguém, onde o seu palpite sobre o fim da Femina provou ser verdadeiro. Morreu em 2009, com oitenta e picos anos. O seu corpo está sepultado em jazigo da família, no cemitério de Gondomar. É esta a história de José Oliveirinha, que tem sido contada muitas vezes. Os ex. funcionários ainda mostram aos visitantes fascinados o local onde Oliveirinha elevou a Femina, junto ao formoso parque La Salete.     
                                                                                   
A 7 de Fevereiro de 1997, J. Hermes, de cinquenta e dois anos, antigo costureiro de moda do Porto e ainda figura dominante de O Mundo da Noite, foi notificado para comparecer no Tribunal de S. João Novo, no Porto, acusado da falta de pagamentos das várias multas aplicadas pelos agentes de trânsito. O julgamento, que estava marcado para as 14 horas da tarde, durou apenas cinco minutos, devido a não comparência do juiz, por motivos alheios. O ponto mais alto do «processo Hermes», girava à volta dos comentários da clientela boémia, prestados nos bares, era que Hermes tinha abusado da sua figura mundana para demorar o processo, até prescrever o tempo. O advogado de sua confiança, Dr. Gomes Varela, considerou-o culpado, embora tomasse conta do seu processo e o fosse defender durante o julgamento. Embora o desfecho fosse já aguardado depois de falado por tantas cabeças, a dureza de Hermes pasmou e surpreendeu os notívagos em todo o Porto. Existia também uma conversa generalizada, vinda de todo o lado de que Hermes tinha influência com coronéis, doutores e políticos para enviar as multas para o cesto dos papéis moribundos. O advogado Varela anexou imediatamente uma declaração ao processo fazendo mea-culpa, alegando que o carro de Hermes tinha sido furtado em dias coincidentes com as datas das multas, e que o seu cliente não fizera queixa na polícia. Hermes foi acusado várias vezes de multas infringidas ao código da estrada. A última tinha o carro estacionado no local da polícia, quando se desentendeu com o agente e pediu-lhe a identificação, dizendo ser uma multa de má-fé. Mesmo depois de o agente o ter multado, continuou a insinuar má-fé e atirou com a multa para a berma. Logo que o aviso de notificação foi-lhe parar às mãos, Hermes reagiu imediatamente após uma conversa com o advogado, informando que ia deixar o caso ir para o desleixo. No entanto, o advogado Varela fez ver a Hermes que na falta de comparência, incorria na pena de prisão. O julgamento, que estava marcado para as 11 horas da manhã, chegou às treze horas e quarenta e cinco minutos, com mais audiências pelo meio, quando o nome de Hermes foi chamado no corredor do tribunal. Após um período de incómoda acalmia temperamental, Hermes — cujo sistema nervoso constava ter sido beliscado pela demora do julgamento — quando da entrada do juiz na sala, Hermes deu uma bronca no juiz, usando um discurso forte: «Vossa Excelência deve-me uma desculpa pelo atraso». O juiz mandou-o calar, embora o réu continuasse a pedir um pedido de desculpas pela demora do tempo. Acabou por ser condenado a pagar todas as multas, acrescidas da obrigação de pagar juros e custos processuais. O «caso Hermes» tornou-se na maior bronca ligada ao noturno. Teve também um enorme impacto durante os anos 90.

O julgamento da Canário, membro do Bando das Periquitas portuenses, em que acusava o seu ex. companheiro chamado Joca de deturpação, foi a maior desgraça no seio da família traidora. A acusação consistia em que Joca tinha drogado a Canário — que se deitara com ele na cama de uma pensão — a praticar relações anais com a Canário. Joca, era um antigo segurança de uma discoteca, com quem constava que a Canário tivera uma ligação sexual. Filha de um casal bairrista, foi educada numa escola social de Ramalde, e mais tarde, empregou-se nas lides domésticos. Era obviamente uma miudita de tendências oscilantes e tornou-se benjamim do Bando das Periquitas. Escolheu um modo de vida andante, e, por fim — a vida mais amarga das mulheres. — A má vida, o caminho mais fácil cujos protagonistas se tornavam frequentemente viciadas acérrimas. Iniciou-se nas rapidinhas em 1990 e concorreu ao concurso de A Cara Mais Bonita de O Bar do Traidor no ano seguinte, como a mais jovem das concorrentes. Venceu o concurso com mais votos de que as outras concorrentes. Tinha um corpo bonito para a vitrina e realizou a sua entrada na má-vida com toda a pedalada de uma traquina típica para a frentex. Na resenha semanal de O Jornal Dos Traidores, citaram diversos comentários acerca da Canário, que a consideravam alegre na amizade dos seus amigos e capaz de «dispor bem». Foi também neste ano, durante a ida a uma discoteca, no Porto, que a Canário conheceu o homem que iria provocar a sua contestação sexual, Joca, (conforme era conhecido) no bairro. A pista abarrotava de jovens que saltavam freneticamente ao ritmo da música pop-sound. O companheiro da Canário, Joca, tinha estilo de saltitante, bigode farfalhudo e usava grandes suíças à Elvis. Por cima da camisa de flanela, trazia dependurado na mão um blusão tão fatela que cheirava a mofo. Os dois foram dançar para a pista. O pinta d´elástico deu-lhe um grão de coca a cheiras às narinas! E fez vibrar o coração dela com tanta força que ficou por momentos na lua! Perante este quadro negro entenderam-se melhor e foram estes os motivos que os levaram a curtir até à exaustão, no quarto das águas furtadas ao som da sinfonia denominada: — dá c´o pau! E naquela noite muita coisa de mau aconteceu... Quando pela manhã acordou, a Canário deu conta que tinha sido desflorada no ânus! Saltou repentinamente da cama. E pôs-se a apalpar o traseiro! Nem quis imaginar como pôde aquilo ter acontecido. Refugiou-se em casa e durante uns dias andou em abatimento psicológico, até que por fim desabafou com as amigas mais próximas que logo a aconselharam a processar o pilantra violador. O advogado ouviu-a sem interrupções, até chegar a sua vez de intervir: «O que leva a Canário a dizer que foi violada, se ainda não consultou um médico?» - «Não sei, doutor. Só sei que sinto uma sensação estanha». - «Mas explique-se; sensação estranha de quê? – exclamou o advogado, dando uma fumaça no cigarro. – Não sei se sabe: - um homem só penetra se a mulher abrir a gaveta». - «Ai, senhor doutor, desculpe lá...» «Parece-me que alguém me enfiou com uma cenoura pelo cu acima. Não puxe mais por mim, senhor doutor». – O advogado fechou os olhos, fazendo um enorme esforço para não se rir. Estava tão espantado que, no momento em que a Canário se levantou para sair, pegou na caneta e anotou alguns elementos no papel. A seguir, limitou-se a abanar a cabeça e a dizer: «Entendam-se um ao outro». – Também o quadro acima do candeeiro na parede lhe calou o bico — A mulher nua é vulnerável — Apenas duas exceções... Uma foi quando ela deixou, a outra foi quando ela quis.           

O affaire de Verona Vera, leader um grupo de acompanhantes de luxo do basfond portuense, roubada por uma ex-namorada, foi a maior bronca que abalou desde uns tempos em O Mundo da Noite. O roubo consistiu em que Vera tinha conhecido uma jovem — que a levara com ela para o seu apartamento — a compartilhar amizade com Susi, novata na prostituição, com quem constava que Vera tivera uma ligação sexual. Até ao caso de Susi, a vida de Verona Vera, uma mulher de meia-idade, tinha sido uma vida de sucessos contínuos. Filha de pais incógnitos, foi criada na tia e estudou até à quarta classe. Era obviamente uma mulher de presença atraente e tendências ambiciosas. Iniciou-se como lojista nos anos 80 e participou em festas cor-de-rosa no ano seguinte, como convidada. Tinha um enorme talento para a sedução, e cativou as suas amizades «com toda a habilidade de uma mulher inteligente», nas palavras dos repórteres na sua resenha semanal em O Jornal Dos Traidores, que ainda citaram diversos comentários que a consideravam humana na conquista dos seus objetivos e capaz de «atrair». As primeiras amizades foram um fracasso, mas dividiu algumas com as antigas veteranas. Causou um impacto imediato na Discotecas da Finesse devido ao seu ar coquete e dotes sedutores. Foi em 1996, durante a visita a um bar de rápidas, no Porto, que Vera conheceu a rapariga que iria provocar a sua ira amorosa, Suzete, depois conhecida por Susi, doze anos mais nova que Vera, era natural do Pombal e tinha um temperamento emocional muito ríspido. Aos quinze anos foi na ilusão de um viajante de sonhos e andou três dias a sonhar, e foi até ser apanhada e mantida sob proteção policial, com promessas de não voltar a infringir. No ano seguinte tornou-se aluna de artes marciais. Por esta altura debatia-se com fortes sonhos profundos: era dominada por grandes personagens da banda desenhada e tinha o hábito de se personificar no papel das heroínas das suas próprias histórias que inventava. O interesse mais importante da sua vida era os seus chinelos. Nunca dormia sem eles. Um motorista de transportes convidou-a a ir ver os carros elétricos ao Porto, e deixou-a num bar a falar com o dono. Em 1997, tomou um pifo de champanhe, e teve de ir de imediato à casa de banho. Foi ao vomitar que reparou na observação de Vera, que lhe disse, quando estivesse a beber champanhe com os clientes, despejasse a bebida para o balde, o mais que pudesse. Foi assim que Susi conheceu Vera. Depois de recomposta, foram até uma discoteca, na parte de lá da Ribeira, onde Vera tinha uma garrafa de uísque. Segundo Susi, as suas relações sexuais começaram nessa noite. Susi afirmou que, quando iam no táxi, Vera lhe pediu se não se ralava de ser apresentada como uma jovem de uma equipa de promotoras de vendas, com quem ela ia trabalhar, no dia seguinte. Na discoteca do Rock-And-Roll, Susi foi apresentada como Susete. Nessa noite quando Susi estava na cama, Vera levou-lhe um livro escrito por Fernando Abraão, a história sobre mulheres de bares As mulheres do bar AC. Um pouco depois, voltou ao quarto de roupão e camisa de noite, e sentou-se ao meio da cama. «Disse-me que eu parecia um pássaro na gaiola... nesse momento abraçou-me chamando-me ´pobre passarinho`... meteu-se na cama comigo». Vera saiu para ir à sala buscar um iogurte de chocolate, que pôs na vagina. Depois colocou um toalhete na cama e fez amor com Susi, com esta desempenhando o papel de mulher-fêmea. Segundo Susi, quando Vera saiu, «deixei-me apenas ficar deitada de pernas abertas com a sua “cadela”, a lamber-me». Mas embora Susi tivesse afirmado que não tinha ficado totalmente satisfeita, a ligação prosseguiu rapidamente. Vera arranjou uma nova vestimenta para Susi, deixando-a vir viver para o seu apartamento, onde segundo esta, Vera se aproveitava com ela para fazerem amor. Fizeram amor quatro ou cinco vezes. Encontravam-se à noite na Pinacoteca Pub para irem jantar a um restaurante de Vale Formoso. Na noite de S. João, do Porto, Susi foi às Fontainhas com Vera e, enquanto os foguetes estoiravam pelo ar, Vera teve relações com Susi no banco do carro. Começaram a surgir problemas. Um certo cliente do bar acusou Susi de não tirar os chinelos durante a rapidinha, e quando o cliente não quis pagar o serviço, Susi roubou-lhe da carteira um punhado de contos de réis e fugiu da pensão. Logo a seguir, Susi arranjou um outro problema ao fazer um cabrito, este quis montá-la por trás e Susi deu-lhe uma patada, que ele partiu a cabeça contra a janela do quarto. Novamente teve que arrear pé e fugir da pensão, e Vera ofereceu-lhe um postal com uma rosa vermelha em que lhe dizia: «Os passarinhos devem manter-se serenos no ninho». Havia um p.s: «Tenho-te no meu coração». Mas quando Vera começou a abeirar-se dos casos que Susi «interviera» e descobriu que estava enganada em relação aos ímpetos da sua amiga, o relacionamento começou a arrefecer — pelo menos da sua parte. Havia ainda a acrescentar os casos das colegas do bar que acharam Susi bastante acelerada e demasiado excitável. Susi foi trabalhar para um bar de uma camareira, e, quando a camareira se encontrou com Vera, disse-lhe para se precaver sobre o passado da jovem, tinha-se virado a um cliente com uma tesoura na mão, respondeu-lhe, um pouco brusca, que devia avisá-la calmamente sobre os riscos que se metia. No entanto, continuou a ajudar Susi, serenando-lhe a situação com a sua simpatia afável. Infelizmente, à medida que Vera parecia ter começado a perder a paciência com a «passarinho», Susi convenceu-se que estava apaixonada por Vera. Quando Fani, a cadela de Vera, mordeu os calcanhares a Susi, foi maltratada por esta e ficado com um olho à Belenenses. Vera pediu-lhe que se fosse embora do apartamento. Susi tentou pedir-lhe desculpa, mas esta recusou-se a perdoar-lhe, a menos que reatasse os mimos com Fani, o que era impensável. Susi viu-se atacada em duas frentes e começou a sentir-se cada dia mais triste. Um dia, num acesso de fúria, aproveitou-se de estar só no apartamento, e roubou o casaco de pele de antílope a Vera, e um rode joias de valor estimativo. Susi partiu logo a seguir para a capital, aceitando um outro trabalho relacionado com a prostituição. Quando o relojoeiro da Omega, telefonou a Vera, exigindo o pagamento de um relógio de quartzo que Susi tinha comprado a crédito, Vera recusou-se a pagar e afirmou que não fazia ideia da atual morada de Susi. Era evidente que tinha um desejo enorme de nunca mais voltar a ver nem ouvir falar de Susi.

O Inverno de 1999 foi, um período friorento em Portugal, devido à geada que assoprou pela Europa fora. Em 9 de Dezembro desse ano, na altura em que os sobretudos e os guarda-chuvas ainda não se tinham poupado, o empresário industrial, Rui Guedes, regressara a Portugal para se redimir do seu fracasso conjugal e aliara-se à família. O empresário industrial tinha trinta e quatro anos e supunha-se que estaria mais sereno depois de mais de dois anos de ausência. Passara com sucesso um mini curso de ensino comercial havia apenas meia dúzia de meses, após alterações no sistema informativo. Constava que Guedes quando estava em lua-de-mel, passara-se com a mulher e fugira para o Brasil, para descansar um pouco das suas preocupações em relação à mulher, quando esta pediu o divórcio. Mas o sol no Brasil aqueceu-o em pouco tempo. No Brasil, Guedes pode fazer o que bem quis, e ainda lhe sobrou tempo. E tanto quanto Guedes queria, era esta por certo a altura indicada para umas borgas. Muitos brasileiros estavam radiantes com ele; o seu estilo «deixa-pra-lá» tornara-se falante e muito badalado e alguns bacanos da vida-airada achavam-no muito legal. Em breve o dinheiro começou a escassear e, embora tivesse um cartão de crédito para as emergências, Guedes começou a ficar cada vez mais cansado e histérico. Telefonou para casa dos pais, em Portugal, e descarregou todas as saudades aos pais, que ficaram compreensivelmente tocados. Os pais fizeram o possível para o acalmar e por fim, mandaram-no regressar a Portugal. Guedes fez as malas e voou na TAP. Os problemas voltaram a surgir, quando Guedes voltou a casar, e passado meses o casamento desfez-se, quando Guedes confessou à mulher que, nunca conseguia ir para a cama às nove horas da noite. Guedes estava uma vez mais metido em sarilhos. Logo a seguir ao seu rompimento o advogado de família afirmou que as suas ex. mulheres exigiam os subsídios de maternidade. Guedes protestou com os valores exigidos, mas acabou por usar a sua máxima: «deixa-pra-lá». Na semana de menos chuva, segundo os boletins meteorológicos, Guedes começou a frequentar bares e casas de diversão noturnas. Cliente de O Bar do Traidor, tornou-se membro do Grupo de Traidores e, granjeou inúmeras amizades, entre elas, um indivíduo de nome Joel que frequentava as duas casas de diversão, na rua da Constituição. Joel, vendedor de máquinas de jogo, separado, de trinta e dois anos, conhecia o empresário desde que este começara a entrar no sistema de engates. Segundo notícias do pessoal, começaram a ver-se depois do fim do trabalho. Dizia-se também que os dois homens pareciam o Roque e Amiga. Andavam sempre juntos nos copos. O empresário começou então uma ligação com uma chavalita que se prostituía, quando Joel tentou imitá-lo, envolvendo-se com uma camareira da noite, que se tinha apaixonado por ele. Na Primavera desse ano, Guedes conheceu muita gente do Grupo de Traidores, alargando os seus horizontes. Obviamente que não tinha qualquer intenção de se meter mais em alhadas casamenteiras. E quando, no ano seguinte, o seu desempenho na fábrica em conjunto com o seu irmão eram leais e eficientes, levava uma vida dupla secreta, entregando-se a ambientes boémios, a maior parte das vezes com mulheres que se prostituíam. Tinha também encontros profissionais com outros empresários, principalmente quando se entregava às comezainas e bebidas. Num evento, em O Bar do Traidor, presidida por Ratazana, considerou que «se um homem numa empresa pública consegue, com sucesso, levar uma vida dupla secreta, como Guedes conseguiu durante tanto tempo, mantendo-se completamente apanhado entre os campos de ação, deve-se elogiar o seu lado positivo...» Ratazana acrescentou ainda que Guedes era um parceiro formidável e, por isso, um prestigio para o Grupo de Traidores. Embora o sucesso estivesse quase no fim, Guedes disse aos amigos que aquele bar era a sua segunda família que não tinha tido. Rui Oliveira, vendedor de produtos farmacêuticos, e um homem divertido, divorciado, que acompanhava o empresário Guedes a tomar o seu primeiro uísque da tarde, assim como outros amigos, no bar, foi meter-se com duas prostitutas sentadas na mesa encostada à parede, depois de as ter beijado nas faces. Consta que recebeu uma goela. Cita-se que um amigo não identificado afirmou: «Ninguém queria saber se ele aproveitou a goela ou não e por se ter aproveitado da ocasião. A comodidade traidora adorava-o...».
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