Sunday, December 23, 2007

CONTOS DE RATAZANA


  PATACO NO FONTÓRIA
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Os ruidosos e barulhentos clientes do bar faziam um chiqueiro tremendo todas as vezes que o cliente gordinho acabava uma anedota, mas não o interrompiam. Nessa tarde havia contado duas de sexo, três de esfola e uma de música contendo fado vadio e uns guisados de grelos indigestos, servidos nuns lençóis de um quarto numas águas-furtadas. Fez um compasso de espera com a mão direita no ar. Conteve a respiração e depois deu o primeiro sinal: um tossido. A anedota a seguir era de grande importância. Podia pô-los de rastos, outra picante como as anteriores, estariam a pôr a língua de fora, de certeza. As anedotas bem contadas provocavam rios de consolação. Mas aquela a seguir ─ era super!... E disso tinha ele a certeza. Pataco, assim se chamava o gordinho, olhou bem para eles:

─ O maior barrete de que eu tomei parte passou-se no meu tempo de tropa, quando fui transferido para uma unidade de Lisboa. No dia da minha folga, depois de me equipar à civil, preparei-me para ir visitar uma boate na cidade de que os colegas me falaram chamada Fontória. Quando entrei a sala estava cheia de gente e havia mulheres bonitas à moda, numa pista de dança e uma artista de strip-tease. Sentei-me numa cadeira e chamei o empregado de mesa: «Quero que me traga a artista de strip-tease. E que a ponha aqui sentada a meu lado acompanhada de uma garrafa de champanhe nacional.»

«Vou tratar do assunto», respondeu o empregado de mesa. Antes dele se afastar toquei-lhe no braço e continuei:
«Quero que peça ao músico do conjunto para tocar aquela música “Daqui não saio daqui ninguém me tira” e que toque em ritmo de mambo, porque me dá uns formigueiros pelos calos acima e quero descontrair. Diga-lhe que venha jeitosa. Por favor, diga-lhe isso. E para pôr aquele perfume da marmelada. E quero que me traga um bourbon em cálice de balão aquecido, e ponha depois, duas pedras de gelo como eu gosto. Já pode ir.

Quando levei a artista de strip-tease a casa depois daquele convívio diabólico, diverti-me imenso e gozei até ao cair da cama. Adorei-a. Nunca tinha visto uma stripper como aquela. O que veio a seguir, é que me derreteu, quando uns dias depois voltei à boate e não a encontrei. Fui ter com o porteiro e perguntei-lhe:

─ Ó amigo! Tenho tentado encontrar a artista do strip-tease, mas não a apanho. Já não está cá? ─
─ Quem? O travesti? ─ Declarou o porteiro fitado em mim. ─ O travesti acabou, ontem, de actuar no cartaz da casa.

Um assombro de me pôr de caixão à cova. Desta vez o barrete cheirou a carne de porco!»

Sunday, December 16, 2007

CONTOS DE RATAZANA


´E os maiores são os cornetas, Fernando.
 Porque têm lábia. São presunçosos.
 E cheiram a azeite`.

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Olhava agora em frente, a ver o sítio para onde o motociclista seguira. Para lá do areal branco como os que no Verão há na Foz, próximo de Matosinhos, via-se o Radar da Capitania e, em frente, o Forte de Leça. O mar parecia uma ardósia azul, e podia ver-se alguns barcos arrastados ao vento e outros ancorados ao porto de Leixões. Tenho de esperar até ela fazer um e voltar de novo à faina de rebola cima, rebola abaixo, para explicar a este nabo, pensou ele. Talvez não demore muito porque isto são corridas de dez em dez minutos. Não, não acredito. A gaja fez o gajo num relâmpago! Isto não é um bordel, pensou ele. É estranho recordar como naquele tempo frequentávamos as ruas do vício e como nunca o vimos. Foi uma vez, quando já estava para as bandas da Banharia, um dia brioso como hoje, que eu vi um corneta a emitir sinais de código à parceira. De qualquer modo, eu era muito rapaz e agora já tenho uma dúzia de anos a mais, eles sempre me trataram bem. Sabes se é por isso que ele te trataram bem?, perguntou a si próprio. Talvez seja porque sou novato no início da minha carreira.

Talvez não seja assim.

Ou talvez assim seja, pensou ele. Conquista-se primeiro a mulher que se deseja, com muitas cautelas para não levantar asas e depois, se há inteligência, deve-se ter o cuidado de saber onde a colocar, por causa de algumas carraças de pés descalços que estarão sempre ressentidos de inveja de sermos bem sucedidos. O grande corneta tem um pensamento rígido. Não têm, aliás um pensamento estúpido como Mosqueira que também era um vagabundo e esfarrapado corneta. Zé-Mau, Cardoso e Grelhas. Três escolas de pensamento avançado. Primeira: prego-lhes um soco no olho à Belenenses. Segunda: meto-me nos copos andando de bar em bar. Terceira: Abafo o dinheiro nas paredes como a pega e depois dou o arregaço. E dar o arregaço é pôr as coisas no bom sítio e governado. Está visto, pensou, sempre que começamos a orientar o barco tornámo-nos gananciosos. Lembra-te de todos os cornetas da zona, lembra-te de Mário Cigano tão conquistador como galanteador e lembra-te como as pessoas eram boas. Lembra-te dos teus amigos e das tuas amigas e lembra-te dos teus entes queridos. Não sejas sisudo nem burro. E que tem isto que ver com a minha carreira hoteleira? Vamos lá, acaba com isso, disse ele de si para si. Está a curtir uma cena.

─ Lá está o homem ─ disse ele. ─ Vou encostar junto à berma para darmos uma mirada, Tony.

O Chefe e o ocupante ficaram dentro do carro na estrada que dava para Matosinhos e olharam para o farol fustigado pelo vento frio que descia do céu, vendo-se a silhueta de uma mulher que bamboleava a sua anca como um manequim da alta moda.

─ Estás a ver ela a balancear a mala no ar? ─ Apontou o Chefe. ─ Está a fazer-lhe chegar a notícia que a carteira está recheada.
─ Sim, estou a entender.
─ Os cornetas do Porto ─ disse o Chefe, ─ eram todos bons conquistadores. Meteram as suas catraias em lugares chaves da cidade e construíram um soberbo pé-de-meia. Foram os cornetas do Porto que criaram os códigos entre parceiros. Eram duros e rijos como tabuletas de sabão e partiam as ventas ao mais pintado que se atravessasse com as suas catraias. Todos eles tinham aula de boxe. Mas arrastavam trás de si uma corja de penduras que eram piores que eles. Onde entravam só faziam cagada, que era para dar nas vistas.

Fez uma pausa.

─ Queres ouvir o resto, Tony?
─ Continua. Estou a gostar.
─ Foi um corneta do Porto, ao pôr a sua catraia no engate no café Derbi, quem utilizou os primeiros sinais de código. E foi ele também quem pôs três mulheres na vida a prostituírem-se para ele e se fez passar por médico, mandando imprimir quinhentos cartões de visita com o seu nome a relevo e entregou com muita honra às suas próprias prostitutas.

Mas nesse tempo ele metia-se tanto com raia graúda como raia miúda que eu achava fruta demasiado bizarra para o meu gosto. Nunca voltaram a aparecer por lá figuras tão extrovertidas como aquelas que eu conheci ao início no Derbi. E de facto assim reza a história.

─ O café que tu dizes é aquele onde há muitas regueifas deformadas e uma decoração que parece mais um daqueles salões dos mineiros que se vê na fita americana, não é verdade?
─ É esse todo. Se esse é o aspecto que tu achas, então acertaste. Agora tu não te esqueças que no outro lado da rua existe outro café, o Royal, que tem uma frequência semelhante e uma panorâmica quase tão idêntica como o Derbi. A rua Chã é uma pequena rua muito comercial, onde as mulheres da vida fazem picolés saborosos e os homens fazem sobe e desce e pregam gazeta ao trabalho, normalmente ao dia de segunda-feira, dia do sapateiro. Isto não quer dizer que os homens passe os dias no sobe e desce, isso não. Isto é para quebrar o stress da puta-mania. À noite, também passam o tempo inteiro com as suas mulheres a fazerem meninos. E se há luar, é marmelada a dobrar.

Fez nova pausa.

─ É melhor estar aqui do que ir ao cinema.
─ O.K. ─ disse o Chefe. ─ Vamos de vela.